- É necessário um trabalho de desmistificação sobre os insetos, para que possamos dar a atenção merecida a todos e não apenas aos mesmos grupos, adverte o pesquisador Rodrigo Gonçalves.
IHU e Baleia Comunicação
O aroma das flores é um convite aos insetos, que percebem os odores por meio de suas antenas, levando-os a encontrar a planta com exatidão. É um complexo informativo das plantas para seus polinizadores, que também revela a qualidade do pólen e do néctar. Porém, conforme a crise climática acelera, esse delicado equilíbrio da natureza fica comprometido, colocando em risco a sofisticada relação entre plantas e seus polinizadores.
Há alguns anos, os alertas sobre o desaparecimento das abelhas, o inseto mais importante entre os polinizadores devido à sua diversidade – “são conhecidas mais de 20 mil espécies no mundo” –, tem ecoado nas pesquisas, mas a verdade é que pouco conhecemos sobre a realidade desses animais. No intuito de colocar no centro do debate e esclarecer ainda mais sobre o tema, acaba de ser lançado o livro Desvendando as abelhas: o que são e por quê conservá-las, do professor Rodrigo Barbosa Gonçalves. É uma obra, segundo o autor, que traz uma “linguagem de popularização da ciência, visando o público geral, em especial os interessados da natureza e pela ciência”.
Na entrevista a seguir, concedida por e-mail ao Instituto Humanitas Unisinos – IHU, o professor no Departamento de Zoologia da Universidade Federal do Paraná – UFPR e especialista em entomologia (estudo de insetos) explica que “a maioria das plantas com flores, as angiospermas, necessita de agentes polinizadores para realizar o transporte de pólen para a sua reprodução. Dentre estes agentes, os insetos são os mais comumente registrados como polinizadores”. Assim, “como as angiospermas são o maior grupo de plantas terrestres, toda a vida fora da água, inclusive a nossa, dependeu e dependerá dessas plantas e, consequentemente, dos polinizadores”, alerta o pesquisador.
O cenário piora quando se fala de certas espécies de abelhas: “A situação é mais preocupante para as espécies nativas. Elas sofrem com a fragmentação, com inseticidas, com o aquecimento global. Mas como são menos ou não manejáveis, e mais sensíveis, o impacto deve ser muito severo”, afirma Gonçalves. “São milhares de espécies que não podem ser criadas para mel, mas mantêm um papel silencioso na polinização das plantas”, finaliza.
Rodrigo Barbosa Gonçalves é biólogo e mestre pela Universidade Federal do Paraná – UFPR, e doutor em Zoologia pelo Instituto de Biociências da Universidade de São Paulo – USP junto ao Museu de Zoologia. Professor na UFPR desde 2011, tem experiência na coordenação de cursos de graduação e como tesoureiro da Sociedade Brasileira de Entomologia. Coordenador do PPP em Entomologia, é também editor-chefe da Acta Biológica Paranaense e editor associado da Revista Brasileira de Entomologia. Pesquisa sistemática e ecologia de comunidades de abelhas, com autoria de mais de 60 artigos e capítulos de livros, tendo já nomeado mais de 90 espécies de abelhas. É autor do livro Desvendando as abelhas (Editora da UFPR, 2024).
Confira a entrevista
IHU – Para começarmos a entrevista, eu gostaria que o senhor explicasse quais são e o que são insetos polinizadores e qual a importância deles para o ecossistema e para a sobrevivência, por exemplo, da espécie humana?
Rodrigo Gonçalves – A maioria das plantas com flores, as angiospermas, necessita de agentes polinizadores para realizar o transporte de pólen para a sua reprodução. Dentre estes agentes, os insetos são os mais comumente registrados como polinizadores, dado o seu tamanho, comportamento e relacionamento íntimo com a evolução das flores. Como as angiospermas são o maior grupo de plantas terrestres, toda a vida fora da água, inclusive a nossa, dependeu e dependerá dessas plantas e, consequentemente, dos polinizadores.
IHU – Quando se trata de polinizadores, a maior parte das pessoas se refere às abelhas. O que sabemos cientificamente sobre elas?
Rodrigo Gonçalves – Estima-se que 75% das espécies de plantas com flores dependem das abelhas como polinizadores. As abelhas necessitam de pólen, néctar e outros recursos para alimentação das suas larvas. Nós brincamos que elas são veganas, sua dieta é basicamente só de origem vegetal. Essa exclusividade por parte das abelhas e sua incrível diversidade – são conhecidas mais de 20 mil espécies no mundo – fazem com o que o grupo tenha toda essa relevância.
IHU – Existem diferentes espécies de abelhas. Como elas se diferenciam do ponto de vista de suas diferentes formas de organização social, convívio com o meio e no papel de polinizadoras? Há espécies que fazem melhor esse papel que outras?
