Esse tipo de projeto provoca o rebaixamento do nível do rio, o que deve acontecer no caso do rio Paraguai. Por causa disso, parte do Pantanal pode deixar de ser alagada.
Como os estudos oficiais deixam de seguir os padrões científicos na determinação desse rebaixamento da cota do rio Paraguai, segundo os hidrólogos que assinam a análise independente, não é possível prever o tamanho da área que deixará de ser alagada.
Prejuízos
Qualquer rebaixamento, entretanto, pode causar prejuízos, especialmente na época da seca, “quando as áreas úmidas são de fundamental importância para muitas espécies”, segundo o ecólogo John Melack, da Universidade da Califórnia.
Estudo recentemente publicado pelo cientista Stephen Hamilton, da Universidade Estadual de Michigan, que há mais de dez anos estuda o Pantanal, mostra as áreas dessa região que sofreriam impacto mais forte com o rebaixamento do rio Paraguai.
Uma redução de 10 cm no nível desse rio pode provocar, segundo ele, diminuição de 41% na área alagada do Pantanal em Cuiabá (MT), na época de estiagem. Se o rio baixar em 25 cm, essa ecorregião ficará toda seca, conforme o estudo.
Segundo Maurício Galinkin, 53, diretor técnico da Fundação Cebrac (Centro Brasileiro de Referência e Apoio Cultural), a consequência do rebaixamento será a morte da vegetação e dos animais que, no período de estiagem, sobrevivem graças às áreas alagadas espalhadas pelas chamadas planícies de inundação.
Os benefícios econômicos previstos são custo mais baixo de transporte e aumento das exportações de minério de ferro.
Segundo o estudo independente, as projeções de safras de soja e os preços do minério de ferro foram superestimados no estudo de viabilidade econômica do projeto.
Além disso, afirmam, não foram incorporados os custos ambientais e sociais, bem como os investimentos necessários para modernização e construção de portos, da frota fluvial e estradas e ferrovias para ligar a hidrovia às regiões produtoras, todos considerados essenciais ao projeto.
O estudo
O estudo independente foi realizado por especialistas em geografia, biologia, antropologia, economia, engenharia, gestão ambiental, hidrologia e zoologia, entre outros (veja relação abaixo).
Foi feito por iniciativa de duas organizações não-governamentais: a norte-americana EDF (Fundo de Defesa Ambiental) e a Fundação Cebrac, de Brasília.
O estudo se baseia em relatórios oficiais dos cinco países envolvidos no projeto (Brasil, Argentina, Uruguai, Paraguai e Bolívia), que receberam financiamento do BID (Banco Interamericano de Desenvolvimento) para fazer os estudos.
Os estudos foram feitos por dois consórcios internacionais: Hidroservice-Louis Berger-EIH (projeto de engenharia e estudo de viabilidade econômica) e Taylor-Golder-Consular-Connal (estudo ambiental). Segundo os cientistas independentes, os consórcios entregaram os estudos incompletos em dezembro de 96, depois de consumir 20 meses e US$ 7 milhões.
Professor Salati
Formado em 1955, em Engenharia Agronômica, pela USP, Salati teve uma carreira exemplar. Membro do Fórum de Mudanças Climáticas, foi professor da Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiróz (Esalq), por duas vezes diretor do Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (INPA), diretor do Centro de Energia Nuclear na Agricultura da USP, diretor técnico da Fundação Brasileira para o Desenvolvimento Sustentável. Foi também assessor do Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID), em Washington, consultor do Banco Mundial e da International Finance Corporation (IFC).
Foi dele o estudo seminal, no fim dos anos 1970, que mediu o nível de reciclagem das moléculas de água na Amazônia, um ciclo tão gigantesco que faz com que essas moléculas – vindas do oceano e precipitadas sobre a floresta – sejam evaporadas e voltem em forma de chuvas na região entre 5 a 8 vezes. Quando, finalmente, essa enorme massa de ar se desloca no sentido dos Andes, migra para o Sudeste formando os “rios voadores“, fenômeno tão concreto que basta ler as notícias sobre as tempestades que afetam o país durante o verão.