Via Pesquisa FAPESP
Por Maria Guimarães
A ecóloga Maria Gabriela Camargo, durante pós-doutorado no laboratório de Morellato, chegou a essa conclusão depois de analisar as cores de flores (283 espécies) polinizadas por animais (244 espécies de abelhas e 39 de beija-flores) nos campos rupestres da serra do Cipó, em Minas Gerais. Ela mediu o espectro da luz refletida pelas flores e outras partes das plantas e relacionou ao seu principal polinizador, conforme artigo publicado na edição de abril da revista New Phytologist em parceria com colegas da Alemanha e São Carlos.
De volta ao laboratório, Camargo percebeu diferenças na luz refletida por flores conforme o polinizador habitual, reiterando a importância da cor na atração. Aquelas visitadas por beija-flores emitem comprimentos de onda mais longos, invisíveis para abelhas. Ela construiu diagramas representando o espaço visual de aves e abelhas e plotou neles as flores conforme seu polinizador, mapeando como os animais enxergam as flores. Os resultados indicam que a maior parte das flores polinizadas por beija-flores não é vista como colorida pelas abelhas, sejam elas vermelhas (mais frequentemente), amarelas ou brancas. Os beija-flores veem todas as cores, contrariando o dogma de que gostam de vermelho, e são especialmente atraídos por contrastes marcantes. “Flores vermelhas não são facilmente detectadas pelas abelhas, e percebemos que evitá-las pode ser importante porque nas flores polinizadas por beija-flores elas podem roubar o néctar sem polinizar”, diz Camargo.
As pesquisadoras também perceberam que marcações conhecidas como guias de néctar – linhas, pontos ou manchas, nem sempre visíveis aos olhos humanos, que funcionam como trilhas demarcadas – aparecem em 52% das flores de abelhas e em 26% daquelas polinizadas por beija-flores. “Os guias otimizam a manipulação, porque permitem que as abelhas direcionem sua ação e passem menos tempo andando pela flor”, diz Camargo, explicando por que as marcações seriam favoráveis para os insetos e para as flores.
Um colorido que esconde a flor em vez de atrair, selecionando o visitante, representa uma mudança em como se vê essas relações ecológicas. “Foi um achado espetacular que as cores possam servir como filtro floral”, diz o biólogo alemão Klaus Lunau, da Universidade de Düsseldof, especialista em polinização e coautor do estudo. “É uma novidade que atrair polinizadores seja apenas uma das funções das cores das flores, que também possam servir para espantar herbívoros e outros visitantes indesejados”, completa.
Três particularidades do campo rupestre tornam sua vegetação de baixa estatura, com curiosas estratégias de sobrevivência no solo pobre e pedregoso em que cresce (ver Pesquisa FAPESP nº 229), ideal para esse estudo de comunidades de polinizadores. É um ecossistema caracterizado por grande diversidade de plantas, que têm abelhas e beija-flores como os principais polinizadores e onde, por ser uma vegetação aberta, as flores são visíveis de longe com um bom contraste em relação ao pano de fundo, favorecendo a comunicação visual. As pesquisadoras da Unesp esperam repetir o mesmo tipo de análise para outros ambientes, como florestas, com outro repertório de espécies e condições distintas, para verificar se as conclusões se mantêm.
Para Camargo, um diferencial do estudo foi ter confirmado, na natureza, a hipótese da exclusão de abelhas e padrões de coloração já descritos para atraí-las. Morellato completa que agora será possível avançar mais no entendimento de como se organizam as interações no campo rupestre.
