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Perdas de água tratada, uma das causas da Crise Hídrica – duplamente. V

10 minutos de leitura
Imagem internet, disponível em vários sites, dentre eles no Ciclo Vivo.

Por Alcides Faria, biólogo e diretor Executivo da Ecoa.

 

– Perdas de água e poluição promovem também perdas ou uso de energia desnecessariamente.

 

–  O desperdício de água tem efeitos negativos para o ambiente, a sociedade e a economia. Retira-se dos ecossistemas muito mais água que o necessário.

 

– Na crise recorre-se aos lençóis subterrâneos, usando-os além de sua capacidade de recarga.

 

– A quantidade de energia elétrica perdida por ano nos sistemas de abastecimento de água é de 4 TWh/ano.

 

– “As companhias [de saneamento] no Brasil são vendedoras de água, um incentivo vindo da regulação: a receita dessas empresas aumenta quanto mais água ela vender. É uma lógica que não fecha porque água é um recurso finito e estamos em plena crise ambiental”

 

Introdução.

O objetivo com esta série de textos – um tanto inacabados – sobre causas da Crise Hídrica que atravessa a região da bacia do rio Paraná/Paraguai é mostrar que a menor quantidade de água derramada dos céus nos últimos anos conduziu a uma condição de “Crise” por diversos processos ‘históricos’ e não apenas por uma condição climática de “seca”, de menos chuvas. Os processos, em geral, são fundados na percepção equivocada de que o País, um “Gigante pela própria natureza”, estaria “deitado eternamente em berço esplendido” dos bens naturais e que seus “bosques” seguiriam eternamente tendo mais vida, como está no Hino. Na verdade, estão à vista várias causas estruturais e é preciso tratar delas, a começar por diagnosticar corretamente para gerar políticas adequadas. A destruição ambiental, o mau uso dos bens naturais, principalmente da vegetação natural, da água e dos solos cobram agora seu preço devastador, pois embalada na cultura do desperdício.

Neste texto a abordagem central é o desperdício da água tratada, um bem que para sua produção gasta insumos grandemente dependentes da água que corre nos rios para sua produção: a energia elétrica.

 

As grandes perdas.

Coletar água, tratá-la e transportá-la até os consumidores nas cidades demanda grande quantidade de energia elétrica. O Diagnóstico dos Serviços de Água e Esgoto, publicado em 2018, calcula que as empresas de saneamento participantes do Sistema Nacional de Informações sobre Saneamento (SNIS) tiveram um consumo de 12,9 TWh, compostos por 11,5 TWh com abastecimento de água e 1,4 TWh com esgotamento sanitário.

Dados recentes apontam que, em média, 40% da água produzida pelas companhias de saneamento é perdida entre a captação e aquela que é efetivamente faturada no destino. Desses montantes calcula-se que as perdas de energia elétrica “do conjunto dos sistemas nacionais, entre 2003 e 2015, foi de 4TWh/ano” (Sanesul), quadro que não deve ter se alterado significativamente.

Estudiosos da área indicam que a enorme quantidade de energia que se desperdiça no tratamento e transporte, muito além do razoável, se deve à falta de medidas de reabilitação e de manutenção preventiva, com impacto na eficiência de todos os sistemas, especialmente nos motores e bombas e motores velhos podem gastar entre 20 e 30% a mais de energia do que motores novos, de última geração.

A perda e o desperdício de água, além de exigir maior quantidade de água para gerar energia nas hidrelétricas, multiplica os danos ambientais ao coletar um volume maior que o necessário na natureza e, em muitos casos, compromete permanentemente o futuro com a superexploração de fontes de abastecimento, principalmente de águas subterrâneas. Um exemplo é Ribeirão Preto (SP), município com mais de 700 mil habitantes, onde a fonte única de abastecimento de água é o Aquífero Guarani. Em 2017 existiam 374 poços, com extração anual de 136 milhões de ms3 de água por ano, o que levou o chamado “cone principal” do Aquífero a um rebaixamento de 110 metros, segundo publicação de Julio Cesar Arantes Perroni e outros. O índice de perdas na cidade é estimado em 50%.

Imagem internet, disponível em vários sites, dentre eles no Ciclo Vivo.

O centro da Crise Hídrica atual é a bacia do rio Paraná, unidade ambiental em que grandes perdas de água são identificáveis nos estados que com a maior parte de seus territórios. Em São Paulo, o mais populoso e em que roda a maior economia do País, na capital, São Paulo, a cifra do desperdício é próxima dos 30%. O Universo On Line (UOL) fez um levantamento recentemente mostrando que a média anual de perda de água, entre 2014 e 2019, foi de 823 bilhões de litros, “o suficiente para abastecer a capital paulista por um ano, que no mesmo período consumiu, em média, 685 bilhões de litros”. Desde a outra crise hídrica, a de 2014, a Empresa de Saneamento de São Paulo (Sabesp) – tem ações na Bolsa de Nova York – reduziu as perdas em apenas 2,8%, de 29,8% para os atuais 27%.

Rio das Pedras, na região de Campinas (SP), tem cerca de 36 mil habitantes, e lá, a exemplo de Ribeirão Preto, 50% (!) da água produzida não alcança os consumidores. Com chuvas em menor quantidade em 2020 e 2021 a cidade foi levada ao racionamento, situação enfrentada por várias outras cidades de São Paulo. Em Curitiba, a capital do Paraná, o índice de desperdício na rede de distribuição é próximo a 40%, segundo levantamento do Instituto Trata Brasil em 2017, uma demonstração do descalabro desse quadro de perdas, pois a Grande Curitiba está sob racionamento desde 2020 e o estado sob emergência hídrica!

O UOL registrou na mesma matéria em que mostrou as perdas em São Paulo citação do coordenador de pesquisa do Instituto Democracia e Sustentabilidade, Guilherme Checco, em ele expõe cruamente da prevalência do quadro de perdas: “são as agências reguladoras que definem as condições da prestação e o preço praticados pelas empresas de saneamento. As companhias [de saneamento] no Brasil são vendedoras de água, um incentivo vindo da regulação: a receita dessas empresas aumenta quanto mais água ela vender. É uma lógica que não fecha porque água é um recurso finito e estamos em plena crise ambiental ……..O ciclo de chuvas no Brasil mudou, mas o setor ainda olha para os registros históricos”.

A poluição das águas é também um elemento agravante para a formação da Crise Hídrica. Águas poluídas provocam maiores custos ou inviabilizam o tratamento, obrigando as municipalidades a buscarem outras fontes, como é o caso do município de Tietê, em São Paulo. A cidade é atravessada pelo grande rio que lhe dá o nome, mas não pode recorrer a ele para abastecer-se de água devido a poluição extrema e por isso é usado o aquífero Tubarão, atualmente com a vazão reduzida por excessiva extração, chuvas deficientes dos últimos anos, com a consequente falta de abastecimento em áreas de recarga.

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