Por Alcides Faria, biólogo e diretor executivo da Ecoa.
– Ineficiência energética, perdas e desperdício.
– Um país eficiente energeticamente precisaria de menos água para gerar energia.
– A melhor energia é a ganha com políticas, estratégias e ações de eficiência energética.
– Políticas de eficiência espalham ganhos amplos na economia, muito além do próprio setor onde é aplicada.
– Com a crise da água e a climática, eficiência energética é essêncial.
O desperdício de energia é um tema recorrente em estudos e matérias jornalísticas no Brasil. Os dados são bem conhecidos, principalmente aqueles que mostram as dimensões do problema. A Associação Brasileira das Empresas de Serviços de Conservação de Energia (ABESCO) demonstrou que a quantidade de energia desperdiçada no Brasil, por várias razões, entre 2014 e 2016 foi o equivalente a 140% do montante anual gerado pela usina de Itaipu – abaixo um print do site de Itaipu com a produção entre 2013 e 2020, período em que gerou uma média de 90.317,25 GWh por ano.
Segundo um levantamento do Tribunal de Contas da União (TCU) as perdas no sistema de transmissão de energia elétrica seriam de 6% no Chile e de 7% na Europa. Em novembro de 2012 veio a público a segunda edição do relatório “O Setor Elétrico Brasileiro e a Sustentabilidade no Século 21 – Oportunidades e Desafios”, com uma cuidadosa análise crítica da eficiência do modelo energético. O trabalho concluiu que um quinto da energia produzida no país é desperdiçada na transmissão entre os locais de produção e os centros de consumo. Essas perdas de energia, diz o documento, aumentam 5% a tarifa média paga pelo consumidor.
O American Council for an Energy-Efficient Economy analisou as políticas públicas e as práticas das empresas quanto a eficiência energética em 25 países. O Brasil ficou entre os cinco últimos (imagem), junto com a Arábia Saudita e Rússia e suas grandes reservas de petróleo.
Na indústria
Perdas e as possibilidades de economia
O setor industrial gasta cerca de 40% da energia produzida no País e desse montante os motores elétricos consomem 68%. São bem conhecidas as perdas vindas de maquinários obsoletos, motores com problemas de manutenção e a “insuficiente integração dos processos produtivos e inovações tecnológicas”. Caso fossem utilizados motores novos, de alto rendimento, a economia de energia poderia ser de 20 a 30% em relação a um motor comum. Quando se discute o “Custo Brasil” e a necessidade de que os produtos brasileiros tenham competitividade nacional e internacionalmente esse deveria ser um tema central. A ineficiência energética na produção é um dos problemas óbvios, pois ao que se produz são agregados os custos referentes a energia perdida pelos motores, o que não ocorre nos países que já usam motores elétricos muito eficientes, de última geração.
Dentro de casa
Geladeiras e chuveiros.
– No Brasil as geladeiras somente atingirão o padrão de consumo dos Estados Unidos, exigido desde 2014, em 2026 (O Globo).
– O consumo do chuveiro por ano no Brasil corresponde a 30% da energia gerada por Itaipu no período.
A geladeira é o eletrodoméstico responsável por até 30% do consumo doméstico. No Brasil hoje todas elas são hoje classificadas como Padrão Alto quanto ao consumo energético (A), mas que na prática não é um indicativo de eficiência real. O Instituto Nacional de Metrologia, Qualidade e Tecnologia (Inmetro) identifica que há entre elas uma diferença de até 30% no consumo, ou seja, consomem muito mais que o esperado e ‘selado’. Atualmente, quase 100% das geladeiras estão classificadas como A e esse quadro somente começará a mudar em junho de 2022 quando será obrigatório que as geladeiras vendidas no país tenham 3 classificações quanto ao consumo (A+; A++; A+++). No Brasil as geladeiras somente atingirão o padrão de consumo dos Estados Unidos, exigido desde 2014, em 2026 (O Globo).
O chuveiro elétrico é um exemplo de desperdício de energia no País. Na média ele é responsável por cerca de 23% (Procel) do gasto de energia nas residências e tem um impacto na curva de carga do sistema elétrico. Em artigo no Jornal da Ciência da Universidade de Campinas Maurício de Castro Tomé, autor da dissertação de mestrado “Análise do impacto do chuveiro elétrico em redes de distribuição no contexto da tarifa horossazonal”, afirma que o “consumo de energia elétrica pelo chuveiro ao longo do ano por toda a população corresponde a praticamente 30% da energia gerada por Itaipu no mesmo período”, o que, tomando a média de geração da represa entre 2013 e 2020 corresponderia a mais de 27 GWh. Nas regiões Sul e Sudeste do país, o chuveiro já chegou a responder por até 40% do consumo de energia elétrica residencial no horário de pico – entre as 18 e 19 horas. “Se pensarmos no consumo de energia de todas as residências, metade do consumo no horário de pico parte do chuveiro elétrico. Se houver algum tipo de esforço para melhorar esse quadro, com certeza haverá um grande ganho”. Pela manhã, o maior consumo de chuveiro concentra-se entre as 6 e as 8 horas.
E qual seria a solução para o aquecimento de água? O sol. Com uma cobertura de apenas 6,50 m2 com placas pode-se aquecer 500 litros de água. A empresa Dasol simulou que um aquecedor testado e etiquetado pelo Inmetro, para uma família de 5 pessoas, “considerando quatro a cinco banhos diários o consumo de energia anual sem o sistema de aquecimento solar seria de 3.240 kWh e com o equipamento instalado cairia para 2.400 kWh, o que representa uma economia de 840 kWh ao ano”.
Um exemplo de solução para o excessivo consumo por parte dos chuveiros elétricos e os problemas causados nos horários de pico é o que fez a Cemig(MG). A empresa de energia instalou mais de 15 mil sistemas de aquecimento solar em 15,5 mil casas, 37 hospitais e 103 instituições de idosos, tendo como um dos objetivos a redução da sobrecarga no horário de ponta.
Conclusão
As energias renováveis são uma grande alternativa para o País, principalmente pela disponibilidade de sol e ventos, mas se não se cuidar para que todo o sistema elétrico ganhe eficiência é como ‘encher um balde furado com água da chuva’, como disse alguém. Sistemas elétricos ineficientes exigem cada mais produção de energia.
Faltam políticas públicas para estimular a eficiência energética. Os recursos são investidos quase que exclusivamente em expansão de redes e fontes de produção o que chamo de “produtuvismo”, enquanto o desperdício está a vista por todo o lado. Historicamente o grande volume dos recursos vai para hidrelétricas, a atual crise de falta de água, a chamada “crise hídrica”, mostra que se construiu um sistema vulnerável a eventos climáticos extremos e às mudanças ambientais.
Eficiência é a chave principal para a matriz energética brasileira avançar e trazer resultados preciosos para a economia, com redução de custos, desenvolvimento tecnológico e geração de trabalho e renda.
- A Ecoa trata da questão da Eficiência Energética como uma alternativa para o País frente a implantação de hidrelétricas e, em razão disso, acompanha as políticas de investimentos públicos no setor. Em 2016 publicou o estudo “BNDES e eficiência energética: a trágica cena brasileira”, identificando que àquela altura apenas 12 empresas buscaram recursos do Banco em 10 anos e os desembolsos foram aproximadamente 0,04% do total contratado no período – mais de 1,5 trilhão