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Unir pessoas para solucionar problemas: conheça o potencial da Paisagem Modelo

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potencial paisagem modelo

A Paisagem Modelo Pantanal tem amplo potencial para unir grupos divergentes, que vivem na mesma região, em prol do manejo sustentável do território.

  • A Paisagem Modelo é uma plataforma social que busca integrar múltiplos grupos para assim promover o manejo sustentável de uma região. Propondo o diálogo, pode ser um caminho para solucionar problemas locais
  • Há casos de sucesso de Paisagens Modelo no Brasil e no Mundo, como o caso da Costa Rica que passou de um país com altos índices de desmatamento para exemplo de conservação
  • A mobilização social foi essencial para a criação e eficácia das Paisagens Modelo na Costa Rica.
  • Em 2021, A Ecoa liderou a criação da Paisagem Modelo Pantanal, a primeira na região, que possui mais de 76 mil hectares. A metodologia tem grande potencial para promover a conservação e solucionar conflitos locais, como a escassez de água em algumas comunidades.

 

A Paisagem Modelo possui amplo potencial para resolução de problemas de regiões em que coexistem grupos diferentes, que ao primeiro olhar parecem não se relacionar. A proposta incentiva o diálogo entre diferentes grupos de um determinado local e, por isso, é uma alternativa para contribuir com o manejo sustentável da paisagem onde residem. Por meio do diálogo, é possível solucionar problemas locais, além de promover fontes de renda em harmonia com a conservação.  

Existem casos no mundo que ilustram o sucesso de tal abordagem, como é o caso da Costa Rica. O país já passou por problemáticas a partir da degradação do meio ambiente, como a falta de água, e hoje é exemplo de conservação..   

No caso brasileiro, a Paisagem Modelo Pantanal apresenta grande potencial socioambiental. Sua área é estratégica por ser prioritária para a conservação da biodiversidade, segundo André Nunes, coordenador do projeto Restauracción*, executado pela Ecoa na Paisagem. Na região existem espécies da fauna e flora ameaçadas de extinção. Além disso, Nunes ressalta que “temos diferentes atores que moram nessa região e que dali tiram seu sustento, desde populações ribeirinhas que pescam e coletam iscas, os assentados rurais que são pequenos produtores rurais que dependem do cultivo da terra e também grandes empresas, como as de mineração”. Os grupos dentro da Paisagem Modelo enfrentam diferentes problemáticas, como a falta de água. Neste cenário, tal proposta de organização social pode ser um caminho para soluções.   

 “Basicamente as paisagens, bosques, florestas, independentemente da terminologia, são plataformas neutras de governança participativa que em sua maioria reúne uma ampla gama de organizações, indivíduos que trabalham voluntariamente e juntos em direção a uma visão comum, que é o manejo sustentável do território onde eles moram” – André Nunes

Kolbe Santos, à esquerda, é presidente da Rede Brasileira de Florestas Modelo. André Nunes, ao centro, é coordenador do projeto Restauracción que ocorre dentro da Paisagem Modelo Pantanal. Na direita, André Siqueira, presidente da Ecoa

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O país que é exemplo de conservação 

Há mais de quatro mil quilômetros do Brasil há um país que é exemplo de conservação ambiental: a Costa Rica. Há ali duas Paisagens ou Bosques Modelo, Chorotega e Reventazón, que influenciam em tal reconhecimento. Banhado ao leste pelo mar do Caribe e ao oeste pelo oceano Pacífico, o país latino é atravessado por uma cadeia de montanhas e vulcões de norte ao sul. A Costa Rica é conhecida por suas belas praias, paisagens marcadas por florestas tropicais, sua rica fauna e seus vulcões ativos, diversidade que incentiva o turismo. Entretanto, nem sempre as coisas foram assim.  

Hoje a natureza se ergue com esplendor, mas anos atrás o país enfrentava uma crise social, econômica e ambiental. Até pouco tempo o que marcava a região era a crise hídrica e uma natureza devastada. Parece o cenário de um filme hollywoodiano sobre o fim do mundo, mas na verdade era a realidade da Costa Rica nos anos de 1970 e 1980, período em que o país ocupou o maior índice de desmatamento da América Latina. Em 1987, apenas 21% do país era coberto por floresta protegida.   

