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Os impactos das mudanças climáticas globais

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O clima da Terra tem passado por contínuas variações naturais ao longo de sua história evolutiva, gerando e transformando novas organizações de ecossistemas. O último período de glaciação, por exemplo, terminou há 10 mil anos, quando começou o atual período de interglaciação. Nessas últimas décadas, tem-se observado, com mais frequência alterações nas condições climáticas.

Entende-se como clima como o estado médio da atmosfera, o que inclui a descrição estatística de quantidades relevantes de mudanças do tempo meteorológico num período de tempo, que vai de meses a milhões de anos. O período clássico, definido pela Organização Mundial de Meteorologia (OMM), é de 30 anos.

O sistema climático global é o resultado das interações entre a biosfera, a litosfera, a hidrosfera e a atmosfera. A principal fonte de energia desse complexo sistema é o sol. Essa energia, que atravessa o espaço sob a forma de ondas eletromagnéticas, tem como principal característica o seu comprimento de ondas curtas, entre 380 e 3.000 nanômetros. Ao penetrar na atmosfera, parte dessa energia é refletida, e por vezes absorvida, pelos componentes da própria atmosfera, como os aerossóis, as nuvens e as partículas de poeira, chegando à superfície terrestre já atenuada. A fração absorvida das ondas curtas promove o aquecimento das superfícies que, por sua vez, passam a reemitir de acordo com a quarta potência de sua temperatura, em ondas longas.

A atmosfera terrestre é composta por uma mistura mecânica de partículas sólidas, gases e massas líquidas. Os principais gases são o nitrogênio (78%) e o oxigênio (21%), existindo ainda outros gases em menores quantidades. Os gases comportam-se como simples misturas mecânicas, mas em circunstâncias especiais, como nas reações fotoquímicas, combinam-se entre si formando-se e se dissociando. A atmosfera funciona como um filtro à luz solar, deixando passar apenas as ondas curtas, mas reduz a saída para o espaço da radiação de comprimento de ondas longas, provocando, assim, o chamado efeito estufa natural.

Os principais gases, responsáveis por reduzir a saída da radiação de onda longa para o espaço são o metano (CH4), o dióxido de nitrogênio (NO2) e o dióxido de carbono (CO2) que, associados ao vapor d´água, absorvem a radiação de onda longa.

A reemissão dessa radiação dá origem ao efeito estufa. Esse é um processo natural que faz com que a temperatura do planeta se mantenha em equilíbrio, em cerca de 14oC. Sem esse efeito estufa, o aquecimento provocado pelo sol seria contrabalanceado pela enorme perda de energia de ondas longas para o espaço, e a temperatura média ficaria em torno de 17oC negativos. Portanto, o problema não é o efeito estufa, e sim a sua intensificação a partir da adição dos gases de efeito estufa na atmosfera, o que pode provocar a mudança climática global (Houghton, 1995).

A partir do século XVIII, com a Revolução Industrial, a utilização de combustíveis fósseis, como o carvão mineral e derivados de petróleo, tem se intensificado. Com o uso crescente desses elementos, a composição da atmosfera começou a se alterar, aumentando a quantidade de gases de longa vida, principalmente o CO2. O aumento da concentração dos gases de efeito estufa pelas atividades humanas causa o efeito estufa antrópico, formando uma espécie de barreira à radiação infravermelha, mantendo-a próxima à superfície da Terra.

Entre 1750 e 1995, a concentração de CO2 na atmosfera aumentou 28%, passando de 280 para 358 ppm, e a concentração de metano (CH4) passou de 800 ppbv, da era pré-industrial, para 1,750 ppbv na década de 1990, um aumento de aproximadamente 10ppbv anualmente.

O óxido nitroso (N2O), originário de queima de combustíveis fósseis e de biomassa, de automóveis, de processos industriais e do uso de fertilizantes químicos, teve sua concentração aumentada de 285 ppbv, da era pré-industrial, para 310 ppbv na década de 1990. Atualmente, a concentração de CO2 na atmosfera está em 400ppm, 42% acima do valor observado antes da Revolução Industrial.

Em 1990, o IPCC publicou seu primeiro relatório (First Assessment Report – FAR) afirmando que as atividades humanas poderiam estar causando o aumento do efeito estufa na atmosfera. Esse relatório foi a base científica para uma série de reuniões e acordos internacionais entre diversos países, e entre eles destacam-se a ECO-92, reunião realizada no Rio de Janeiro no ano de 1992, convocada pelas Nações Unidas. Nesse evento, foi assinado um dos principais acordos internacionais com o objetivo de estabilizar as concentrações de gases de efeito estufa na atmosfera em um nível que impeça uma interferência antrópica perigosa no sistema climático, a Convenção-Quadro das Nações Unidas Sobre Mudança do Clima, do inglês United Nations Framework Convention on Climate Change (UNFCCC).

Desde a ECO-92, a ONU organiza as COPs (Conferência das Partes). Entre as COPs, destaca-se a de 1997, realizada em Quioto, no Japão, quando foi estabelecido o protocolo que levou o nome da cidade sede, com o objetivo de estabelecer metas para que os países industrializados reduzissem, entre 2008 e 2012, as emissões combinadas de gases de efeito estufa em pelo menos 5% em relação aos níveis de 1990. E a COP21, realizada em Paris-França em 2015.

