Cientistas desenvolvem alimentos processados de pescado pantaneiro

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Via Embrapa

Carnes defumadas, nuggets, hambúrgueres, patês, quibes e marinados feitos de pescado do Pantanal foram desenvolvidos pela Unidade de pesquisa da Embrapa em Corumbá, Mato Grosso do Sul, em parceria com o Centro de Pesquisas do Pantanal (CPP). Utilizando espécies nativas, o projeto busca agregar valor aos produtos da pesca na região. “Existe uma cadeia, embora incipiente, de produção de pescado aqui. Ela é muito tradicional, porém não há muita regularidade em função das condições ambientais locais. Além disso, a gente observa que o valor pago aos pescadores dentro da cadeia é muito baixo pelo peixe inteiro e eviscerado”, diz Jorge Lara, pesquisador da Embrapa Pantanal. “Uma forma de aumentar a produção e agregar algum valor a ela é processar o produto”.

De acordo com Lara, que lidera as pesquisas na área, alimentos processados de pescado pantaneiro são voltados a consumidores de todas as idades. “As crianças, muitas vezes, rejeitam peixe. Nem todas gostam do cheiro ou do sabor do filé. Processando essa carne em um produto como o empanado, é possível retirar um pouco do odor e sabor característicos e a criança se torna mais interessada”, acredita. “Com esse projeto, buscamos mostrar a viabilidade, a possibilidade de se produzir de maneira sustentável, diversificar a produção, levar proteína de qualidade para crianças e adultos e, ao mesmo tempo, garantir renda além do auxílio recebido pelos pescadores no período de defeso”.

Variação de acordo com a época

Em 2005, o projeto começou a investigar as técnicas, ingredientes e condições adequadas para produzir esses alimentos, levando em consideração as alterações sofridas pelo ambiente pantaneiro e pelos animais em diferentes períodos. O pesquisador explica que as formulações que existem para produtos de pescado na indústria não se aplicam ao Pantanal. Um dos motivos dessa circunstância é a variação da própria matéria prima. “Dependendo da época do ano em que você captura o peixe, o padrão da carne muda. Por essa razão, a formulação usada em julho nem sempre vai servir em dezembro. Começamos a trabalhar com o pintado e o pacu para padronizar quais seriam os melhores produtos, aqueles que teriam mais condições de serem feitos com qualidade”, afirma Jorge Lara.

 

 

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Equipamentos necessários

Os pesquisadores também estabeleceram a infraestrutura necessária para a produção dos alimentos, o que auxiliará empreendedores interessados. Os equipamentos básicos utilizados para processar os alimentos, de acordo com Lara, são o cutter (processador com mais funções, firmeza e força que o eletrodoméstico convencional) a descarnadeira, usada para fazer carne mecanicamente separada (CMS); e o defumador que pode ser de diferentes tamanhos. “Tendo a estrutura física (um galpão com ajustes elétricos e encanamento para receber o equipamento), calculamos que com 100 mil reais, aproximadamente, é possível adquirir as máquinas. Outras operações industriais, às vezes, custam um ou dois milhões de reais para montar uma empresa produtiva”, afirma Lara.

O pesquisador ressalta que as espécies utilizadas na fabricação dos produtos variam entre as mais tradicionais, como o pacu, pintado e cachara, e algumas diferenciadas, menos conhecidas pelo público em geral: piavuçu, palmito, barbado e jaú. “Esses outros peixes não são tão visados por conta da cultura local. Você quase não os vê no comércio. Os restaurantes da região sempre oferecem pratos como pintado ao urucum ou costela de pacu”, diz. O pesquisador Paulo Teixeira, um dos fundadores do CPP, ressalta que o uso de espécies menos visadas pelo mercado favorece o equilíbrio das populações de peixes nos rios. “O desenvolvimento de produtos a partir de espécies de peixes pouco exploradas contribui para reduzir a sobrepesca em espécies como o pintado e o pacu”.

Impacto socioambiental

De acordo com o último boletim do Sistema de Controle da Pesca de Mato Grosso do Sul (SCPesca/MS), que monitora a atividade no estado há mais de 20 anos, essas duas espécies e o cachara lideraram o ranking das mais procuradas pelos pescadores no estado em 2015, representando juntas mais de 53% do volume total de pescado capturado no ano. O piavuçu representou 10% desse valor; o jaú e o barbado somaram menos de 7% do total. O palmito não alcançou um valor expressivo, sendo classificado junto a outras espécies pouco capturadas.

Informações como essas se traduzem na diferença entre os preços pagos aos pescadores. Roberto de Moraes, que trabalha com a atividade há mais de 20 anos na região pantaneira, conta que recebe cerca de dez reais pelo quilo do pescado. Mas esse é o valor pago pelos peixes considerados nobres, como o pintado; o quilo do barbado ou jaú pode valer metade desse preço, diz Moraes. “Eu pesco entre 200 kg e 300 kg em um bom mês. Na época do frio, como agora, consigo tirar de 30% a 50% dessa quantidade. Preciso pegar os peixes que valem mais”, explica.

