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Hidrovia Paraná-Paraguai: Mais de 40 pesquisadores assinam artigo que revela desastre que megaobra pode causar para o Pantanal

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Hidrovia Paraná-Paraguai
Reserva Ecológica Taiamã é um dos locais ameaçados pela hidrovia - (Foto: Daniel Kantek).
  • Artigo elaborado por mais de 40 pesquisadores de diversas áreas elenca os diversos impactos que a Hidrovia Paraná-Paraguai pode causar para o Pantanal
  • A Hidrovia pretende ligar Cáceres, no Mato Grosso, até Nueva Palmira, no Uruguai, totalizando cerca de 3.400km.
  • Obras pesadas como explodir rochas, acabar com as curvas dos rios e aprofundar o leito do rio Paraguai seriam necessárias para permitir a navegação dos comboios de barcaças 24 horas por dia. 
  • O megaprojeto de 1987 foi rechaçado na década de 90, mas ele ressurge a cada tempo com novas feições, quase como uma fênix. A partir dos anos 2000 tentaram faze-lo por partes, sem apresentar o todo.
  • O projeto ameaça o Pantanal devido aos impactos das obras e circulação de embarcações, o que altera a dinâmica natural da água, ameaça animais pantaneiros e os povos que ali vivem.

 

O projeto da Hidrovia Paraná-Paraguai e seus impactos para o Pantanal motivaram a elaboração de artigo feito por mais de 40 pesquisadores que atuam na região em áreas como geografia, antropologia, dinâmicas de pesca, ecologia de população e hidrologia. 

A Hidrovia Paraguai-Paraná (HPP) é um projeto para interligar Cáceres, no Mato Grosso, até Nueva Palmira, no Uruguai, totalizando cerca de 3.400km. Para sua construção, são exigidas obras de grande impacto como dragagem e retilinização de curvas dos rios, que podem gerar impactos irreversíveis para a dinâmica ambiental, social e econômica pantaneira. Entre os pontos onde são exigidas tais obras, estão regiões mais preservadas do Pantanal, como o  Parque Nacional do Pantanal Matogrossense e a Estação Ecológica de Taiamã.

O material chama atenção para os possíveis impactos no Pantanal a partir da megaobra. Entre eles, estão alterações no pulso de inundação do Pantanal (períodos de cheia e seca), graves danos ecológicos e culturais, impactos sociais e econômicos. Os pesquisadores ressaltam também que há meios alternativos que geram menos impactos, como o sistema ferroviário.

Foto: Observatorio Pantanal

Leia também: Artigo histórico ilustra impactos da megaobra que ainda ameaça o Pantanal

A publicação foi liderada por Karl Matthias Wantzen, professor de Ecologia dos Rios e diretor da Unesco Rios e Patrimônios – Cultura Fluvial. Aguinaldo Silva, Ieda Bortolotto, Geraldo Damasceno e Rafael Chiaravalotti, membros do conselho da Ecoa e pesquisadores de renome em suas áreas de estudo, são alguns dos estudiosos que compõem a publicação.  

André Nunes, Doutor em Ecologia e Conservação e diretor científico da Ecoa, também é um dos autores do artigo. Segundo o pesquisador, o trabalho teve como objetivo abordar os possíveis impactos da Hidrovia a partir de uma visão integrada de várias áreas de conhecimento.  

“Nosso intuito é chamar atenção para os diversos impactos da Hidrovia Paraná-Paraguai, que há mais de 25 anos continua ressurgindo. O grupo de peso que escreveu o artigo é formado por pesquisadores de renome nacional e internacional, que trabalham em diferentes temas no Pantanal. Por isso, se juntaram para escrever sobre um assunto em comum que afeta todas essas áreas e o Pantanal como um todo”.

Acesse o artigo sobre a Hidrovia Paraná-Paraguai aqui.  

Hidrovia Paraná-Paraguai
As curvas dos rios precisariam ser retilinizadas para permitir a passagem contínua de embarcações

A ameaça da Hidrovia Paraná-Paraguai

O principal objetivo da megaobra é transportar soja e outras commodities agrícolas produzidas no Brasil, Paraguai e Bolívia em direção ao sul, para portos marítimos na Argentina e Uruguai, com intuito de exportação para a América do Norte, Europa e Ásia.  

O intuito é criar condições para a navegação 24 horas por dia de navios com calado de até três metros, o que exige obras pesadas. Seria necessário explodir rochas, acabar com as curvas dos rios e aprofundar o leito do rio Paraguai. 

Leia também: Um projeto hidroviário põe o Pantanal em perigo

A primeira versão do projeto da Hidrovia Paraná-Paraguai foi planejada na década de 1980, mas depois de evidências fornecidas por cientistas, bem como cobranças da sociedade diante dos impactos irreversíveis e sistêmicos no Pantanal, a parte brasileira do projeto foi oficialmente rejeitada em 2000. 

Entretanto, nos últimos anos a obra passou a ser executada em etapas, com a emissão de licenças para construção de portos a montante do Pantanal próximo a Cáceres (MT) e a jusante do Pantanal em Porto Esperança (MS), o que consequentemente força a criação da Hidrovia entre os dois pontos.  

Hidrovia Paraná-Paraguai
Incontáveis tuiuiús na Estação Ecológica Taiamã, reserva federal que pode ser prejudicada pela hidrovia Paraguai-Paraná. Foto: Daniel Kantek / ICMBio.

Pesquisadores chamam esse processo de fragmentação da Hidrovia Paraná-Paraguai de “tirania das pequenas decisões”. Apesar de seguirem trâmites legais, essas ações locais não consideram os impactos em cascata e cumulativos que podem causar para o Pantanal. 

O principal argumento a favor da Hidrovia é que o transporte de commodities agrícolas por navegação reduziria custos e tempo em relação ao atual transporte rodoviário. Essa afirmação, no entanto, não considera os custos para o Pantanal em termos dos impactos ambientais e sociais negativos que já se tornaram evidentes. Há ainda a viabilidade de opções de menor impacto, como o sistema ferroviário. 

Outro ponto importante é que, durante os períodos mais secos, o transporte por barcaça geralmente se torna impossível – e os níveis dos rios caíram com frequência nos últimos anos. Tal cenário se torna ainda mais instável diante das mudanças climáticas. 

Durante as secas de 2019 a 2022, o transporte por barcaças de soja e minérios no rio Paraguai a jusante de Corumbá foi interrompido por baixos níveis de água, embora esse trecho seja naturalmente mais amplo e já tenha sido aprofundado por muitos anos de dragagem. 

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