Ressalta-se que o Painel Brasileiro de Mudanças Climáticas (PBMC) foi criado em 2009 com o objetivo de reunir informações sobre impactos das alterações no clima no país. Nota-se uma frequência de eventos com certa periodicidade, em que o IPCC se compromete com a síntese científica das mudanças climáticas globais.

O IPCC define mudanças climáticas como sendo uma alteração no estado do clima, que pode ser identificada (por exemplo, por meio de testes estatísticos) por mudanças na média e/ou a variabilidade das suas propriedades, e que persiste por um período prolongado, tipicamente de décadas ou mais. A mudança climática pode ser devido a processos naturais, ou a forçantes externas, ou a mudanças antrópicas persistentes na composição da atmosfera, ou devido à mudança de uso do solo (IPCC, 2007).

Em estudos de mudanças climáticas, são utilizados modelos climáticos que geram projeções e não previsões. O termo projeções é adotado porque as mudanças climáticas podem ser produzidas não somente pela variabilidade climática, mas também por interferência antrópica, por ações resultantes de políticas de governos, que alteram a emissão de gases de efeito estufa na atmosfera. As projeções resultam de suposições plausíveis de cenários.

Apesar dos enormes avanços científicos e computacionais das últimas décadas terem possibilitado um melhor entendimento da dinâmica do sistema climático global e contribuído consideravelmente para as análises das possíveis causas e futuros impactos das mudanças climáticas, as incertezas nas projeções climáticas baseadas nos modelos numéricos continuam altas. As dúvidas nas projeções futuras de mudanças climáticas advêm de diversas fontes, e geram uma cadeia de incertezas.

Os cenários de emissão de gases de efeito estufa (SRES, 2000) elaborados para o 4º Relatório do IPCC (AR4) (IPCC, 2007) foram considerados a partir de uma linha de história de desenvolvimento para o século XXI, sejam histórias com ênfase na economia (A1, A2), ou aquelas com ênfase na sustentabilidade ambiental (B1, B2), desenvolvimento por igual globalmente (A1, B1) ou de forma regionalizada (A2, B2). Além disso, a linha de história do A1 possuía uma família: A1FI, A1T e A1B, cujos membros se distinguiam pela tecnologia empregada nas fontes de energia. Por exemplo, A1B se refere a um cenário globalizado, com distribuição equilibrada entre fontes de energia fóssil e não-fóssil. As concentrações dos gases de efeito estufa na atmosfera foram fornecidas por modelos do tipo econômico, chamados de modelo de avaliação integrada (integrated assessment model), que incluíram as histórias traçadas. Esses modelos econômicos consideram crescimento demográfico, tipo de energia utilizada, podem incluir o uso da terra etc.

Os cenários elaborados para o 5º Relatório do IPCC (IPCC, 2013) se basearam na forçante radiativa resultante das mudanças climáticas. Denomina-se forçante radiativa a diferença entre o equilíbrio radiativo terrestre do clima futuro e o equilíbrio radiativo do clima atual, e é expresso em unidades de W/m2. Os cenários denominados Representative Concentration Pathway (RCP) se consistiram de forçantes radiativas de 8.5, 6.0, 4.5 e 2.6 Wm-2. As emissões e concentrações dos gases de efeito estufa (GEE) ao longo do século XXI foram fornecidas pelos modelos de avaliação integrada. As concentrações de GEE são utilizadas como dado de entrada para os modelos climáticos simularem o clima futuro.

O estudo de mudanças climáticas tem impulsionado o desenvolvimento dos modelos numéricos com a inclusão de processos relevantes como, por exemplo, o ciclo de carbono, os aerossóis, a vegetação dinâmica, química da atmosfera etc. No AR4, a maioria dos modelos eram do tipo acoplado oceano-atmosfera. No AR5, os modelos passaram a incluir mais processos físicos e passaram para a categoria denominada de modelos do sistema terrestre (Earth System Model). Em geral, a avaliação dos modelos globais climáticos do AR5 apresentou melhor desempenho comparado a dos modelos do AR4 (Flato et al 2013).

De forma geral, os modelos apontam cenários futuros de clima mais extremo, com secas, inundações e ondas de calor mais frequentes. A elevação na temperatura aumenta a capacidade do ar em reter vapor d’água e, consequentemente, aumenta o risco de chuvas mais intensas. Aumentando a temperatura do ar, cresce também a evapotranspiração, que é a evaporação da água, do solo e das plantas, ampliando o risco de secas. Entende-se seca como ausência prolongada de precipitação, que resulta em escassez de água (Heim, 2002).

Em resposta a essas alterações, os ecossistemas de plantas poderão diminuir sua biodiversidade ou mudar para outras regiões. Impactos como a elevação do nível dos oceanos e furacões mais intensos e mais frequentes também poderão ser sentidos. Os impactos das mudanças climáticas nos diversos setores socioeconômicos têm caráter local e podem ser agravados conforme uso e ocupação do solo.

Ana Maria Heuminski de Avila é doutora em Engenharia Agrícola, pesquisadora do Centro de Pesquisas Meteorológicas e Climáticas Aplicadas em Agricultura (Cepagri/Unicamp). avila@cpa.unicamp.br

Chou Sin Chan é doutora em Meteorologia pela Universidade de Reading (Grã Bretanha) e pesquisadora do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais, Centro de Previsão de Tempo e Estudos Climáticos (CPTEC/INPE). chou@cptec.inpe.br

Fonte: Com Ciência

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