Cerrado

O bioma

Segundo o Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (IBAMA), o Cerrado é um ecossistema tropical de Savana, com similares na África e na Austrália. A área nuclear do Cerrado está distribuída, principalmente, pelo Planalto Central Brasileiro, nos estados de Goiás, Tocantins, Mato Grosso, Mato Grosso do Sul, parte de Minas Gerais, Bahia e Distrito Federal, abrangendo 196.776.853 hectares. Há outras áreas de Cerrado chamadas periféricas ou ecótonos, que são transições com os biomas Amazônia, Mata Atlântica e Caatinga. Os Cerrados são reconhecidos devido às suas diversas formações ecossistêmicas. Sob o ponto de vista fisionômico temos: o cerradão, o cerrado típico, o campo cerrado, o campo sujo de cerrado, e o campo limpo que apresentam altura e biomassa vegetal em ordem decrescente. O cerradão é a única formação florestal.


Mapa da Plataforma de Conhecimento do Cerrado, desenvolvido pela Universidade Federal de Goiás.

É constituído por árvores relativamente baixas (até vinte metros), esparsas, disseminadas em meio a arbustos, subarbustos e uma vegetação baixa constituída, em geral, por gramíneas. Assim, o Cerrado contém basicamente dois estratos: um superior, formado por árvores e arbustos dotados de raízes profundas que lhes permitem atingir o lençol freático, situado entre 15 a 20 metros; e um inferior, composto por um tapete de gramíneas de aspecto rasteiro, com raízes pouco profundas, no qual a intensidade luminosa que as atinge é alta, em relação ao espaçamento. Na época seca, este tapete rasteiro parece palha, favorecendo, sobremaneira, a propagação de incêndios. A típica vegetação que ocorre no Cerrado possui seus troncos tortuosos, de baixo porte, ramos retorcidos, cascas espessas e folhas grossas. Os estudos efetuados consideram que a vegetação nativa do Cerrado não apresenta essa característica pela falta de água – pois, ali se encontra uma grande e densa rede hídrica – mas sim, devido a outros fatores edáficos (de solo), como o desequilíbrio no teor de micronutrientes, a exemplo do alumínio.

Região de Cerrado, na parte oeste da Bahia. Foto: ICMBIO.

O Cerrado é reconhecido como a savana mais rica do mundo em biodiversidade com a presença de diversos ecossistemas, riquíssima flora com mais de 10.000 espécies de plantas, com 4.400 endêmicas (exclusivas) dessa área. A fauna apresenta 837 espécies de aves; 67 gêneros de mamíferos, abrangendo 161 espécies e dezenove endêmicas; 150 espécies de anfíbios, das quais 45 endêmicas;120 espécies de répteis, das quais 45 endêmicas; apenas no Distrito Federal, há 90 espécies de cupins, mil espécies de borboletas e 500 espécies de abelhas e vespas. Até a década de 1950, os Cerrados mantiveram-se quase inalterados. A partir da década de 1960, com a interiorização da capital e a abertura de uma nova rede rodoviária, largos ecossistemas deram lugar à pecuária e à agricultura extensiva, como a soja, arroz e ao trigo. Tais mudanças se apoiaram, sobretudo, na implantação de novas infra-estruturas viárias e energéticas, bem como na descoberta de novas vocações desses solos regionais, permitindo novas atividades agrárias rentáveis, em detrimento de uma biodiversidade até então pouco alterada.

Alcides Faria, biólogo e diretor científico da Ecoa, escreve em seu artigo “Causas da crise hídrica II”, que o Cerrado ocupa quase 25% do território brasileiro, com uma área de 20 milhões de hectares. É um espaço crítico para a produção de água no Brasil, como mostra a Rede Cerrado: o bioma “abriga oito das 12 regiões hidrográficas brasileiras e abastece seis das oito grandes bacias hidrográficas do país: Amazônica, Araguaia/Tocantins, Atlântico Norte/Nordeste, São Francisco, Atlântico Leste e Paraná/Paraguai”. A Rede Cerrado destaca também que a cobertura vegetal do Bioma é fundamental para garantir os fluxos hídricos entre as diversas regiões do Brasil. Além disso, é nele onde estão três dos principais aquíferos brasileiros: Bambuí, Urucuia e Guarani.

