A Ecoa enviou ao Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID), no segundo semestre de 2015, críticas e sugestões a uma versão prévia da “Estratégia País 2016 – 2018”, documento que o Banco elabora a cada 4 anos para definir, como o título indica, as estratégias a serem aplicadas no período. Recentemente o BID trouxe a público a versão final em inglês e espanhol – esta última você poderá acessar no final.
Acompanhamos instituições que financiam o desenvolvimento por entender que seus investimentos devem seguir parâmetros ambientais e sociais rígidos. Não devem financiar obras que degradam o ambiente e tragam problemas sociais como o deslocamento de populações, situações que são de ocorrência comum. As prioridades nessa agenda da Ecoa são o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), o Banco Mundial e o Banco Interamericano.
Política Socioambiental do BNDES
Política de Transparência do BNDES
Investimentos Internacionais do BNDES
Como o ponto de partida para a elaboração da Estratégia País o BID tem o Plano Plurianual (PPA) feito pelo governo e aprovado pelo parlamento a cada novo mandato executivo.
No primeiro momento a Ecoa analisou as partes que considerou essenciais do PPA desde a “agenda Ecoa” e enviou ao Banco. Esse resgate é importante porque ajuda a entender o país e auxilia nos debates sobre os rumos que deve ter.
O Plano Plurianual (PPA)
No dia 31 [2015] de agosto a presidenta Dilma Rousseff enviou ao Congresso Nacional o projeto de lei do Plano Plurianual (PPA) para o período 2016-2019. O texto apresenta 4 Eixos e 28 Diretrizes Estratégicas, os quais são os “orientadores” de 54 Programas Temáticos.
Algumas questões sobre o Plano:
– Com o atual cenário econômico de retração ou de baixo crescimento nacional e internacional, dificilmente as projeções ali apresentadas se configurarão. O chamado “ajuste” em andamento repercute no emprego, diminui a atividade industrial e de outras áreas. Assim desaquece mais e mais a economia, o que fatalmente reduz a arrecadação e, obviamente, a disponibilidade fiscal para as despesas.
– A queda na receita é um dos problemas estruturais que deveria aparecer com destaque nas estratégias. A evasão e mesmo a elisão fiscal não estão devidamente consideradas.
– Com os juros nos patamares atuais e os previstos no PPA dificilmente os investimentos serão carreados para infraestrutura como deveriam. Seguirão o caminho do ganho imediato e fácil do mercado financeiro.
– As Diretrizes Estratégicas (28) são genéricas e não tratam do Brasil real. Como explicar, por exemplo, o fato de os 4 Eixos e as Diretrizes não tratem da grande crise ambiental, a qual leva à falta de água para o consumo humano, para a geração de energia e o transporte? As repercussões sobre a economia são evidentes e aí estão presentes no preço da energia.
– Com relação ao mundo rural o PPA não toca no maior desastre econômico, ambiental e social do país: os mais de 200 milhões de hectares ocupados pela pecuária de baixa produtividade. São territórios degradados e com baixa geração de trabalho e renda para a população.
– Um dos grandes problemas do país é o desperdício e perdas, principalmente de energia e água. Deveria ser um dos “Eixos” do PPA o trato da questão.
No endereço que segue o PPA 2016 – 19 enviado em 31 de agosto ao Congresso: http://www.planejamento.gov.br/secretarias/upload/arquivo/spi-1/ppa-2016-2019
As diretrizes estratégicas mais especificamente estão em http://www.planejamento.gov.br/secretarias/upload/arquivo/spi-1/ppa-2016-2019/ppa-dimensao-estrategica.pdf/view
Até aqui é de que parecem tratar de um país distinto do Brasil. As Diretrizes Estratégicas pareceram mais para “cumprir tabela” do que propriamente uma construção para estabelecer os rumos reais do desenvolvimento social, econômico e ambiental do país. Vocês encontrarão um quadro que trata das expectavas econômicas que me parece não ter proximidade com a realidade.
Para as Estratégias País do BID esperamos que tratem da questão da grande Crise Ambiental – milhões sem água é um dos sintomas dela – e entre para valer na agenda da eficiência, particularmente a energética.
O Banco Interamericano de Desenvolvimento e a proposta de Estratégia País 2016 – 2019.
Setembro de 2015
Considerações enviadas ao Banco Interamericano de Desenvolvimento.
Preliminares
– O diagnóstico apresentado a partir dos projetos aprovados e sua execução não permite uma análise sobre os reais efeitos e conexão com o PPA anterior e a Estratégia País em andamento. Qual a real a significância da presença do BID no Brasil no período?
– Corretamente o texto apresenta um possível cenário a perda dos ganhos sociais e econômicos dos últimos anos, se correções adequadas não forem feitas
– “Riscos de perda dos ganhos frente a pobreza e para a classe média. (…) e até mesmo por em risco o segmento mais vulnerável da nova classe média”. Dados recentes sobre o emprego apontam nesta direção.