A mobilização social e atuação governamental foi essencial para a recuperação do país que hoje conta com um quarto do território ocupado por florestas tropicais protegidas. Atualmente 60% do país é floresta novamente. As ações de recuperação da vegetação tornaram a Costa Rica o mais bem sucedido modelo de manejo florestal do mundo. Para além disso, permitiu que problemáticas sociais, econômicas e ambientais fossem amenizadas e até solucionadas.   

Em menos de três décadas o país entre Panamá e Nicarágua modificou sua mentalidade e política ambiental. Uma das ações governamentais para reverter o cenário caótico foi a implantação do programa de Pagamento por Serviços Ambientais (PSA). O programa reconhece e recompensa financeiramente a conservação ambiental. Além disso, a criação e fortalecimento das Paisagens ou Bosques Modelos auxiliaram na recuperação das áreas desmatadas e nascentes.   

 

 

O poder na mobilização popular 

A primeira Paisagem Modelo criada em solo costarriquenho foi o Bosque Modelo Chorotega. Localizado na Península de Nicoya, na província de Guanacaste, possui mais de 500 mil hectares e corresponde há 10% da área total do país. Mais de 55% da área da Paisagem é coberta por florestas em processo de restauração. 

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Entre os grupos envolvidos no Bosque Modelo Chorotega estão: Governo, por meio do Ministério do Meio Ambiente; organizações locais, como associações de fazendeiros; setor do turismo; Organizações Não Governamentais e pessoas que trabalham com o tema de incêndios florestais.  

Roger Villalobos, presidente da Rede Latino-Americana de Bosques Modelo (RLABM)

Roger Villalobos, presidente da Rede Latino-Americana de Bosques Modelo (RLABM), explica que a região do Bosque Modelo Chorotega foi reflorestada com as ações de restauração dos anos 70 e logo após houve um processo de diminuição da pecuária como principal atividade econômica. Roger relata que a região enfrentou uma grande crise hídrica, além dos impactos no solo que influenciaram na queda do preço da carne bovina. Nessa época mais de metade da população migrou por falta de alternativas produtivas.   

 

Para solucionar os problemas, líderes locais se organizaram e formaram diferentes frentes de atuação, como para recuperação de nascentes, aperfeiçoamento da pecuária, melhorias na agricultura, entre outros. Essas frentes atuaram de maneira ordenada e com isso foi possível recuperar a região antes devastada.   

“Houve um grupo que enfocou na recuperação dos ecossistemas como principal fonte de água, foi uma iniciativa enfocada na recuperação de água, mas que gerou uma reserva ecológica comunal, local que hoje, 30 anos depois, é um bosque secundário com muitíssima diversidade, onde inclusive se encontram espécies novas para a ciência”  –  Roger Villalobos 

Além da recuperação de nascentes, uma frente tinha como prioridade aperfeiçoar as técnicas da pecuária para melhorar a produtividade e reduzir a área utilizada para a atividade, minimizando assim a degradação e disponibilizando mais áreas para a restauração. Também foi incorporada a produção florestal na economia local, algo que não era utilizado, a ponto de a atividade florestal corresponder a 15% da economia regional.  

“É uma região que através da liderança e organização local, passou de um dos municípios mais pobres para ser um dos municípios com melhores indicadores de desenvolvimento de todo o país. Foi um processo social de organização para atender principais problemas locais, com base na liderança local, contaram com apoio de organizações e instituições governamentais e internacionais, mas o motor de mudança foi a organização e liderança local e a capacidade de incidência política dessas pessoas” – Roger Villalobos 

O segundo Bosque Modelo criado na Costa Rica foi o Reventazón, que possui 312.460 hectares e está localizado na província de Cartago. Sua concepção se deu de forma diferente do Chorotega. A região não passava por uma problemática como a da primeira Paisagem Modelo costarriquenha. Na verdade, surgiu como uma iniciativa para melhorar o ambiente, em uma área com atividades econômicas intensas e diversas.   

