As membras da Rede de Mulheres Produtoras do Pantanal e Cerrado (CerraPan),encaminharam uma carta ao grupo de transição de Políticas Públicas para Mulheres do Governo Federal. O documento escrito pelas mulheres tem como intuito apresentar propostas e necessidades para o próximo governo.
“Consideramos muito importante esse momento do país em que, enfim, temos espaço para acessar o governo federal, depois de muitos anos caminhando invisíveis para o poder executivo e, muitas vezes, legislativo também”, explica Nathália Eberhardt, da Secretaria Executiva da CerraPan.
Leia a carta completa abaixo:
Nós, mulheres do Cerrado e Pantanal, organizadas na Rede CerraPan e firmantes dessa carta, nos dirigimos à equipe de transição do governo Lula para as políticas para mulheres, apresentando propostas de incorporação de nossas realidades e necessidades as políticas em planejamento para o próximo governo.
A CerraPan é uma Rede de mulheres, formada em 2015 para promover o intercâmbio de grupos de mulheres organizados em Comunidades Tradicionais e Assentamentos Rurais do Cerrado e Pantanal, buscando fortalecer estes grupos nas ações diretas no território, estimular a troca de vivências entre suas integrantes, consolidar apoio direto aos centro produtivos e projetos de valorização e desenvolvimento das comunidades, e conectar suas lutas.
Hoje, a CerraPan envolve comunidades de quatro municípios do Estado de Mato Grosso do Sul, Corumbá, Ladário, Miranda e Nioaque, 8 comunidades tracionais e locais, organizadas em associações mulheres extrativistas que aliam o trabalho comunitário de desenvolvimento de produtos da sociobiodiversidade com o desenvolvimento sustentável, alicerçadas na defesa de seus territórios com ambientes ecologicamente equilibrados.
A secretaria executiva da Rede é feita pela ECOA – Ecologia e Ação, ONG socioambiental com 33 anos de atuação na Bacia do Alto Paraguai. A Rede possuiu três agendas prioritárias, agenda política, agenda de produção e agenda de conservação, através das quais debatemos e expomos nossas necessidades de luta.
Nós, mulheres das águas e dos campos, moradoras no Pantanal e no Cerrado de Mato Grosso do Sul, fomos favoráveis a plataforma política de candidatura do Governo Lula, pois acreditamos na capacidade deste governo de retomar os diálogos com a sociedade civil.
Há anos estamos esquecidas pelo poder público, enfrentamos a falta de acesso aos direitos humanos de quem está distante dos centros urbanos e invisibilizado. Nos últimos anos enfrentamos uma pandemia com apoio apenas de organizações não governamentais, sociedade civil organizada e empresas
estabelecidas no território que se voltaram as nossas condições extremas de falta de alimento, de materiais de higiene básicos, de proteção ao coronavírus e acesso a atendimento médico.
A falta de energia elétrica em algumas comunidades, de acesso à internet na maioria delas, nos deixou ainda mais isoladas, sem acesso à informação e ao mercado de compra e venda dos produtos da sociobiodiversidade, nos deixou mais vulneráveis ainda.
O trágico desfecho dessa realidade veio com as queimadas de 2020 e 2021. O fogo assolou nossos territórios, destruindo reservas extrativistas de subsistência de nossas famílias e de nossa rica fauna, quase destruiu nossas casas e nossa produção não madeireira oriunda de frutos e espécies nativas sofreu os maiores prejuízos da história e nossa geração.
Nós apoiamos a reconstrução desse país. O Brasil depende da conservação do Pantanal e do Cerrado em pé. Nós somos as pessoas responsáveis hoje por preservar suas matas nativas, por restaurar nossas espécies locais, por recuperar as nascentes e produzir alimento nutritivo e sem veneno e precisamos diálogo e acesso direto as políticas públicas para garantir que nossa luta seja a de todos e todas.