Visão noturna
Além de afirmar que o olhar modificado sobre a polinização poderá trazer novidades em estudos futuros, Klaus Lunau destaca a importância da diversidade brasileira. “Muitas questões estão sem resposta porque a maior parte dos estudos foi feita com abelhas europeias e duas espécies de mamangavas, ignorando a grande diversidade não só desses gêneros, mas também de abelhas sem ferrão e solitárias.” Ele tem contribuído para a redução desse desconhecimento em parceria com a bióloga Isabel Alves-dos-Santos, do Instituto de Biociências da Universidade de São Paulo (IB-USP), em experimentos conduzidos no apiário. “Aqui as condições são boas para experimentos porque podemos treinar, alimentar e manipular as abelhas”, conta ela. “Dois estudantes do Klaus vieram da Alemanha, e no final do período de estudo as abelhas os seguiam de um lado para outro no jardim!” Eles examinaram duas espécies de abelhas sem ferrão, Partamona helleri e Melipona bicolor, e detectaram que as preferências não são homogêneas. A primeira espécie tendia a escolher azulados, enquanto a segunda não parecia ter preferência por cores específicas, de acordo com artigo publicado em setembro de 2018 na PLOS ONE. Embora a cor seja a principal forma de sinalização das flores, aparentemente outros sentidos podem ser mais importantes para Melipona.
Nos últimos anos, o grupo da USP começou a explorar a vida noturna das abelhas. Sem luz para ser refletida, à noite as cores deixam de cumprir seu papel. Alves-dos-Santos se interessou pelo assunto quando seu aluno Guaraci Duran Cordeiro, estudando o cambuci (Campomanesia phaea, árvore típica da Mata Atlântica), percebeu que as flores já tinham sido visitadas quando ele chegava às 6 horas. Encontrou quatro espécies de abelhas noturnas ativas nas flores a partir de quando abriam às 4h30. As espécies noturnas de abelhas foram em grande parte ignoradas até agora. “Abelhudo não sai à noite”, brinca a pesquisadora.
Mais recentemente, o grupo da USP tem estudado as flores do guaraná (Paullinia cupana), que abrem na madrugada, por volta de 2h, e documentado várias espécies de polinizadores noturnos. Em pomares escuros, onde os pesquisadores não conseguem enxergar as flores, as abelhas seguem as trilhas químicas por meio das antenas e se orientam perfeitamente para o que interessa. Em parceria com o biólogo Stefan Dötterl, da Universidade de Salzburgo, na Áustria, o grupo da USP está destrinchando quimicamente esses odores, conforme mostram em artigo de julho de 2018 na Frontiers in Plant Science. A proporção entre os componentes químicos pode ser crucial para filtrar as espécies de abelhas atraídas, potencializando uma relação mais produtiva. “As abelhas do gênero Apis tendem a visitar flores da mesma planta, o que não é útil para espécies que exigem polinização cruzada”, exemplifica a pesquisadora, referindo-se à necessidade de o pólen de uma planta fertilizar outro indivíduo. “Outras abelhas variam mais entre plantas.”
Projetos
1. Combining new technologies to monitor phenology from leaves to ecosystems (nº 13/50155-0); Modalidade Parceria para Inovação Tecnológica (Pite); Convênio Microsoft Research; Pesquisadora responsável Leonor Patrícia Cerdeira Morellato (Unesp); Investimento R$ 1.842.134,97 (FAPESP).
2. Diversidade florística e padrões sazonais dos campos rupestres e Cerrado (nº 10/51307-0); Modalidade Parceria para Inovação Tecnológica (Pite); Convênio Vale-Fapemig-FAPESP; Pesquisadora responsável Leonor Patrícia Cerdeira Morellato (Unesp); Investimento R$ 441.438,71 (FAPESP).
Artigos científicos
CAMARGO, M. G. G. de et al. How flower colour signals allure bees and hummingbirds: a community-level test of the bee avoidance hypothesis. New Phytologist. v. 222, n. 2, p. 1112-22. abr. 2019.
KOETHE, S. et al. Spectral purity, intensity and dominant wavelength: Disparate colour preferences of two Brazilian stingless bee species. PLOS ONE. v. 13, n. 9, e0204663. 28 set. 2018.
CORDEIRO, G. D. et al. Pollination of Campomanesia phaea (Myrtaceae) by night-active bees: a new nocturnal pollination system mediated by floral scent. Plant Biology. v. 19, n. 2, p. 132-9. mar. 2017.
KRUG, C. et al. Nocturnal bee pollinators are attracted to guarana flowers by their scents. Frontiers in Plant Science. v. 9, 1072. 31 jul. 2018.
Este texto foi originalmente publicado por Pesquisa FAPESP de acordo com a licença Creative Commons CC-BY-NC-ND. Leia o original aqui.
Texto de 10 de junho de 2019.