A paisagem é marcada por ecossistemas diversos que surgiram com a variedade de climas e altitudes. A área inclui algumas das florestas mais preservadas do país. A economia da região se baseia em atividades agrícolas, industriais e de turismo. É na região que é produzido 80% da hortaliça nacional.    

O Bosque Modelo Reventazón está entre duas massas de bosques importantes no país, que estão em duas cordilheiras. O presidente da RLABM explica que “havia ali um vazio de conectividade entre essas duas cordilheiras. Então se promoveram duas plataformas de governança que são corredores biológicos, onde se pretende melhorar a paisagem para recuperar a conectividade entre essas massas de bosques”. Ele ainda relata que um desses corredores está em zona rural, com diversas atividades agropecuárias, e o outro atravessa uma cidade, o que o torna um corredor interurbano.   

“Então no caso do Bosque Modelo Reventazón o enfoque principal tem sido na promoção de corredores biológicos. O tema de corredores biológicos é importante na Costa Rica e também é importante no Bosque Modelo Chorotega porque a base da governança é uma organização de corredor biológico. Então é também uma forma de organização que tem sido importante para a governança dessas duas iniciativas” – Roger Villalobos 

No Bosque Modelo Reventazón participam grupos como o Ministério do Meio Ambiente, produtores agrícolas e de hortaliças; Instituições relacionadas com a água; empresárias e câmara de empresários da região. 

Os sucessos brasileiros  

O Potencial da Paisagem Modelo também é visível em solo brasileiro. Dentro do território brasileiro também há casos de sucesso como a Paisagem Modelo de Hileia Baiana, no extremo sul da Bahia e norte do Espírito Santo, e na Paisagem Modelo Mosaico Sertão Veredas-Peruaçu. 

O presidente da Rede Brasileira de Florestas Modelo, Kolbe Santos explica que “assim como tem o projeto de restauração ambiental na Paisagem Modelo Pantanal, esse mesmo projeto está sendo desenvolvido na Floresta Modelo da Hileia Baiana. Também temos experiências bacanas no território da Floresta Modelo do Mosaico Sertão Veredas-Peruaçu, que é uma área bem importante de remanescente do Cerrado, de cerca de 4 milhões de hectares, envolvendo o norte de Minas Gerais, o oeste da Bahia, o leste de Goiás”.  

Presidente da Rede Brasileira de Florestas Modelo, Kolbe Silva

Kolbe Santos destaca o potencial nas Paisagens Modelo brasileiras para realizar o manejo da paisagem e a gestão territorial de maneira participativa.  O conjunto dessas Paisagens Modelo [brasileiras] representam mais de 10 milhões de hectares em território brasileiro que estão sendo manejados sustentavelmente, que tem uma participação da sociedade, tem esse esforço conjunto de órgãos de governo e sociedade civil. Então são espaços importantes que tem um grande potencial em termos de contribuir para a conservação do território, fortalecer arranjos de geração de rendas para comunidades tradicionais, principalmente com o uso de produtos não madeireiros”.  

Outra Paisagem com grande potencial é a presente em terras pantaneiras. 

 

O potencial da Paisagem Modelo Pantanal

A Paisagem Modelo Pantanal está localizada em região estratégica para a conservação, é o lar de espécies endêmicas da fauna e da flora e de grupos plurais.   

Se fossemos escolher uma palavra para sintetizar o Pantanal talvez a mais adequada seja ‘encontro’. Na maior planície alagável do mundo se encontram animais, paisagens e pessoas. A Paisagem Modelo Pantanal ilustra tal característica, pois em sua área de mais de 76 mil hectares convergem ribeirinhos, assentados, fazendeiros, mineradoras e comunidades extrativistas.  

Na convergência de pessoas, os conflitos são esperados. Mas por meio do diálogo e mobilização popular é possível promover a resolução desses conflitos de forma benéfica para todos os seres envolvidos.  É nesse diálogo que o sistema de governança da Paisagem se estabelece. “Dentro dessa plataforma de Paisagem Modelo a abordagem da governança participativa favorece e valoriza a experiência dos atores locais, permitindo que cada um tenha um local para se expressar e participar do processo de tomada de decisão. Diria que [a governança] é a espinha dorsal da plataforma de paisagens modelo no mundo”, comenta André Nunes, coordenador do projeto Restauracción que é executado na Paisagem Modelo Pantanal.   