Rodrigo Gonçalves – Em sua maioria as espécies de abelhas não apresentam um comportamento altamente social, com castas de rainhas e operárias, mas exibem um grande repertório desde espécies solitárias, aquelas em que as fêmeas realizam todo o trabalho sozinhas, inclusive o de reprodução, até sistemas de cooperação entre irmãs ou mães e filhas. Além disso, uma proporção importante são parasitas de ninhos e provisões de outras espécies de abelhas. São milhares de espécies que não podem ser criadas para mel, mas mantêm um papel silencioso na polinização das plantas. Quando olhamos para a polinização, muitas plantas dependem de espécies de abelhas com formas e comportamentos diferentes das abelhas melíferas. Essa diversidade garantiu e garante a reprodução das plantas.
IHU – Como a urbanização impacta na população e reprodução das abelhas e que alternativas garantem a preservação das espécies nestes contextos?
Rodrigo Gonçalves – Alguns estudos, inclusive os nossos, têm apontado que um entorno que preserve mais de 50% de solo não impermeabilizado, isto é, jardins, campos e matas, apresenta uma riqueza de espécies de abelhas semelhante a áreas conservadas. Já contamos mais de 360 espécies vivendo em Curitiba, e outras cidades têm o potencial de abrigar uma diversidade semelhante, desde que se esforce em preservar a chamada floresta urbana, isto é, matas, campos e outras áreas verdes em meio ao concreto.
IHU – Qual a diferença entre a mortandade de colônias de abelhas e o declínio de uma determinada espécie? O que há de verdadeiro e falso na exploração midiática do tema do “fim das abelhas”?
Rodrigo Gonçalves – É preciso separarmos os relatos da mortandade de colônias de Apis do declínio das espécies e populações de abelhas e outros insetos. Muitas perdas de colônias são drásticas e chamam muito a atenção porque um apiário pode reunir milhões de operárias. Muitas vezes a causa é local, como uso incorreto de agrotóxicos. Entretanto o número de colônias e a produção de mel aumenta a todo o ano no planeta, indicando que, apesar de todos os riscos e perdas, os apicultores ainda conseguem aumentar a sua produção.
A situação é mais preocupante para as espécies nativas. Elas sofrem com a fragmentação, com inseticidas, com o aquecimento global. Mas como são menos ou não manejáveis, e mais sensíveis, o impacto deve ser muito severo. É preciso entender melhor como esse declínio está acontecendo, quais espécies já diminuíram a sua abundância ou sumiram? Essa é uma resposta que buscamos em nossas pesquisas.
IHU – As vespas são também polinizadoras. Qual a importância delas nesta função e o que se sabe sobre elas?
Rodrigo Gonçalves – Muitas vespas visitam as flores para obtenção de néctar e podem auxiliar na polinização. Mas como são em geral caçadoras ou parasitas de outros insetos, elas fazem outro papel muito importante, que é o controle biológico. Em ambientes naturais, elas mantêm o equilíbrio das populações de insetos, no ambiente agrícola controlam pragas de forma sustentável.
IHU – Por que não damos tanta atenção às vespas e por que deveríamos dar mais atenção?
Rodrigo Gonçalves – Elas são menos carismáticas que as abelhas, borboletas ou joaninhas, mas, como eu disse acima, seu papel é fundamental. É necessário um trabalho de desmistificação sobre os insetos, para que possamos dar a atenção merecida a todos e não apenas aos mesmos grupos.
IHU – É crível ou viável pensar na hipótese de “drones” polinizadores? Quais os riscos e as possibilidades desse tipo de alternativa?
Rodrigo Gonçalves – Não, a polinização requer muitos bilhões de polinizadores visitando as plantas, e com muita diversidade de formas e comportamentos. O uso de drones seria insustentável nesse cenário. Além disso, não é necessário, as abelhas fazem isso de graça, é só respeitar o meio ambiente e apreciar a beleza dessa interação.
IHU – O que é o Laboratório de Abelhas da UFPR e quais pesquisas são realizadas neste centro?
Rodrigo Gonçalves – O Laboratório de Abelhas pesquisa esses organismos, com ênfase na sua diversidade, isto é, descrevendo novas espécies e estudando como preservá-las. Participamos de pesquisas em rede no âmbito regional e nacional e atuamos na formação de biólogos e entomologistas. Além de publicações científicas, temos buscado o contato com a sociedade por meio de divulgação das novas ações em livros, entrevistas e projetos de extensão junto a escolas.
IHU – Poderia falar um pouco do seu livro Desvendando as abelhas: o que são e por quê conservá-las. Do que se trata?
Rodrigo Gonçalves – Esse livro é divido em três partes. A primeira traz informações científicas sobre as abelhas como um todo, incluindo as sociais e sem-ferrão, como as solitárias. A segunda se dedica em revelar os bastidores da pesquisa com abelhas no Brasil. A terceira reúne evidências sobre os riscos que as abelhas estão enfrentando. Todas essas informações de pesquisas acadêmicas são transmitidas em linguagem de popularização da ciência, visando o público geral, em especial os interessados da natureza e pela ciência.