Educação
– Na área de educação a afirmação de que a “qualidade dos professores é um dos índices mais importantes do desempenho acadêmico dos alunos” é uma aproximação do tema por uma das vias necessárias. Estudos chegam a apontar que se os professores mais despreparados são canalizados para outras áreas, ocorre efeitos positivos de curto prazo no desenvolvimento econômico. Um registro: um pesquisador comenta que às vezes os professores melhores preparados estão nas piores escolas.
– Existem outros fatores culturais e na própria conjuntura que contribuem para barrar o avanço da qualidade na educação. Mire-se o esforço continuado de construção da ignorância. Este é o caso de parte da extensa pregação religiosa em rádios e TVs com o ataque ao conhecimento e à própria ciência. As sessões de “cura” de muitos desses programas, por seu turno, barra o caminho do aprendizado mais complexo sobre como as pessoas devem cuidar da própria saúde.
– Thomas Piketty na BBC: “Os níveis de desigualdade no Brasil estão entre os maiores do mundo. Se o Brasil quiser crescer no século 21 precisa garantir que amplos grupos da população tenham acesso à educação de qualidade, qualificação e trabalhos que pagam bem. Para isso é necessário muito investimento social inclusivo.”
Saúde
– Com relação à área de saúde não é encontrado o registro dos efeitos do programa “Mais Médicos”, com a contratação de milhares de médicos estrangeiros, particularmente cubanos, sobre a APS. Existem importantes informações disponíveis sobre o processo.
– A questão dos acidentes, particularmente dos acidentes com motos, deve ser melhor desenvolvida – pesquisas mostram que são crescentes.
– O grande número de acidentados no transito criam um gargalo nos serviços de saúde por muitas vezes requererem atendimento de urgência, deixando em segundo plano outros pacientes que estão à espera. Aqui caberia apoio a politicas especificas de aumento da fiscalização no transito, por exemplo.
– A APS necessita de mais recursos.
Esgotamento sanitário
– As deficiências são tão gigantescas que a pergunta é: a presença do BID no setor teria alguma real significância para os próximos 4 anos?
– Uma questão: qual a avaliação do Banco sobre seus empréstimos para o governo de São Paulo para despoluir o rio Tietê, a partir de grandes investimentos em tratamento dos esgotos?
Água
– A abordagem do texto sobre a questão dos problemas da falta de água a partir do gerenciamento e da governabilidade, “derivados geralmente da falta de articulação e coordenação entre os diferentes níveis de governo”, é lateral e não chega à essência da questão. O abastecimento de água de São Paulo, onde milhões de pessoas estão sob racionamento, por exemplo, está sob o comando da Sabesp e suas políticas, não sendo visível a figura da “desarticulação”, como diagnosticado. Existem erros de politicas como o modelo de colocação de ações no mercado internacional, o que levou a companhia a estruturar-se mais para atender os compromissos com acionistas e menos para a proteção dos territórios produtores de água e a diminuição do desperdício – São Paulo perde na distribuição quase 30% da água que produz. Registre-se que no restante do Brasil é maior e que esse é um dos fatores a se considerar como “custo Brasil” no debate econômico.
– O texto dá a entender que as situações de escassez são passageiras, o que pode não ser verdadeiro, pois eventos climáticos extremos se sucedem em diferentes regiões do país. Um exemplo está neste titulo recente: “Rio Doce, em Governador Valadares [MG], atinge volume mais baixo da história. Lâmina d’água chegou a 50cm negativos.”
– O texto afirma que “particularmente em situações de escassez, onde competem os diferentes usuários (principalmente de irrigação, energia e consumo humano)”, deixando de citar áreas importantes que competem pelo uso da água, dentre elas a pecuária, a pesca e o transporte fluvial. No caso do transporte ocorreram disputas renhidas com a geração de energia.
– A questão da degradação dos territórios produtores de água, causada principalmente pela pecuária extensiva, é um dos grandes problemas do país, na verdade o maior deles, pois a atividade ocupa cerca de 1/3 do território degradando os solos, gerando poucos postos de trabalho e com baixa produtividade – uma média de apenas 40 kg/ha/ano. A presidenta Dilma anunciou em discurso na ONU que serão recuperados 12 milhões de hectares, uma novidade no seu governo, mas insuficiente.
Negócios e crescimento
– No texto: “De acordo com a análise do CDC, a altacarga de impostos e o complexo sistema tributário são alguns dos principais obstáculos ao crescimento do país e à competitividade do setor privado”. Essa é uma assertiva “lisa” e apresentada sem um diagnóstico adequado e que é comumente encontrada na imprensa e em declarações de entidades empresariais mais conservadoras. É um elemento da construção de narrativas econômicas de políticas liberais extremadas.