O pesquisador do Centro Agronômico Tropical de Pesquisa e Ensino (CATIE) na Costa Rica, Max Yamauchi visitou a Paisagem Modelo Pantanal em 2022 e afirma que “no Pantanal você tem um conjunto de atores e interesses que muitas vezes estão trabalhando de maneira antagônica, num cabo de guerra. É compreensível, são interesses que muitas vezes se chocam. Mas obviamente quem sai perdendo na maioria dos casos é o lado mais fraco e o ambiente”. Dessa forma o pesquisador acredita que a Paisagem Modelo é um, senão o, caminho para promover o diálogo entre esses diferentes interesses e assim garantir a resolução dos conflitos.

“Nesse ponto de vista, sinto que a Paisagem Modelo coloca todos esses atores, público, privado, sociedade civil, num mesmo espaço para que comecem a cooperar mais do que brigar. Para mim é um potencial muito grande. Acho que tem oportunidades muito grandes para encontrar caminhos reais para um desenvolvimento sustentável do território que busca a prosperidade de todos os lados nessa equação”  – Max Yamauchi 

Uma das problemáticas enfrentadas por populações dentro da área da Paisagem Modelo Pantanal é algo que os costarriquenhos já enfrentaram. Assim como na Costa Rica até alguns anos atrás, grupos envolvidos na Paisagem Modelo Pantanal carecem da água, elemento vital para a vida. Paradoxal pensar que na região em que tudo gira em torno da água para alguns é algo inacessível ou seu acesso é precário.   

Algumas comunidades da Paisagem Modelo Pantanal, como assentamento Urucum, possuíam lindos córregos, mas atualmente eles secaram. A água é básica para a vida. Foi nela que as primeiras formas de vida surgiram. É nela que nos desenvolvemos durante a gestação. É dela que 70% do nosso corpo é formado. Ou seja, ela é essencial e sua perda é preocupante, mas um dos aspectos interessantes sobre a natureza é que com os cuidados certos ela pode se recuperar.  As ações dentro da Paisagem Modelo Pantanal se apresentam como um caminho para restaurar esses ambientes ricos.   

“É como se [a Paisagem Modelo] fosse um condomínio de casas onde você tem a assembleia do síndico para resolver coisas que são do interesse em comum das pessoas que moram nesse condomínio” – André Nunes. 

Para recuperar ambientes degradados e assim solucionar a problemática da água é necessária a ação popular, como o exemplo da Costa Rica demonstra. Nesse sentido Max Yamauchi reforça que “você pode fazer mil projetos, mas se você não trabalha essa questão social de governança vai ser sempre um cabo de guerra. Quando você consegue tecer laços, alianças e todo mundo trabalhar em uma mesma direção, ainda que a gente reconheça que tenham diferenças muito grandes de impactos, você consegue ter um impacto positivo maior em direção ao que se quer”.   

“A Ecoa está sediando essa plataforma e tem o papel de facilitar a comunicação e dialogar entre os diferentes atores. A gente acredita que [a Paisagem] será de grande valia. Desafiador, mas se a gente for olhar outros exemplos de paisagens que já existem na América Latina, elas têm proporcionado uma plataforma eficaz, que melhora a comunicação entre os diferentes atores que habitam e dependem da região para sobreviver” – André Nunes 

 

Projeto Restauracción* 

Dentro da Paisagem Modelo Pantanal está em andamento o projeto Restauracción que é executado pela Ecoa e tem como objetivos a indicação de áreas prioritárias para restauração, intensificação de ações de restauração na Área de Proteção Ambiental Baía Negra e criação de brigadas comunitárias voluntárias. 

O projeto conta com o apoio do Serviço Florestal Canadense e com a presença de 12 pesquisadores e pesquisadoras da Imperial College London, Smithsonian Conservation Biology Institute Universidade Federal de Mato Grosso do Sul e Instituto de Pesquisas Ecológicas (IPÊ).   

 

Raquel Alves

Jornalista do núcleo de comunicação da Ecoa e comunicadora do projeto restauracción

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