Ser mulher na Ciência

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11 de fevereiro é a data escolhida pela Organização das Nações Unidas (ONU) para comemorar o Dia Internacional das Mulheres e Meninas na Ciência. Para além da comemoração pelas mentes femininas brilhantes que produzem grande parte do saber científico, a data também busca incentivar o acesso e a participação das mulheres de forma igualitária na pesquisa. 

Atualmente, elas representam apenas 28% dos pesquisadores do mundo. A porcentagem é justificada por fatores como o difícil acesso a investimentos e redes de estudo. Além disso, é comum relatos que envolvem a dificuldade de aliar maternidade e pesquisa, a presença de machismo no meio acadêmico e a falta de incentivo para seguir a carreira. 

Para entender melhor a presença feminina na Ciência, conversamos com quatro pesquisadoras: Patrícia Médici, Ieda Bortolotto, Iasmim Amiden e Letícia Couto Garcia, que falaram sobre carreira,  motivações e desafios vividos no meio científico.

Patrícia é pesquisadora, cientista e coordenadora da Iniciativa Nacional para a Conservação da Anta Brasileira (INCAB)

Patrícia

O caminho da pesquisa já se tornou claro para Patrícia Médici desde a graduação. Há 25 anos, atua como pesquisadora, cientista e coordenadora da Iniciativa Nacional para a Conservação da Anta Brasileira (INCAB), do Instituto de Pesquisas Ecológicas (IPÊ). 

Patrícia é formada em engenharia florestal, com mestrado em Ecologia, Conservação e Manejo e doutorado em Manejo e Gerenciamento de Biodiversidade. 

“Minha trajetória da ciência começa pelo interesse em realizar algo que fosse significativo para a conservação de alguma espécie, particularmente grandes mamíferos, que é um grupo que eu gosto bastante. Foi então que a anta entrou no meu caminho”, explica. 

O contato com o fazer científico é constante no trabalho de conservação desenvolvido pela pesquisadora. “É uma área bastante voltada à pesquisa, à ciência e à produção científica. A gente busca utilizar tanto os dados coletados quanto os resultados obtidos para desenvolvimento de estratégias de conservação deste animal”. 

Sobre os desafios vivenciados enquanto mulher cientista, Patrícia acredita que “teve sorte” por ter lidado com poucas situações difíceis em sua trajetória. “De vez em quando nos nossos círculos científicos, encontramos pessoas, indivíduos homens, que se surpreendem por existir uma pessoa como eu. Sou pesquisadora, mãe, mulher, esposa, um monte de coisas. Algumas pessoas acham isso estranho, mas comigo são exemplos pontuais”.

Em seu cotidiano, a pesquisadora observa que as mulheres estão cada vez mais presentes na produção científica “Hoje em dia existe um crescimento da nossa representatividade e do respeito por nós profissionais mulheres. Nós conservacionistas, particularmente, estamos cada vez mais capacitadas”. 

No trabalho desenvolvido pela equipe do IPÊ, é recorrente a solicitação por estágios. Segundo Patrícia, 80% da procura vem de mulheres, entre estudantes e profissionais recém formadas. “Percebo que há um maior interesse, uma maior segurança de entrar nesse mundo, confiança na sua capacidade. Recebo muitos e-mails de jovens que conhecem o nosso trabalho e que gostariam de fazer algo similar. Então também é nosso papel inspirar essa galera que vai tomar o bastão nos próximos anos”, conclui. 

Ieda é professora e pesquisadora na área de Etnobotânica. Créditos: UFMS

Ieda

Ieda Bortolotto atua com a Etnobotânica, uma área interdisciplinar. Sua motivação enquanto pesquisadora é compreender a relação das pessoas com as plantas que as cercam. “Buscamos identificar as espécies medicinais, alimentícias, para construção e para diversos usos conhecidos pelas pessoas. Esse conhecimento é geralmente transmitido oralmente, de geração a geração nas comunidades indígenas, tradicionais ou de pequenos agricultores”. 

A pesquisadora é formada em biologia, com mestrado em Educação e doutorado em Ciências Biológicas. Além disso, é professora na Universidade Federal de Mato Grosso do Sul e vice-coordenadora do projeto ‘Valorização de Plantas Alimentícias do Pantanal e Cerrado’, que desde sua concepção, em 2009, foi acolhido pela Ecoa

Segundo Ieda, a pesquisa é fundamental para que saberes de comunidades tradicionais sejam perpetuados. “Com as mudanças nos modos de vida, em alguns lugares esse conhecimento está se perdendo e é importante estudá-lo para subsidiar políticas públicas voltadas à conservação da biodiversidade e da cultura”. 

Ieda explica que optou pela carreira de cientista por uma série de fatores. “A oportunidade de responder questões ainda não conhecidas pela Ciência, de ler sobre assuntos novos, de interagir com outros pesquisadores e de dar contribuição para políticas públicas são algumas das razões motivadoras para a minha atuação como pesquisadora”. 