– O simples uso de rankings entre países dispares e que servem para dar suporte a diagnósticos para o pior, como se faz em diferentes ocasiões no texto, se presta, em geral, para fluir ideias não exatamente de acordo com a necessidade de real desenvolvimento econômico.
– O que o documento acerta é que a carga tributária recai pesadamente sobre os mais pobres, mas passa batido sobre a necessidade de taxar os mais ricos. O pesquisador Thomas Piketty, em entrevista recente para a BBC Brasil, apresenta questões essenciais sobre impostos – algumas delas vão de encontro ao texto do Banco:
– “É claro que é mais fácil taxar pobres do que taxar ricos. Talvez por isso em muitos países você tenha um monte de impostos indiretos – como é o caso do Brasil. Mas provavelmente, a falta de progressividade no sistema de impostos é uma das razões pelas quais a desigualdade é tão grande no Brasil.”
– “A alíquota máxima do imposto de renda – algo em torno de 27%, 30% – é pequena para padrões internacionais. E é aplicada a partir de salários muito baixos. Seria possível ter impostos mais altos para quem ganha R$500 mil, R$1 milhão, R$5 milhões e por aí vai.”
– “Os impostos sobre herança também são particularmente baixos para padrões internacionais e históricos. Se não me engano, aqui é de 4%. Nos EUA, por exemplo, esse imposto pode chegar a 40% para as maiores heranças. Na Alemanha, Grã-Bretanha e França também”.
– “Talvez seja bom reformar os gastos e o sistema de impostos – e torná-los mais transparentes. Também fortalecer gastos sociais e reduzir outros gastos que não são tão eficientes. (…) Se você tem uma recessão ou quase estagnação, austeridade não é uma boa forma de lidar com isso. E tanto no Brasil como na Europa a prioridade agora é voltar a crescer.”
– Uma deficiência evidente do documento é não tratar da evasão e da elisão fiscal, o que o limita como suporte para elaboração de uma Estratégia País tendo como uma das bases a questão fiscal. Uma manchete: “500 empresas devem R$ 392 bilhões à União; mineradora Vale lidera o ranking”.
Infraestrutura
– A infraestrutura é realmente toda ela “escassa e de baixa qualidade”?
Com certeza que esse não é um contexto válido para o estado de São Paulo, por exemplo. Tratar o país como um todo homogêneo e não a partir de sua diversidade em diferentes análises é um erro comum replicado no texto. Outra questão é a falta de identificação clara de quais áreas são prioritárias para investimentos. Energia, por exemplo, precisa de investimentos maiores em eficiência do que em novas infraestruturas como barragens.
– O documento comete um “crime” comum nas análises sobre o país quando trata de investimentos em infraestrutura. Sua base de comparação são países tão díspares como a China, a Índia, a Bolívia e o Peru e percentuais do PIB investidos no setor. O Brasil tem uma população de pouco mais de 200 milhões de habitantes, com maior concentração em áreas urbanas e em estados da costa. Seu território total é de 8,51 milhões de km2 , enquanto que a China, por exemplo, tem uma população de 1,375 bilhão de habitantes – quase 7 vezes mais – distribuídos por 9,6 milhões de km2. A Bolívia, por outro lado, tem um território de 1,098 milhão de km2, para uma população de 10,4 milhões de habitantes.
– Certamente o Brasil não avançou para ser a sexta economia do mundo com uma infraestrutura “escassa e de baixa qualidade”.
– Os problemas no setor são muito diversos e com particularidades para cada unidade territorial. A informação de que “apenas” 11% das estradas são asfaltadas diz pouco do que se faz necessário com relação a rodovias. As milhares de estradas vicinais dos muitos municípios onde predomina a pecuária, por exemplo, entram nesta contabilidade? Seria um erro, pois em geral não são “asfaltáveis”.
Ambiental
– Para um país como o Brasil, que moveu-se para a sexta posição na economia global assentado em imensos bens naturais, é frágil uma Estratégia País em que o trato do “ambiental” esteja restrito a afirmar que “dada a importância vital do tema ambiental (Brasil concentra 12% da água doce e a maior cobertura de floresta tropical do mundo as intervenções levarão em conta o seu impacto ambiental” e que as ações “concretas” ficarão restritas praticamente a redução das emissões de carbono e “apoiar a produção de conhecimento estratégico para a tomada de decisões”
– O país passa por uma grande crise ambiental, resultado da convergência do uso predatório de seus bens naturais e eventos climáticos extremos. Essa conjuntura ambiental tem forte repercussão na economia. Matéria do jornal O Estado de São Paulo de fevereiro de 2015 avalia que a crise da água/energia teria um impacto de 0,5 % no Produto Interno Bruto de 2015. O Banco deve analisar e estabelecer estratégias frente a essa crise.