Ramão Vicente de Arruda, pescador há 40 anos, afirma revender o quilo do pintado por R$ 15, em média. Já o quilo do palmito costuma custar entre oito e dez reais. “De 500 kg de pescado por mês, 100 kg costumam ser de espécies menos procuradas pelos consumidores, como o palmito, o barbado ou o jaú. Os outros 400 kg são, em sua maioria, pacu ou pintado”, afirma. “Acho que o pessoal compra as espécies mais conhecidas por costume. O palmito, por exemplo, é um peixe muito bom. Para mim, tem mais sabor que o próprio pintado, as pessoas só não estão acostumadas a comer. A divulgação do trabalho com os processados tem que ser mais ampla para colocar esses peixes na mesa da população. Seria mais um meio de sobrevivência para a gente”, afirma.

Transferência de tecnologia

Os pesquisadores adaptaram a produção dos processados de pescado para pequenos grupos ou cooperativas de pescadores, de forma a estimular que eles se apropriem desse trabalho. “Nós temos bagagem suficiente para transferir essas tecnologias para a escala que for necessária, mas estes são produtos voltados para a pesca. A dimensão industrial é muito maior”, diz Jorge Lara. Paulo Teixeira completa: “os pescadores são elos importantes na cadeia produtiva do pescado. Portanto, qualquer produto desenvolvido e comercializado com esse pescado trará novas oportunidades e contribuirá para a renda dessas pessoas”. Com esses objetivos em mente, a Embrapa Pantanal e o campus de Coxim do Instituto Federal de Mato Grosso do Sul (IFMS) discutem atualmente os termos de uma parceria que deverá levar informações sobre este e outros projetos ligados à pesca e aquicultura aos alunos do Instituto.

“Nosso interesse existe porque o pescado é um alimento muito consumido aqui na região, devido à proximidade do rio, e o trabalho de processamento ainda é muito pequeno. Normalmente, o pescador apenas captura e revende o peixe. Essa iniciativa é algo que o próprio pescador poderia manipular para agregar valor aos produtos”, diz Angela Kwiatkowski, coordenadora do curso de tecnologia em alimentos do IFMS em Coxim. De acordo com Angela, o curso teve início em 2015 e hoje conta com duas turmas e 65 alunos matriculados. “Os estudantes aprendem como trabalhar depois da pesca – como realizar a despesca, quais são as normas de higiene dependendo do corte que se vai fazer na carne, as formas de conservação desse material e também formas de criar novos produtos para que se aproveite tudo o que é extraído do pescado, como os processados. É uma área que está em alta. Nosso país tem que aproveitar as oportunidades”, afirma.

Sidnei Klein, professor e coordenador do eixo tecnológico de recursos naturais da mesma instituição, ressalta que o consumo de peixe no Brasil está em evolução. “Estamos hoje com cerca de 14 kg consumidos por habitante/ por ano. Em 2006, esse valor não chegava nem à metade disso. Se formos atingir a média de consumo mundial, que está próxima dos 19 kg por habitante/ por ano, vai faltar muito pescado. Estamos importando 15 vezes mais do que exportando. O que podemos concluir disso é que temos mais demanda interna que produção”, diz. Angela completa: “nós enfatizamos a questão do valor nutricional do pescado, que é riquíssimo para a nutrição humana. Algumas espécies têm altos teores de ácidos graxos da família do ômega 3 e 6. É um produto saudável”.

Além de Mato Grosso do Sul, os processados de pescado pantaneiro deverão ser levados a Mato Grosso nos próximos anos, afirma Jorge Lara. “Estamos ajudando a intermediar, no mercado de Cuiabá, a condição de elevar a produção desses alimentos a uma escala maior para que eles se tornem produtos comerciais. Discutimos a possibilidade de, eventualmente, fazer um contrato com a prefeitura para incluí-los na merenda escolar”. Paulo também fala das parcerias encabeçadas pelo CPP. “Estamos no momento buscando renovar a parceria com o Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação (…). Vemos com grande potencial a continuidade deste trabalho em função dos impactos positivos na socioeconomia, no meio ambiente e até mesmo na saúde da população”.

Aos pescadores, integrantes de cooperativas e outros interessados em alimentos processados de pescado pantaneiro, Lara recomenda que procurem a Embrapa para mais informações. “Só é possível realizar esse trabalho se houver uma equipe – e isso se aplica lá fora, também. Quem trabalhar em conjunto vai ter toda a chance de fazer com que o projeto dê certo”.

Conheça os produtos processados

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