Estadão
A decisão da Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania (CCJ) do Senado de aprovar uma emenda à Constituição que praticamente joga no lixo a atual legislação de licenciamento ambiental revoltou a comunidade do setor em todo o País, com repercussões entre as principais instituições de meio ambiente, do governo, do Congresso Nacional e de organizações sociais.
Conforme a Proposta de Emenda Constitucional (PEC) 65/2012, de autoria do senador Acir Gurgacz (PDT-RO) e relatada pelo senador Blairo Maggi (PR-MT), estabelece que, a partir da simples apresentação de um Estudo Impacto Ambiental (EIA) pelo empreendedor, nenhuma obra poderá mais ser suspensa ou cancelada no País. Como esses estudos de impacto ambiental (EIA) são feitos pelos próprios empresários e apresentados no início de qualquer obra, significa que todo o processo de licenciamento ambiental, que analisa se um projeto é viável ou não, perde completamente o sentido.
Ao ‘Estado’ a presidente do Ibama, Marilene Ramos, informou que “o Ibama recebe com enorme preocupação a aprovação, na Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania, da PEC 65/2012”. Segundo Marilene, a PEC “pode resultar em grave retrocesso na busca do equilíbrio entre o desenvolvimento e a proteção do meio ambiente”. Ela acrescentou que a eventual aplicação desta proposta representa, na prática, “o fim do licenciamento ambiental e das medidas de controle dos empreendimentos com significativos impactos ambientais, cuja regulação tem sido aprimorada nos últimos quarenta anos, principalmente a partir da lei da política nacional do meio ambiente”.
A presidente do Ibama afirma que a PEC coloca o Brasil em direção oposta ao que vem ocorrendo em todos os países desenvolvidos, “que cada vez mais buscam o caminho do desenvolvimento sustentável, e também em relação às salvaguardas exigidas por instituições internacionais de financiamento, além dos acordos e tratados internacionais assinados pelo Brasil”. “Nós do Ibama, e acredito que toda a sociedade brasileira, esperamos que o Senado Federal não deixe prosperar esta proposta”, declarou Marinele.
A proposta causou forte reação de especialistas e organizações do setor. “É impensável como isso passou pela CCJ. Não existe autolicenciamento e isso fere todos os princípios administrativos. É a oficialização do caos”, disse Carlos Bocuhy, presidente do Instituto Brasileiro de Proteção Ambiental (Proan). “Essa PEC demonstra a total falta de compreensão que esses parlamentares têm do processo de licenciamento ambiental. Equivale a dizer a um estudante de medicina que, após se inscrever para um vestibular, já pode, no dia seguinte, abrir uma clínica e sair operando as pessoas.”
Samarco. O Observatório do Clima, que reúne organizações da sociedade civil para discutir mudanças climáticas, publicou uma nota de repúdio, na qual “considera um escárnio a aprovação” da PEC. “Num país que sofreu há menos de seis meses a pior tragédia ambiental de sua história, com o rompimento da barragem da Samarco em Mariana, eliminar o processo de licenciamento significa não apenas um convite a tragédias futuras, como também uma facilitação sem precedentes ao trabalho das empreiteiras, cuja relação com os partidos políticos vem sendo detalhada pela Operação Lava Jato”, declarou a organização.
O Greenpeace também se manifestou contra a proposta. “Não é apenas inconstitucional, é imoral e insana. Libera a execução de obras sem medir seus impactos”, disse Marcio Astrini, de Políticas Públicas do Greenpeace. “Se entrar em vigor, funcionará como uma fábrica de tragédias, a exemplo do que ocorreu em Mariana, Minas Gerais.” Segundo Astrini, “o projeto não muda, mas sim elimina a legislação que trata de licenciamento ambiental e institui uma espécie de ‘vale-tudo’ principalmente para grandes obras”.
A aprovação ocorre ainda apenas seis meses após a tragédia de Mariana. “Votam o texto enquanto ainda temos vítimas desaparecidas e pessoas desalojadas pelo rompimento da barragem da Samarco. É um tapa na cara do País”, diz o porta-voz do Greenpeace. Na Câmara, o líder do Partido Verde, deputado Sarney Filho (PV-MA), emitiu nota na qual considera “inaceitável” a proposta de emenda constitucional. “Se essa PEC prosperar, transformará a legislação ambiental brasileira, que já foi uma das mais avançadas do mundo, em legislação medieval”, disse Sarney Filho, que é coordenador da Frente Parlamentar Ambientalista.
O deputado disse não acreditar que o Plenário do Senado Federal aprove a proposta. “Mas, se isso ocorrer, representará um retrocesso sem limites e uma irresponsabilidade enorme”, disse. “Estamos vivendo uma época gravíssima diante do aquecimento global e das mudanças climáticas, que se agravam com os desmatamentos e a destruição dos nossos biomas. Por isso, vamos recorrer ao Supremo Tribunal Federal e faremos obstruções para impedir a aprovação dessa proposta.”
No site Avaaz, especializado em realizar petições digitais, foi criada uma campanha para colher assinaturas contra a aprovação da PEC no Congresso. O portal E-Cidadania, do próprio Senado, também decidiu abrir uma consulta pública contra a proposta. Em ambos os canais, qualquer cidadão pode se manifestar em relação à PEC.
A PEC tem um regime especial de tramitação. Ela precisa ser discutida e votada em cada uma das casas do Congresso Nacional, em dois turnos. Para ser aprovada em ambas, precisa de três quintos dos votos (60%) dos respectivos membros do Senado e da Câmara. A emenda constitucional tem que ser promulgada pelas mesas das duas casas, e não necessita de sanção presidencial.