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Como os incêndios de 2020 afetaram onças-pintadas no Pantanal

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Créditos: TV Brasil

As conclusões dos pesquisadores sobre as onças no Pantanal de certa maneira corrobora levantamentos feitos pela Ecoa e informações vindas de famílias que moram ao longo nos rios do Pantanal, principalmente o rio Paraguai, sobre felinos aproximando-se das casas, inclusive invadindo algumas delas, em busca de alimentos. Mais de 90% dos cães foram devorados. Leia aqui o texto original.

Michael Esquer, O Eco

Os incêndios que devastaram o Pantanal em 2020 deixaram marcas significativas para o maior felino das Américas. Na maior área úmida do mundo, a onça-pintada (Panthera Onca) teve quase metade da população estimada afetada pelo fogo – o maior número em 16 anos. O felino ainda teve, em média, 78% de suas áreas prioritárias, selecionadas por ele como áreas de vida, atingidas pelo fogo. Essa mesma porcentagem afetou Unidades de Conservação (UCs) efetivamente utilizadas pelas onças, sobrepostas às suas áreas de vida – índice quase dez vezes maior do que a média entre 2005 e 2019. Os resultados constam em um estudo recém publicado na revista científica Communications Biology.

O Brasil abriga cerca de 50% da população de onças-pintadas ainda existentes no mundo. Aqui, ela já foi extinta no Pampa, e está quase ameaçada ou criticamente ameaçada nos outros biomas. Amazônia e Pantanal abrigam a maior parte da população do felino. No bioma pantaneiro, o animal é constantemente ameaçado pela intensificação acelerada do uso do solo. A perda de habitat, caça por retaliação pela predação de gado e o aumento de atividades agrícolas e de infraestrutura figuram como suas principais ameaças, onde agora também passa a integrar o fogo.

Leia também: Onças se aproximam de comunidades no Pantanal, devoram animais e invasão de casa é relatada

“Até recentemente, o fogo era tido como uma ameaça de baixo risco para as onças no Pantanal. No entanto, nossos resultados demonstraram a magnitude dos impactos do fogo sobre as onças”, explica o primeiro autor do estudo Alan Eduardo de Barros, doutorando em Ecologia pelo Instituto de Biociências da Universidade de São Paulo (IB-USP). Além do impacto sobre a área de vida das onças, diz Barros, a destruição do habitat, ainda que de forma temporária, pode impor diversas dificuldades ao felino, como a redução na abundância de presas, maiores gastos de energia para encontrar recursos, aumento de disputas territoriais e diminuição nas taxas de sucesso reprodutivo.

A ((o)eco, ele conta que o estudo corresponde ao terceiro capítulo da sua tese, e que inicialmente não estava previsto. A monografia, que estava focada na movimentação e uso do habitat da onça-pintada ao longo da sua área de distribuição, incorporou o assunto, justamente, diante da catástrofe que atingiu o Pantanal em 2020. A ideia inicial da produção de uma nota técnica evoluiu para a publicação do artigo completo “Wildfires disproportionately affected jaguars in the Pantanal”, assinado por ele com os seu supervisores, Paulo Inácio Prado e Ronaldo Morato, juntamente com outros pesquisadores do Brasil, Estados Unidos e Paraguai.

Para a pesquisa, foram utilizadas fontes de dados de dois estudos diferentes, publicados em 2018. O primeiro deles, intitulado Estimating large carnivore populations at global scale based on spatial predictions of density and distribution – Application to the jaguar (Panthera onca) (“Estimando grandes populações carnívoras em escala global com base em previsões espaciais de densidade e distribuição – Aplicação à onça-pintada (Panthera onca)”, em tradução livre), gerou estimativas populacionais para onça-pintada, a partir de modelagem ambiental e dados de armadilhas fotográficas. Já o segundo, intitulado “Jaguar movement database: a GPS-based movement dataset of an apex predator in the Neotropics” (“Banco de dados do movimento da onça-pintada: um conjunto de dados de movimento baseado em GPS de um predador de ápice nos Neotrópicos”, em tradução livre), apresentou dados da movimentação da onça-pintada, obtidos através de colares GPS.

