- No período de seca na década de 60 do século passado a Fase Neutra prevaleceu em 63% do tempo;
- Os estudos climáticos e hidrológicos para a Bacia do rio Paraguai e o Pantanal devem avançar na direção de permitir elaborar cenários com mais precisão.
Alcides Faria, biólogo e diretor da Ecoa. Trabalha no Pantanal há mais 30 anos
Em texto anterior levantei a hipótese – possibilidade, conjectura – de que a Fase Neutra entre o El Niño (aquecimento) e La Niña (resfriamento), fenômenos que ocorrem com as águas do Pacífico, levaria o Pantanal para situações de seca como as ocorridas em 2020 e 2024. O avanço por tal território tem como razão as limitações das informações climáticas e hidrológicas para a Bacia do Alto Paraguai, onde está o Pantanal, principalmente se ocorre a construção de cenários de médio prazo, uma urgência frente a sucessivos eventos extremos, alguns deles trazendo condições para situações devastadoras como grandes incêndios.
Meu ponto de partida para tal conjectura é que o National Oceanic and Atmospheric Administration (NOAA), dos Estados Unidos, considera que a variação na temperatura das águas do Pacífico é um dos fenômenos climáticos mais importantes devido à sua capacidade de mudar a circulação atmosférica global, o que, por sua vez, influencia a temperatura e a precipitação em todo o planeta.
Com a conclusão do NOAA e sabendo que nos anos 60 do século passado foi registrada prolongada seca no Pantanal, se apresentou a necessidade de verificação das ocorrências com relação às águas do oceano Pacífico para o período. Essa verificação mostra claramente a prevalência da Fase Neutra entre El Niño e La Niña.
Os registros
Em 1959 inicia-se, a partir de abril, um prolongado período com as águas do Pacífico equatorial na Fase Neutra, quadro que permanece até maio de 1963, somando, portanto, 50 meses consecutivos.
Entre 1963 e 1966 ocorre o resfriamento de modo a caracterizar a Fase La Niña em 9 dos meses. Já em outros 21 meses ocorre o aquecimento, alcançando a indicação como Fase El Niño. Entre os fenômenos El Niño e La Niña registrados no período (1963-1966) ocorreu por 4 dos meses a Fase Neutra.
A partir de maio de 1966 novamente passa a predominar a Fase Neutra, numa sequência de 29 meses, até setembro de 1968, quando passa a prevalecer o El Niño com registro em 14 dos 16 meses seguintes. Ocorre no período um pequeno interregno com a Fase Neutra em 2 dos 16 meses.
A contabilização geral das ocorrências das 3 Fases (El Niño, La Niña e Neutra), a partir de janeiro de 1959, resulta que nos 120 meses, até dezembro de 1968, prevalece a Fase Neutra em 75 meses ou em 62,5 % desse tempo.
Se olhamos os dados disponíveis de 73 anos, entre 1950 e 2023, não encontraremos outro período com ocorrência tão marcada da Fase Neutra, porém, como informei de início, apresento apenas uma conjectura baseada no olhar sobre um dos fatores que pode ter influência no complexo universo das análises para previsões sobre o clima e a hidrologia.
Após 1969, quando o Pantanal caminha para o fim da seca, há uma evidente prevalência do La Niña. Em 84 meses, entre janeiro de 1970 e dezembro de 1976, o fenômeno La Niña ocorre em 56 meses, ou 66,6% do período. Tal resultado leva a outra questão: seria o La Niña determinante para as condições climáticas do Pantanal, provocando chuvas mais intensas na Bacia do rio Paraguai?
A análise dos dados pluviométricos da fazenda Bodoquena* – são mais de 100 anos de medição diária -, localizada entre os municípios de Miranda e Corumbá, no Mato Grosso do Sul, mostra que a pluviosidade média anual entre 1959 e 1968, período da seca, quando prevaleceu a Fase Neutra nas águas do Pacífico, foi de 1.087 milímetros.
Nos dez anos seguintes a média anual alcança 1.383,1 milímetros, lembrando que nesse período ocorre a prevalência da Fase La Niña.
No caso das secas recentes (2020 e 2024) o que se observa quanto as fases das águas no Pacífico é a ocorrência de períodos prolongados marcados pela Fase Neutra e o El Niño – carece de melhor análise.
Limitações do aqui exposto
O apresentado até aqui traz consigo limitações impeditivas da construção de elementos conclusivos quanto aos efeitos das variações de temperaturas nas águas do Pacífico sobre o clima e, consequentemente, a hidrologia da Bacia do Alto Paraguai e o Pantanal. Outras influências apontadas por pesquisadores certamente têm o seu papel, algumas delas até mesmo indicadas como as determinantes, porém a possível correlação identificada neste texto é um fator a ser considerado, principalmente em tempos de mudanças climáticas e eventos extremos. Várias outras cadeias de dados devem ser analisadas, dentre elas os valores da medição diária feita pela Marinha do Brasil por mais de 120 anos no nível do rio Paraguai em Ladário (MS).
Registros finais
O período exato da seca no Pantanal precisa melhor precisão do que aquela aqui apontada. Os estudos climáticos e hidrológicos para a Bacia do rio Paraguai e o Pantanal devem avançar na direção de permitir elaborar cenários com mais precisão. A proposta de um Centro de Operação Climática para o Pantanal deveria estar na ordem do dia.
*Agradecemos ao Adriano Saracen, gerente da Fazenda Bodoquena, e a Fernanda Pannunzio da Reservas Votorantim por disponibilizarem os dados sobre a precipitação na região da fazenda, dados esses que contam uma parte da história climática e hidrológica do Pantanal.