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Assombrado pelo fogo, futuro do Pantanal exige mobilização global

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Brigadistas combatem as chamas em 2023 no Pantanal. Foto: Joédson Alves/Agência Brasil.

Proteção maior viria com o bioma incluído em acordo europeu sobre compras livres de desmate, até agora focado em florestas

A seca e o calorão seguem potentes no Pantanal e ameaçam novos e grandes estragos este ano. Governos e sociedade civil já estão mobilizados, enquanto a proteção do bioma pode ser vitaminada com sua inclusão célere num acordo europeu que prevê importações livres de desflorestamento.

A área torrada pelo fogo disparou desde 2019, arrasando com vida selvagem, produção rural e turismo pantaneiros. Este ano, o ritmo de queimadas ruma para o de 2020, quando ⅓ do bioma virou cinzas, ao menos 17 milhões de animais morreram calcinados e outros 72 milhões foram impactados. Cicatrizes ainda abertas.

A situação é agravada pela minguada cheia desde outubro passado, uma severa quebra nos ciclos anuais de enchentes e vazantes do Pantanal. As barragens de pequenas e grandes hidrelétricas no Cerrado também mudaram o fluxo de água ao bioma. Isso tudo aumenta a secura e a temperatura média regionais, tornando cada foco de calor um risco de tragédia. 

“Temos sinais climáticos piores que os de anos anteriores”, reconheceu João Paulo Capobianco, secretário-executivo do Ministério do Meio Ambiente e Mudanças do Clima. “Desmate e mortes de animais caíram, mas prosseguem”, alertou esta semana em evento na Delegação da União Europeia, em Brasília (DF), organizado pelas ongs EJF, sigla em Inglês da Fundação para a Justiça Ambiental, e SOS Pantanal.

Números divulgados pela pasta federal apontam que a eliminação de vegetação nativa caiu 9%, de agosto passado a abril deste ano. No mesmo prazo, o sistema que mostra tendências de desmate, o Deter, alerta para 1.020 km2 suprimidos e quase 13 mil km2 degradados no Pantanal. A área somada é 10 vezes maior que a da cidade de São Paulo (SP).

O resultado é uma pior situação climática geral do bioma, cujos 84% de ambientes naturais o posicionam como o mais preservado do país. “Isso passa uma falsa impressão, pois metade desses 84% estão bem degradados, causando fortes impactos à biodiversidade”, emenda Rodrigo Agostinho, presidente do Ibama.

Os incêndios de 2020 foram os maiores do século no Pantanal. Foto: Ernani Júnior. Instituto Homem Pantaneiro

 

O destempero climático favorece a ignição de florestas, campos e outras formações, causada muitas vezes pelo descontrole de queimadas autorizadas em fazendas. Isso reforça que calor e seca estão distantes de serem os únicos atiçadores das chamas que devoram o Pantanal.

“O clima impulsiona o estresse da vegetação, mas a presença humana é uma grande fonte de incêndios”, afirma Renata Libonati, professora associada da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) e coordenadora na mesma instituição do Laboratório de Aplicações de Satélites Ambientais (Lasa).

O fogaréu de 2020 gerou perdas de R$ 1 bi nos dois estados pantaneiros e sua fumaceira alavancou estimadas 2.150 mortes prematuras, só na capital paulista. A temperatura média no Pantanal subiu 4ºC desde 1980 e as piores projeções elevam esse patamar para 10ºC até o fim do século, junto com mais 182% de ondas de calor, mostram análises do Lasa.

O cenário indica que os mega incêndios podem não arredar pé do Pantanal sem melhorar o manejo da produção rural, ampliar a área protegida e outras medidas alinhadas à indisfarçável realidade climática. “São tempos de grandes perturbações dos ciclos naturais”, constata Peter Claes, embaixador da Bélgica, país presidindo até junho a União Europeia.

Respostas múltiplas

Uma legislação do bloco econômico europeu determina que, rumo ao fim do ano, importações de itens como carne bovina, soja, madeira e derivados não venham de áreas desmatadas, legal ou ilicitamente.

“Isso é estratégico para reduzir os impactos das importações europeias em países produtores [de commodities] e influenciará o acordo do bloco com o Mercosul”, avalia o embaixador da Bélgica no Brasil, Peter Claes. Esse arranjo comercial segue em tratativas.

Mas as regras de início protegem as florestas enquadradas em parâmetros das Nações Unidas: com no mínimo 0,5 hectare, árvores medindo mais de 5 m e cobertura de copas não menor que 10%. Isso engloba grande parte da Amazônia, mas deixa de fora 3,3 milhões de km2 em todos os biomas, um território duas vezes maior que o estado do Amazonas.