A contribuição hídrica do Cerrado para a vazão da bacia do Paraná chega a 50% e cerca de 50% da energia consumida no Brasil é gerada com águas do Cerrado. A retirada da vegetação nativa afeta o regime de chuvas ao provocar mudanças no clima regional.

Localização da Bacia do rio Paraná na América do Sul. Mapa desenvolvido pela Ecoa.

A Plataforma de Conhecimento do Cerrado, desenvolvida pela Universidade Federal de Goiás com apoio do Instituto Internacional de Educação do Brasil (IEB), apresenta informações importantes sobre o Cerrado e pode servir como fonte de pesquisa para interessados. A plataforma inclui números sobre o desmatamento, uso do solo, biodiversidade e socioeconomia. Dividido em três subplataformas — Socioambiental, Imagens Aéreas e Desmatamento —, o site traz ainda dados estatísticos de 1985 a 2019, tutoriais de geoprocessamento, acervo de fotos e biblioteca digital para livros e artigos científicos relacionados ao bioma.

 

Ameaças

De acordo com moção levada pela Ecoa e outras organizações ao congresso da União Internacional para a Conservação da Natureza (IUCN, a sigla em inglês), em 2021, a maior ameaça do Cerrado hoje e no futuro próximo é a criação de gado, a colheita anual (especialmente de soja, milho e algodão), biocombustíveis (cana-de-açúcar), carvão, uso do fogo e plantações com apenas uma espécie, erosão, espécies invasivas, plantações permanentes, sistemas de transporte e mudanças climáticas (locais e globais) são também relevantes. Essas atividades e processos conduziram ao desmatamento de cerca de 6.000 Km² por ano, no Brasil. Com o conhecimento atual, o bioma perdeu aproximadamente 50% de sua cobertura natural.

O jornal Folha de S. Paulo chegou a destacar que o Cerrado pode sofrer sentença de morte, devido a projeto de decreto legislativo apresentado à Câmara dos Deputados, em 2021, que busca sustar o decreto presidencial de 2017, que ampliou em quase quatro vezes a área do Parque Nacional da Chapada dos Veadeiros.

A revista National Geographic elaborou extenso diagnóstico sobre as ameaças ao Cerrado na matéria “Por que o Cerrado é o bioma mais ameaçado do Brasil”, de Adele Santelli, publicada em novembro de 2021, que pode ser lida aqui. Mesmo em meio ao diagnóstico pouco favorável, há iniciativas de conservação do bioma que devem ser destacadas, como a da geofísica Renata Libonati e das biólogas Camila Prado Motta e Gislaine Disconzi, com quem a mesma National Geographic conversou na matéria “Conheça três iniciativas lideradas por mulheres para salvar o Cerrado”, de Adele Santelli, publicada em novembro de 2021, que pode ser lida aqui.

Durante as décadas de 1970 e 1980 houve um rápido deslocamento da fronteira agrícola, com base em desmatamentos, queimadas, uso de fertilizantes químicos e agrotóxicos, que resultou em 67% de áreas do Cerrado “altamente modificadas”, com voçorocas, assoreamento e envenenamento dos ecossistemas. Resta apenas 20% de área em estado conservado. A partir da década de 1990, governos e diversos setores organizados da sociedade debatem como conservar o que restou do Cerrado, com a finalidade de buscar tecnologias embasadas no uso adequado dos recursos hídricos, na extração de produtos vegetais nativos, nos criadouros de animais silvestres, no ecoturismo e outras iniciativas que possibilitem um modelo de desenvolvimento sustentável e justo. As unidades de conservação federais no Cerrado compreendem: dez Parques Nacionais, três Estações Ecológicas e seis Áreas de Proteção Ambiental.

