- O Pantanal é rota de cerca de 180 aves migratórias que buscam alimento ou melhores condições climáticas.
- A Paisagem Modelo é uma forma de conservar o Pantanal e garantir que o fluxo migratório das aves continue acontecendo adequadamente.
- Trata-se de uma metodologia aplicada em 76 mil hectares do Pantanal, na região de Corumbá.
- A ideia é promover o manejo sustentável do território envolvendo os diferentes grupos que existem na região
O Pantanal é lar de cerca de 652 espécies de pássaros, de acordo com Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade, ICMBio. Além disso, está na rota de aproximadamente 180 aves migratórias, devido às suas características ambientais e localização geográfica. A presença desses animais, além de encantar a todos, principalmente os observadores de aves e ornitólogos, serve como indicador ambiental. A conservação ambiental é vital para as aves de passagem e para as que fazem morada permanente na maior planície alagável do mundo.
Uma alternativa para conservar o habitat desses seres é a Paisagem Modelo, uma proposta de manejo sustentável do território por meio do diálogo entre os múltiplos grupos que existem na região. Nos mais de 76 mil hectares da Paisagem Modelo Pantanal, na região de Corumbá-MS, existem aves que migram ou que estão em processo de migração.
Por que aves migram?
Anualmente diversas aves migram em busca de alimento ou devido às condições climáticas. A maioria dessas aves preferem viajar no período noturno, devido às correntes de vento mais suaves. Além disso, a lua e estrelas atuam como guias para tais animais. Ainda não se sabe se a habilidade de navegação das aves é algo herdado ou aprendido ao longo da vida.
“No período de inverno, especialmente no Hemisfério Norte, há elevada escassez de alimento. Para não morrerem congeladas ou de fome, várias espécies migram para o Hemisfério Sulem busca de condições mais favoráveis, clima quente e abundância de alimento. Embora o inverno no Hemisfério Sul seja menos rigoroso quando comparado ao do Norte, várias espécies de aves migram para a região central e norte do Brasil em busca de condições mais favoráveis, especialmente alimento. Basicamente é um deslocamento em maior ou menor escala que as espécies migratórias fazem para escapar do clima rigoroso e da falta de alimento” – explica o doutor em Ecologia e Conservação, Alessandro Pacheco Nunes.
Alessandro Pacheco atua como ornitólogo no Pantanal e explica que ao observar as aves que ao migrarem passam pela maior planície alagável do mundo é preciso diferenciá-las.
“Aqui temos que diferenciar o grupo das que se deslocam do Hemisfério Norte e as que realizam deslocamentos do sul da América do Sul, dos Andes, Chaco Paraguaio e Boliviano. São mais de 180 espécies que realizam deslocamentos em maior ou menor escala. As migrantes do Hemisfério Norte somam 43 espécies (a maioria aquática), as demais são oriundas de diversas regiões, principalmente o sul da América do Sul, Chaco Paraguaio e Boliviano”
Os tipos de aves migratórias
Existem grupos diferentes de aves migratórias, de acordo com a distância que estas se deslocam.
As aves oriundas do Hemisfério Norte são tidas como grandes migrantes, pois cruzam hemisférios. Essas espécies, também chamadas de migrantes setentrionais ou boreais, cruzam mais de 8 mil km até chegarem ao seu destino, de acordo com Alessandro Pacheco.
Após entrarem no Brasil por meio da costa Atlântica e Amazônia, as grandes migrantes passam pela região central por meio do Pantanal e alcançam o sul do continente para então chegarem na Argentina e Chile, principal ponte de concentração.
As aves migratórias do Hemisfério Sul, também tidas como Neotropicais, meridionais ou austrais, cruzam distâncias menores. Partem do sul da América do Sul em direção ao oeste brasileiro ou região norte.
“No entanto, cabe ressaltar que nem toda as populações das aves tidas migrantes do Hemisfério Sul se deslocam. Há população sedentárias dentro da mesma espécie, que permanecem o ano todo na região e verifica-se um aumento no número de indivíduos na população local em detrimento da chagada de indivíduos migrantes oriundos de outras partes do país, especialmente a região sul” – Alessandro Pacheco Nunes
Aves migratórias no Pantanal
Conheça algumas das aves que possuem como rota de migração as terras pantaneiras.
Águia-pescadora (Pandion haliaetus)
É uma migrante boreal, ou seja, cruza Hemisférios em busca de um local mais propício. Para evitar o frio do Canadá e Estados Unidos, parte da população da Pandion haliaetus faz paradas no interior do Brasil, inclusive no Pantanal. O destino final dessas aves é a Argentina e Chile. Elas param no Brasil no final ou início do ano.
