Texto originalmente publicado em 9 de junho de 2023.
A Hidrovia Paraguai-Paraná (HPP) é um projeto para interligar Cáceres, no Mato Grosso, até Nueva Palmira, no Uruguai. Seria um caminho com mais de 3 mil quilômetros que passaria pelo coração do Pantanal.
Para sua construção, são exigidas obras de grande impacto como dragagem, aprofundamento do rio e retilinização de curvas dos rios, que podem gerar impactos irreversíveis para a dinâmica ambiental, social e econômica pantaneira.
Entre os pontos onde são exigidas tais obras, estão algumas das regiões mais preservadas do Pantanal, como o Parque Nacional do Pantanal Matogrossense e a Estação Ecológica de Taiamã.
O principal objetivo da megaobra é transportar soja e outras commodities agrícolas, criando condições para a navegação 24 horas por dia de barcaças de grande porte, com calado de até três metros.
Leia também: Mais de 40 pesquisadores assinam artigo que revela desastre que Hidrovia pode causar para o Pantanal
A primeira versão do projeto da Hidrovia Paraná-Paraguai foi planejada na década de 1980, mas depois de evidências fornecidas por cientistas, bem como cobranças da sociedade diante dos impactos irreversíveis e sistêmicos no Pantanal, a parte brasileira do projeto foi oficialmente rejeitada em 2000.
Entretanto, nos últimos anos a obra passou a ser executada em etapas, com a emissão de licenças para construção de portos a montante do Pantanal próximo a Cáceres (MT) e a jusante do Pantanal em Porto Esperança (MS), o que consequentemente força a criação da Hidrovia entre os dois pontos.
Quer saber mais motivos para não se construir uma Hidrovia no Pantanal? Listamos abaixo uma série de problemas ambientais, sociais e econômicos que esta megaobra pode trazer para a região.
As informações foram retiradas de artigo escrito por mais de 40 pesquisadores que reforçam o desastre que a Hidrovia pode causar para o Pantanal.
Aprofundar o leito do rio reduziria a área inundada do Pantanal
A dragagem para navegação de grandes barcaças reduziria a área de inundação do Pantanal. Isto porque o alagamento das planícies é causado pelo transbordamento do rio Paraguai. Consequentemente, com um rio mais fundo, a água deixa de se espalhar pelas planícies e fica retida no canal.
O que seria do Pantanal sem o ir e vir das águas? Haveria impactos diretos para os animais, plantas e todas as relações de vida que dependem diretamente da dinâmica das águas. A renda de pessoas que dependem da pesca e do turismo também seria afetada. Sem água, as planícies ficam mais secas e há também maior risco de incêndios se alastrarem.
A passagem de águas pelo Pantanal seria acelerada
O Pantanal funciona como uma enorme esponja, recebendo as águas das cabeceiras que descem do Planalto. Essa água percorre as planícies aos poucos, em um processo que demora meses.
Este processo lento seria perdido com a dragagem e fim das curvas do rio Paraguai.
A aceleração da descida das águas do rio Paraguai poderia ter efeitos graves a jusante, na Argentina. Também geraria ressecamento de enormes áreas que antes permaneciam úmidas por um longo período.
Influência das mudanças climáticas potencializa danos da Hidrovia
As águas do Pantanal influenciam o clima da região por meio da evaporação e formação de nuvens.
A redução de áreas alagadas afetaria negativamente o clima do Pantanal, o que é potencializado pelas mudanças climáticas. Há risco de seca prolongada, calor extremo e chuvas intensas em curto tempo. Com isso, há maior probabilidade do fogo se alastrar pelas planícies.
Projeções também indicam que o rio Paraguai é considerado vulnerável às mudanças climáticas, com risco de redução dos níveis de água, o que torna inviável a circulação das grandes barcaças.
Redução de áreas inundadas permite avanço de monoculturas
A redução de áreas alagadas no Pantanal pode viabilizar a expansão da soja, cana, milho e outras plantações exóticas.
A agricultura intensiva exige a eliminação de inundação natural do Pantanal e é extremamente degradante para a vida que compõe a paisagem pantaneira.