Ainda mais grave, apenas ¼ do Pantanal está coberto pela diretiva europeia, analisou o MapBiomas. “Que salvar a Amazônia não nos custe os outros biomas”, reclama Luciana Leite, defensora da Biodiversidade e do Clima na EJF, entidade que atua em 14 países, incluindo desde 2020 no Brasil.

Cobertura florestal brasileira conforme as Nações Unidas

Fonte: MapBiomas (2022).

Um balanço da EJF mostra que 400 fazendas no Mato Grosso e Mato Grosso do Sul que vendem carne de gado à Europa trocaram vegetação nativa por pastos exóticos. Todas ficam no Pantanal ou em parte no Cerrado. Todavia, a inclusão de áreas sem florestas nas regras europeias pode ocorrer apenas no fim de 2025.

Enquanto a economia globalizada não engrossa a proteção da natureza,  pessoas e culturas no Pantanal, governos e sociedade civil anteciparam medidas legislativas, a mobilização de pessoas e equipamentos tentando evitar que o fogo devore o bioma, como fez em anos anteriores.

“O Pantanal é um ativo ambiental da humanidade cuja preservação é uma responsabilidade de múltiplos setores”, resume Eduardo Riedel (PSDB), governador do Mato Grosso do Sul. O estado aprovou uma legislação que defende cheias e vazantes pantaneiras, mostrou ((o))eco.

 

Grandes incêndios espreitam o futuro da maior alagável continental do planeta. Foto: Jean Fernandes Jr.

Além do polimento legislativo, o Mato Grosso do Sul já desembolsou R$ 50 milhões para contratar e posicionar brigadistas em áreas mais suscetíveis ao fogo, firmou parcerias com o Mato Grosso, bombeiros e ONGs que combateram as chamas de 2020. Seca e calor excessivos impediram este ano a queima controlada que reduziria o combustível dos incêndios, em ambos os estados pantaneiros.

Em coletiva de imprensa sobre o manejo integrado do fogo em áreas protegidas, no fim de abril, na capital Cuiabá (MT), o governador Mauro Mendes (União Brasil) afirmou que o estado alinhou planos com órgãos federais, estaduais e ongs para conter as chamas. “Quanto mais a gente investe na prevenção, o custo do combate se torna menor”, disse.

Já o Ibama retomou sua agenda de prevenção e combate ao fogo em 2023, após o desmonte e paralisação impostos pelo governo extremista de Jair Bolsonaro. O número de brigadistas contratados deve ultrapassar os 480 aproveitados no ano passado. Aviões podem reforçar a luta contra o fogo.

“Mas só comando e controle [fiscalização e multas] não manterão nossos biomas”, constata o presidente do Ibama, Rodrigo Agostinho. Nessa linha, é possível barrar queimas prescritas nos períodos de maior seca e ventania e engrossar ferramentas econômicas e políticas para conservar o Pantanal.

Créditos e financiamentos seguem fluindo a áreas embargadas por desmate ilegal porque bases de dados estaduais ainda não foram integradas ao Banco Central. “Não tem mais sentido seguir injetando recursos públicos para desmatar”, avalia André Lima, secretário-extraordinário de Controle de Desmatamento e Ordenamento Ambiental Territorial no Ministério do Meio Ambiente e Mudanças do Clima (MMA).

Até setembro a pasta projeta que saiam do forno planos para prevenir e controlar o desmate e o fogo no Pantanal, Cerrado, Pampa, Caatinga e Mata Atlântica. A Amazônia já tem. Isso deve melhorar o cenário de conservação e aquecer economias sustentáveis como o turismo, em áreas privadas e públicas.

Menos de 5% do Pantanal estão hoje em parques e outros tipos de unidades de conservação.

Nesse sentido, o “tema de casa” dos governos federal e estaduais inclui ampliar os apenas 4,68% do bioma atualmente em reservas ambientais, ou pouco mais de 7 mil km2,, cinco vezes a área de São Paulo (SP) “O Pantanal está subprotegido”, admite João Capobianco, secretário-executivo do MMA.

Metas internacionais de conservação pedem que ao menos ⅓ dos biomas estejam em unidades de conservação, até o fim da década. Terras indígenas como dos Terena, Guató, Kadiwéu e Guarani também precisam ser demarcadas no Pantanal, um bioma dominado por terras privadas.

Via Oeco/Aldem Bourscheit

 

Saiba mais: Heróis do Pantanal contra o fogo: o trabalho das brigadas voluntárias

Veja também: Ecoa envia ofício sobre incêndios no Pantanal à ministra Marina Silva

 

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