 

A Ecoa no Cerrado

O extrativismo sustentável, hoje difundido com sucesso em vários assentamentos, aldeias e propriedades de agricultura familiar do Cerrado, começou de uma experiência pioneira da Ecoa e o assentamento Andalucia, no município de Nioaque, em Mato Grosso do Sul. A partir de 2001, a ONG ofereceu cursos de capacitação, nos quais os moradores puderam aprender sobre cultivo, beneficiamento de espécies nativas como o baru (ou cumbaru) e oficinas de tecelagem e tapeçaria.

As oficinas resultaram na inauguração do Centro de Produção, Pesquisa e Capacitação do Cerrado (Ceppec), em dezembro de 2003, com a finalidade de capacitar, pesquisar e tornar-se um centro de referência para os trabalhadores rurais do Cerrado / Pantanal. Além de ser um elo entre os pequenos projetos e grupos rurais. Em Março de 2005, o Ceppec passou a ser reconhecido como uma organização não-governamental e desde então são realizados cursos, pesquisa e a comercialização dos produtos gerados pelo Centro.

A Ecoa também contribuiu para a articulação da Rede de Mulheres Produtoras do Cerrado e Pantanal, a Cerrapan, que foi criada em 2015, durante evento promovido pela Universidade Federal de Mato Grosso do Sul. Antes desse encontro, a Ecoa já trabalhava com as mulheres da Cerrapan, promovendo oficinas sobre organização social, associativismo, cooperativismo, aulas para produção, boas práticas de manejo de frutos, desenvolvimento e aperfeiçoamento de receitas e criação de planos de negócios.

A Ecoa também desenvolveu um mapa do uso dos recursos naturais por comunidades e grupos que formam o Corredor Extrativista Pantanal-Cerrado. Ele foi desenvolvido através da metodologia Ciência Cidadã, implantada na Ecoa pelo diretor científico Rafael Chiaravalotti. Para realizá-lo, fez-se uso de um aplicativo de celular chamado Sapelli, em que os usuários, ou seja, os próprios extrativistas, apontam os recursos utilizados e contribuem com o mapeamento.

 

No mapa, é possível acessar informações sobre 11 comunidades e grupos espalhados pelo Cerrado e Pantanal, suas cadeias produtivas, atividades econômicas como a pesca, coleta de iscas vivas e extrativismo de frutos nativos. Além disso, foram identificadas as comunidades que fazem parte da Cerrapan, visto que boa parte das cadeias produtivas são lideradas pelas associações de mulheres locais. A realização desse mapa foi possível graças ao Projeto Eccos, financiado pela União Europeia, que também viabilizou a estruturação da cadeia socioprodutiva do Baru, por exemplo, como mostra esse vídeo.

Em 2021, a Ecoa iniciou a execução do projeto “Cadeia socioprodutiva do Baru: agregando renda às famílias agroextrativistas no MS e a proteção do Cerrado“, com financiamento da Fundação Banco do Brasil, em parceria com o CEPPEC. O objetivo é estruturar a cadeia socioprodutiva do Baru em cinco municípios do Mato Grosso do Sul – Nioaque, Bonito, Sidrolândia, Anastácio e Rochedo – ampliando seu beneficiamento para 10 comunidades e 200 extrativistas, além de apoiar a logística de escoamento e comercialização do produto.

Um dos resultados do projeto foi a elaboração do curso “Despertando o Viver no Cerrado“, constituído por 10 vídeo-aulas gratuitas disponibilizadas na internet e produzidos pelos próprios extrativistas Rosana Sampaio de Souza (a Preta) e seu marido Altair de Souza, que vivem no assentamento Andalúcia, localizado em Nioaque (Mato Grosso do Sul). O curso aborda questões como o trabalho em rede, boas práticas de manejo do Baru, coleta sustentável e seleção dos frutos, armazenamento, produção e plantio de mudas nativas e outros temas pertinentes.

A Ecoa também gera conhecimento científico sobre o extrativismo no Cerrado e no Pantanal. É o caso do artigo “Mulheres em rede: conectando saberes sobre plantas alimentícias do Cerrado e do Pantanal”, escrito, entre outras autoras, pela socióloga da Ecoa, Nathalia Eberhardt Ziolkowski.