O avanço de plantações também é um risco pelo uso de agrotóxicos, o que pode contaminar as águas e impactar a fauna aquática e toda a cadeia alimentar que depende dos peixes, o que inclui os seres humanos.
A dragagem causa impactos ecológicos severos
O rio Paraguai é caracterizado pelos bancos móveis de areia, que influenciam no percurso das águas e modelam as paisagens.
A retirada de areia, ou dragagem, impacta nessa dinâmica natural do Pantanal e afeta os organismos que vivem nas margens do rio. Também aumenta a erosão das margens dos rios, o que leva a um ciclo vicioso, onde a dragagem precisa ser cada vez mais severa.
No plano para implantar a hidrovia, as áreas que mais exigem dragagem são consideradas as mais preservadas do Pantanal: a Estação Ecológica Taiamã e o Parque Nacional do Pantanal.
Nesta região remota do Pantanal, foram encontradas comunidades únicas de onças-pintadas que pescam para se alimentar. A abundância do local também permitiu alteração no comportamento solitário da espécie. As onças pescadoras já foram flagradas socializando, pescando juntas e até brincando umas com as outras.
Acabar com as curvas dos rios gera efeitos ecológicos extremos
O rio Paraguai também é marcado por suas curvas, em especial no extremo norte. No serpenteamento do rio, grande parte do fluxo sai do percurso e se espalha pela planície.
Essa característica do rio é um empecilho para o trânsito de barcaças. A perda de água para a planície dificulta a navegação, assim como seguir as curvas naturais do rio, o que exige mais tempo. Por isso, para implantar a hidrovia é necessário traçar retas onde antes havia curvas.
A retirada das curvas do rio desconecta ambientes e degrada severamente os processos ecológicos da região, afetando toda a biodiversidade.
O próprio tráfego de barcaças gera prejuízos para o Pantanal
Os rios do Pantanal são utilizados de forma sustentável por barcos pequenos há séculos. Mas os planos da hidrovia visam permitir a navegação de barcaças de grande porte, o que é incompatível com a dinâmica natural da região.
Entre os impactos do trânsito dessas gigantes embarcações, está a formação de ondas que causam erosão nas margens do rio, região onde vive grande número de animais.
Há também a acumulação de areia em canais que liga o rio a lagoas, o que impede a migração de peixes e sua reprodução. A poluição e derramamento de óleo é outro risco que vem do trânsito dessas embarcações.
A Hidrovia no Pantanal pode gerar impactos sociais e culturais sem precedentes
Há vestígios de presença humana no Pantanal que data de milhares de anos.
Nos últimos séculos, as culturas indígena, portuguesa e africana se misturaram na região. Assim, surge o estilo de vida pantaneiro, que se harmoniza com o cenário natural e se adapta ao ritmo das águas.
As populações do Pantanal fazem uso respeitoso de recursos naturais, que viabilizam atividades como pesca, ecoturismo e pecuária.
Impactar o ambiente significa alterar a diversidade cultural local. A implantação da hidrovia, assim como de monocultura intensiva e outros processos, podem expulsar essas populações de seus territórios por acabar com a fonte de seu sustento e os vínculos que possuem com o Pantanal.
A Hidrovia no Pantanal pode gerar danos econômicos
A característica arenosa do rio Paraguai implica na necessidade de dragagem constante, o que além de causar danos ambientais, também gera enormes custos de manutenção na implantação da Hidrovia.
Outro problema é o risco iminente de secas e diminuição no nível das águas, o que impediria a navegação. Como alternativa para uma possível paralisação do transporte fluvial, resta o transporte rodoviário, o que causa grandes danos para a infraestrutura pública.
A construção de portos exige enormes investimentos, com pouco retorno para o local onde são instalados. Estes locais geram poucos empregos, contrariando a ideia de que isso seria benéfico para a região. E pior: como causa danos irreversíveis para o Pantanal, acaba com a possibilidade de se explorar outras atividades econômicas de baixo impacto, como o turismo.