Desta forma, apresentamos nossas principais necessidades como propostas que diminuam as desigualdades sociais, econômicas, ambientais e de gênero neste país.
– Nós mulheres do Pantanal precisamos de acesso as políticas públicas básicas para nossas comunidades. Na área da saúde, o barco ambulância, o posto de saúde flutuante e agentes de saúde em nossas comunidades são imprescindíveis.
– Na educação, precisamos de condições dignas, escolas no território, pois sempre é necessário mandar nossas filhas e filhos para estudar na cidade e nós paramos os estudos cedo porque não há escolas em nossas comunidades que nos atendam. Quando os jovens vão estudar na cidade, perdemos o vínculo, eles e elas perdem o vínculo com a terra e a comunidade perde a oportunidade de coloca-las/os com sua qualificação e capacidades para atuarem nos territórios.
– As políticas de enfrentamento a violência contra mulheres e meninas não alcança nossa realidade e nós não as compreendemos plenamente e nem conhecemos os serviços hoje disponíveis.
– Apesar de nossa importante participação política dentro e fora das comunidades, em espaços de debate e tomada de decisão, muitas de nós não votamos na última eleição, pois as urnas não chegam em nossas comunidades e o custo de deslocamento para as cidades é alto.
– Somos importantes produtoras de alimento, promovemos a segurança alimentar de nossas famílias e desejamos promover a soberania alimentar ao país, mas nossas condições de infraestrutura, escoamento de produção, acesso aos mercados, ainda são nossos principais obstáculos. Além disso, não existe uma política de assistência técnica para a agricultura familiar que desenvolve a atividade do extrativismo sustentável.
– Precisamos de liberdade de comercialização, promoção de espaços urbanos que contribuam para uma cultura de compra e venda de produtos da sociobiodiversidade em locais fixos, para criar o laço direto entre consumidor e produtoras e estabelecer a confiança e incentivo a aquisição de alimento limpo, livre de agrotóxicos, através de um modelo de consumo que apoia a conservação ambiental, como também a autonomia econômica de mulheres e seus núcleos familiares nas comunidades tradicionais e assentamentos.
– Pedimos ao novo governo que olhe para as ações de conservação e uso sustentável dos recursos nos biomas como um modelo de diversificação produtiva dentro das comunidades. Impulsionar esse modelo como agregador de renda dessas famílias, olhar para a recomposição e restauração de paisagens e matas nativas é um favorecimento a todas as pessoas e biomas. As comunidades prestam um serviço ambiental no Brasil e isso não é visto e nem valorizado até hoje.
Somos mulheres ribeirinhas, indígenas, assentadas, a frente de empreendimentos familiares e cadeias mais complexas, somos produtoras de alimento, isqueiras, pescadoras, agricultoras, artesãs, apicultoras, brigadistas comunitárias e somos a voz do Cerrado e Pantanal, nossa voz precisa ser ouvida pelo Estado brasileiro.
Assinam os grupos que compões a Rede de Mulheres CerraPan:
. Comunidade do Porto Esperança, Associação de Mulheres Ribeirinhas do Porto Esperança), Corumbá/MS.
. Associação de Moradores da Comunidade de Antônio Maria Coelho), Corumbá/MS.
. Associação de Mulheres Extrativistas da Comunidade do Porto da Manga), Corumbá/MS.
. Associação de Mulheres Artesãs da Comunidade da Barra do São Lourenço (Renascer), Corumbá/MS.
. Associação de Mulheres Produtoras da Área de Proteção Ambiental (APA) Baía Negra, Ladário/MS.
. Associação Produtiva do Assentamento Bandeirantes (APAB), Miranda/MS.
. Associação de Pescadores Artesanais de Iscas Vivas de Miranda (APAIM), Miranda/MS.
. Centro de produção, Pesquisa e Capacitação do Cerrado (Ceppec), Assentamento Andalucia, Nioaque/MS.
. ECOA – Ecologia e Ação