Por Bianca Iglesias Motta
Via Fundect
O Abrobral é uma das sub-regiões mais baixas do Pantantal e, por isso, é rapidamente atingida pelas inundações em períodos de chuvas. É a planície de inundação comum dos rios Abobral, Miranda e Negro, onde a paisagem é composta por vegetação do tipo savana, com áreas de florestas, cordilheiras e/ou capões, e campos, com extensões consideradas
de campos limpos e sujos. O principal problema da região provém do fato de que sua economia é baseada na pecuária de corte, e os criadores não estabeleceram ainda a definição de critérios de manejo adequados para as pastagens. “O problema se agrava, pois no Pantanal do Abobral parte do território é composto por pastagens nativas propícias para
a criação de gado em áreas ‘não inundáveis’ ou ‘sazonalmente inundáveis’”, como explica o pesquisador e professor
da Universidade Federal de Mato Grosso do Sul (Três Lagoas) Mauro Henrique Soares da Silva, coordenador do projeto de pesquisa “Análise integrada da paisagem do Pantanal do Abobral, MS: uma avaliação ambiental pautada no uso de ferramentas geotecnológicas”, que conta com apoio científico da Universidade Uniderp, em Campo Grande, e Universidade de Rennes 2 na França.
Metade da região é composta por florestas e o uso do solo pela pecuária de corte abriga a criação de gado em pastagens nativas estacionais de boa qualidade. O problema é que inundações leves foram aumentando gradativamente a sua duração nos ciclos de cheia, o que tornou quase desativadas algumas fazendas. “Para resolver a situação, a estratégia adotada pelos pecuaristas vem sendo o estabelecimento de pastagens nas áreas de florestas não inundáveis, as cordilheiras, o que pode causar graves danos ambientais em nível local, tais como perda da biodiversidade e mudanças irreversíveis no funcionamento ecossistêmico atual, bem como em nível regional, como mudanças nos pulsos de inundações e alterações climáticas regionais”, afirma Silva.
A falta de dados e pesquisas científicas sobre a área motivou o grupo de pesquisadores a desenvolver o projeto.
“Baseando-se nessas informações,observa-se a necessidade do conhecimento aprofundado dos atributos naturais
do Pantanal do Abrobral (clima, solos, relevo, vegetação, fauna, dentre outros), sobretudo para garantir a compreensão dos processos e dinâmicas de formação e evolução das unidades da paisagem que constituem o complexo mosaico ambiental materializado na área em questão”, ressalta Silva.
A metodologia da pesquisa é baseada principalmente na análise, interpretação e geoprocessamento de imagens de satélites da área de estudo, para compreender a variabilidade espacial das unidades da paisagem que constituem o complexo ecossistêmico da área de estudo. “As atividades técnicas de campo têm como principal objetivo a validação das interpretações das imagens em laboratório, além da aquisição detalhada de dados que possibilitem compreender o funcionamento dinâmico de cada uma das unidades da paisagem identificadas via interpretação de imagens de satélites”.
Entre as metas da pesquisa está a produção de mapas temáticos sintéticos,com limites e características das principais unidades da paisagem em escala de detalhe. “Os mapas temáticos e os relatórios permitirão a compreensão da dinâmica física natural, da biodiversidade e das especificidades ecológicas de cada unidade da paisagem, além de identificar o funcionamento da dinâmica de inundação em cada unidade fisionômica delimitada, bem como a importância da água na
configuração dessas paisagens”, afirma Silva.
Além dos mapas físicos, a pesquisa também irá proporcionar mapas territoriais com representações quali-quantitativas
do processo de uso e ocupação multitemporal do solo e sua influência nas unidades identificadas, permitindo assim compreender a configuração ambiental da região, por meio da análise integrada de suas paisagens e do processo de uso e ocupação do território, o que influencia diretamente a conservação dos recursos naturais.
A pesquisa fortalece o grupo de pesquisa composto por pesquisadores nacionais e internacionais que contribuem para o conhecimento dos aspectos físicos naturais do Pantanal, permitindo acúmulo de uma importante gama de informações científicas que irão direcionar o processo de uso e ocupação das áreas naturais do Estado para um percurso embasado na
sustentabilidade, conservação dos recursos da natureza e respeito aos limites físico-naturais das paisagens.
O pesquisador Hervé Quenól, geógrafo-climatólogo e diretor do Laboratório LETG-Rennes-COSTEL (CNRS e Universidade do Rennes 2), na França,é um dos integrantes da equipe e realiza pesquisas sobre o impacto das alterações climáticas em escalas locais, além de investigações sobre o clima urbano. No Brasil, participa de projetos
de investigação sobre a paisagem em Mato Grosso do Sul. “Nesta linha, eu trago minha experiência voltada à
climatologia para analisar a influência dos tipos de paisagens do Pantanal na variabilidade espacial do clima local”,
afirma.
Segundo Quenól, a principal especificidade da paisagem do Pantanal do Abobral é a diversidade, que tem um grande impacto sobre a variabilidade climática, o que afeta a biodiversidade, fauna e flora. “A análise sistêmica da paisagem, envolvendo o clima e a biodiversidade, é extremamente importante, especialmente para a conservação do meio ambiente”.
Várias tecnologias são utilizadas em climatologia aplicada. Para alcançar as medidas climáticas, serão instalados
10 sensores meteorológicos para diferentes tipos de unidades de paisagem, além de uma estação meteorológica
automática. Esses instrumentos registram a temperatura e a umidade do ar a cada hora. Uma estação meteorológica irá registrar os dados de temperatura, umidade, vento e precipitação, possibilitando averiguar as condições meteorológicas gerais.
A análise dos dados permitirá a avaliação da variabilidade espacial do clima no local de estudo, com base nas condições
meteorológicas gerais.
“A espacialização e modelagem de dados do clima será realizada com base em modelos estatísticos e sistema de informação geográfica. Isso permitirá o mapeamento da variabilidade espacial do clima”, explica Quenól.
“O principal desafio para a região é preservar as unidades de paisagem. O impacto das unidades de paisagem
é tão importante quanto o impacto da mudança climática global. Por exemplo, se pequenas partes de
áreas arborizadas são destruídas, a temperatura local pode aumentar em vários graus, e isso vai inevitavelmente
impactar a biodiversidade. Numerosos estudos científicos abordam o impacto das alterações globais em escalas
locais. Aqui queremos mostrar que as mudanças climáticas locais causadas por mudanças na paisagem podem
[eventualmente] causar impacto sobre o clima global. Isso, às vezes, é discutido para a Amazônia, mas também pode ser referido para o cenário do Pantanal”, avalia Quenól. O grupo está em fase de finalização da instalação dos instrumentos e da análise dos dados coletados em campo, sendo essas atividades concentradas na Base de Estudos do Pantanal
(UFMS), às margens do rio Miranda, e na Fazenda Santa Clara, às margens do rio Abobral. A pesquisa está permitindo
caracterizar em escala de detalhe as diferentes unidades da paisagem do Pantanal do Abobral, no que se refere às características pedológicas, microclimáticas, biogeográficas e de ocupação do solo, bem como monitorar a presença de mastofauna nas diferentes unidades identificadas.
Parte do levantamento florístico e da morfologia dos fragmentos florestais, além dos dados para interpretação das classes de uso e ocupação do solo da área, já foram efetivadas, o que permitirá a conclusão das análises de geoprocessamento de dados em ambiente de Sistema de Informação Geográfica (SIG) no laboratório de Geoprocessamento da Uniderp.