Gaviões e falcões
O gavião-tesoura (Elanoides forficatus) é amplamente distribuído nas Américas e apresenta duas subespécies: a da América do Norte e a da América do Sul. A segunda subespécie realiza deslocamentos regionais enquanto a primeira migra da Flórida até regiões brasileiras, como a do Paraná, para isso cruzam a planície pantaneira.
Outro visitante do Pantanal é o falcão-peregrino (Falco peregrino). Duas subespécies invernam no Brasil, o F. p. tundrius, que vem do Alasca e F. p. anatum, vindo do sul da América do Norte. Tais subespécies são mais frequentes na borda oeste do Pantanal, próximo de Corumbá-MS, região onde está localizada a Paisagem Modelo Pantanal.
Pernilongos
Nas baías e campo inundáveis do Pantanal habitam os pernilongos Himantopus melanurus e H. mexicanus. A espécie passa o dia e noite forrageando em busca de invertebrados aquáticos.
No Pantanal existem indivíduos de H. melanurus que podem ser vistos durante todo o ano. De acordo com Alessandro Pacheco Nunes e Walfrido Moraes Tomas, doutor em Ecologia e Conservação e pesquisador da Embrapa, isso ocorre porque provavelmente os indivíduos são imaturos sexualmente ou são sedentários residentes.
Patos e marrecas
Espécies como Dendrocygna bicolor, D. viduata e D. autumnalis são consideradas migrantes locais. Tais aves são sazonais na planície pantaneira, ou seja, seu número reduz drasticamente ou desaparece no período de seca e retornam nos períodos de cheia.
A marreca-colorada (Anas cyanoptera) está espalhada desde a América do Norte até a América Central e América do Sul. A espécie que vive no noroeste dos Estado Unidos é residente permanente enquanto a meridional é migratória. A população que migra se reproduzir no Chile e Patagônia e tem em estados brasileiros suas áreas de invernada. Na planície pantaneira ocorrem na Curva do Leque.
Garças
As garças-azuis migram até à Florida, Cuba, México, Paraguai e Argentina. Entretanto Alessandro Pacheco e Walfrido Tomas acreditam que as populações pantaneiras deslocam-se para o norte da América do Sul, principalmente para a Amazônia.
A garça-branca-grande (Ardea alba) tem sua população reduzida após seu período reprodutivo no Pantanal. Alguns pesquisadores atribuem a situação à dispersão para fora do Pantanal durante as cheias.
Riscos para os migrantes
Apesar dos poucos estudos sobre aves migratórias no Pantanal, sabe-se que existem ameaças a tais animais.
Alessandro Pacheco explica que as principais ameaças são: perda de habitat natural; mudanças climáticas; projeto de hidrovia; agrotóxicos e incêndios.
“Mudanças na paisagem como substituição de campos nativos por pastagens cultivadas podem alterar de forma dramaticamente esses sítios de invernada e comprometer a sobrevivência de determinadas espécies que dependem de campos nativos, como é o caso da maioria dos papa-capins que migram do sul do Brasil” – Alessandro Pacheco
Zelar para migrar
Conservar o ambiente é vital que as aves possam migrar e assim continuem existindo. A Paisagem Modelo Pantanal está na rota de algumas das aves migratórias que passam pelo Pantanal e pode ser uma alternativa para garantir que a migração continue ocorrendo.
A Paisagem Modelo propõe a resolução de conflitos locais, como desmatamento, incêndios e outras situações, por meio da integração entre os diferentes grupos que existem na região.
Como Alessandro Pacheco ressalta, o Pantanal é um dos principais pontos de invernada para as aves migratórias e é lar das maiores populações de aves aquáticas.
“Conservar as paisagens naturais no Pantanal é garantir a integridade e qualidade dos sítios de invernada para as aves migratórias. O Pantanal é um importante refúgio biológico visto que ainda apresenta pouca modificação e processo de antropização quando comparado a outros sítios de invernada na América do Sul, os quais vem sofrendo constante redução de tamanho, proteção e qualidade (contaminação por pesticidas, mercúrio, etc)”, explica Alessandro Pacheco
Conservar o habitat e, por consequência, as aves migratórias também influencia relações ecológicas no Hemisfério Norte e Sul. Pacheco explica que as aves que engordam aqui no Pantanal servem como alimento para mamíferos ameaçados na América do Norte ao regressarem após o inverno. Além disso, quando esses animais estão no Pantanal eles atuam como controle de pragas e contribuem com a ciclagem de nutrientes na planície. Nada na natureza existe sozinho, nem quem está no topo da cadeia alimentar – seres humanos. É preciso o equilíbrio e alterar a balança ambiental pode prejudicar todos.