Para ela, um dos principais desafios para a mulher é conciliar a maternidade e a produção científica. “Quando nossos filhos são pequenos, por mais que a gente tenha apoio em casa e na sociedade, com familiares e creches/escolas, ainda há uma sobrecarga de trabalho maior para a mulher.  Hoje, as jovens cientistas têm falado nisso abertamente, o que ajuda a preparar as mulheres para entender e enfrentar situações comuns”.

A presença feminina na ciência ainda é pequena principalmente pela falta de incentivo. Para Ieda, o caminho científico precisa ser apresentado como uma possibilidade para as meninas desde cedo. “Acredito que o interesse pela Ciência precisa ser despertado tanto no seio das famílias quanto nas escolas ainda na infância. É fundamental  estimular a presença feminina na Ciência, uma vez que nós ainda somos minoria. E temos muito a contribuir”. 

Iasmim é jornalista e atualmente pesquisa comunicação científica e engajamento público. Créditos: Arquivo Ecoa

Iasmim

Ouvir e contar histórias também faz parte do fazer científico. É o que afirma a jornalista e pesquisadora Iasmim Amiden, que atuou por quatro anos no núcleo de comunicação da Ecoa, onde também coordenava o Programa Oásis

O caminho que a levou para a pesquisa científica foi marcado pelo contato com comunidades tradicionais, em especial com as mulheres. No trabalho como jornalista, uma questão passou a ecoar em sua mente. “Escutar as mulheres me transformou. Então passei a me questionar se essas mulheres e suas comunidades estavam sendo escutadas para formulação de políticas públicas no território onde vivem”. 

A vontade de entender como promover o diálogo entre sociedade, tomadores de decisão e instituições de ensino e pesquisa a levou então até o Reino Unido. Mais especificamente até a Universidade de Edimburgo, na Escócia, onde atualmente estuda Comunicação Científica e Engajamento Público.

Iasmim relata que, dentro do meio científico, já passou por diversas situações em que deixou de ser escutada pelo fato de ser mulher. “Já fui muito interrompida por homens em espaços de diálogo científico,  já tentaram me desacreditar. Isso ainda é algo muito frequente.  A vida da mulher não é fácil em nenhum momento, e é um desafio chegar em uma espaço dominado por homens. Mas isso não me parou”. 

O estabelecimento de rede de mulheres cientistas é compreendido por Iasmim como uma das principais formas de estimular a presença de mulheres no meio científico. “Essas redes precisam promover a presença de mulheres na pesquisa desde a educação básica. Na escola, quando você vai falar sobre  química, engenharia, é importante não direcionar só para meninos, as meninas precisam fazer parte também. É preciso que se promova uma educação inclusiva para que essas meninas sejam envolvidas com a ciência desde de jovem e que tenham noção sobre possibilidades de futuro na área”. 

Letícia é pesquisadora e professora com atuação na área de Ecologia da Intervenção

Letícia

A curiosidade inata é elencada por Letícia Couto como uma característica sua que desde sempre a fez ter interesse pela ciência. “Sempre fui muito interessada pelas questões da natureza, tinha vontade de atuar para trazer respostas para a sociedade”.

A pesquisadora e professora atua na área de Ecologia da Intervenção, que resumidamente estuda e propõe intervenções humanas para melhorar o meio ambiente. Letícia orienta a parte técnica de restauração do projeto que a Ecoa desenvolve atualmente na Área de Proteção Ambiental Baía Negra, no Pantanal.

Em 2021, Letícia foi uma das sete ganhadoras do Prêmio Mulheres na Ciência no Brasil”, realizado pela L’Oréal em parceria com a Organização das Nações Unidas para a Educação, Ciência e Cultura (UNESCO) e a Academia Brasileira de Ciências. A iniciativa tem o intuito de promover e reconhecer a participação da mulher na ciência, favorecendo a igualdade de gênero.

Seu longo currículo e reconhecimento da sua carreira não a impediu de passar por situações recorrentes na vida das mulheres que atuam na ciência. Mãe de dois filhos, a pesquisadora conta que passou por uma série de desafios para conciliar carreira e maternidade. “Muitas vezes tive que recusar convites, cheguei a passar dificuldades e não conseguir ir em congressos com bebê pequeno, por não ter lugar para amamentar, não ter lugar para trocar fralda”.

Outro fator de dificuldade relacionado à maternidade é a equiparação desigual na produtividade com os pesquisadores homens. “Nessa fase, a carreira fica em stand by, ao mesmo tempo a dos homens continuar num ritmo normal. E muitas vezes somos comparadas a eles, o que nos afeta até para conseguir bolsa de produtividade e financiamento”. 

A pesquisadora relaciona a baixa presença feminina na pesquisa e docência à tomada de decisão características da mulher na fase adulta. “Elas estão no período de investir na carreira, na formação da família. E se optam por ter filhos, encontram dificuldades na continuidade da pesquisa, estão se dedicando ao cuidado do filho, da casa”. 

Como solução, Letícia acredita que é fundamental que haja políticas institucionais de apoio às mulheres. “É necessário estimular mulheres com editais específicos para elas. É fundamental políticas de creches nas universidades para que elas não abandonem os cursos. Além disso, universidades e congressos precisam pensar em espaços como fraldários e locais de amamentação para que as mães pesquisadoras possam participar da vida acadêmica junto com seus bebês”. 

 

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