Foto: Daniel L.Z. Kantek/ICMBio.

“Utilizando o programa R e o Google Earth Engine, realizamos adequações de escala e sobrepusemos as informações das onças-pintadas com as de ocorrência e intensidade do fogo”, explica o pesquisador da USP. Ou seja, o paper avalia o impacto do fogo sobre a estimativa de densidade populacional e sobre as áreas de vida das onças, a partir do cruzamento de dados entre os três estudos.

Leia também: O problema não são as onças

A partir dessa análise, constatou-se a estimativa de 1.668 onças-pintadas no Pantanal, sendo que deste número 746 foram afetadas pelo fogo em 2020 – 45% –, seja através do deslocamento forçado, ferimentos ou até mesmo a morte. Os felinos ainda tiveram 79% do número de áreas de vida estimadas afetadas pelas chamas. “O fogo afetou 38 das 48 áreas de vidas estimadas, utilizando dados de movimentação obtidos com colares GPS”, acrescenta Barros. Em relação à área queimada nessas áreas, o fogo atingiu 2.718 km quadrados (41% do total).

As áreas de vida estimadas que se sobrepunham à UCs também tiveram 78% do total atingido pelo fogo. Isto representa 1.054 km quadrados dos 1.354 km quadrados totais compreendidos em UCs, utilizadas pelas onças em suas áreas de uso. “Uma área queimada 9.2 vezes maior do que a mediana das áreas protegidas utilizadas pelas onças que foram queimadas entre 2005 e 2019”, aponta ele.

Medidas mitigadoras 

Nesse cenário, o pesquisador explica que, considerando a expectativa futura de aumento da seca e das temperaturas no bioma, assim como a expansão das áreas de uso agrícola, é grande a chance de que a ocorrência do fogo, ainda com mais intensidade, se torne maior. “Esforços para evitar que o fogo se espalhe de maneira descontrolada são de crítica importância para conservação da onça-pintada e demais espécies pantaneiras”, aponta.

Entre os caminhos possíveis para mitigar esses impactos, estão, por exemplo, ações globais e regionais, que, segundo ele, demandam maior engajamento do governo e sociedade, além do combate direto ao fogo. Neste último, estão medidas parcialmente implementadas, e que demandam continuidade ou expansão.

“A ocorrência de fogos descontrolados vem de uma combinação perversa de eventos locais, regionais e globais. Enquanto o efeito local pode ser endereçado, ao reduzir e combater os focos, os efeitos regionais vêm da redução de aporte de água, tanto das chuvas como do volume de água das nascentes que tem se reduzido”, diz o cientista.

Enquanto as mudanças climáticas globais combinadas com atividades antrópicas regionais e locais seguem sugerindo o aumento da recorrência e extensão de incêndios florestais, o pesquisador comenta que a negligência de gestores a essa realidade pode custar caro, conforme demonstra nos resultados do estudo. “Precisamos de um esforço genuíno para estabelecer objetivos positivos e gradualmente incrementá-los. As mudanças podem ser lentas e graduais, mas precisam ser constantes, resilientes e duradouras”, finaliza.

Imagem: ICMBio.

Combate direto ao fogo 

Confira abaixo as ações citadas pelo autor do estudo, que, preliminarmente, apontam efeitos positivos contra as chamas — para Barros, é difícil mensurar com precisão a magnitude dos resultados dessas medidas porque a biomassa disponível para queima no Pantanal foi reduzida em 2021, e 2022 tem sido um ano mais úmido.

  • Monitoramento contínuo para detecção preventiva do risco e de eventos de fogo (através da informação de sensoriamento remoto chegando aos brigadistas in situ);
  • Estabelecimento de brigadas de incêndio em locais estratégicos (em operação contínua);
  • Programas de educação da comunidade local com foco no manejo correto do fogo;
  • Fiscalização efetiva das políticas (para restrição e uso correto) do fogo;
  • Implementação de um centro de recuperação da vida selvagem acometida por danos do fogo.

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