Por Nicola Pamplona, Folha de São Paulo.
21 de abril de 2021
Especialista em infraestrutura, o economista Cláudio Frischtak afirma que o projeto do governo para a construção de uma ferrovia na Amazônia assume uma série de riscos que podem custar bilhões aos cofres públicos.
Frischtak analisou as premissas apresentadas ao TCU (Tribunal de Contas da União) para a Carta da Infraestrutura, da consultoria Inter.B. O projeto, chamado Ferrogrão, liga o Mato Grosso ao Pará, com o objetivo de escoar a safra de grãos do Centro-Oeste por portos da região Norte.
Com 933 quilômetros de expansão, a ferrovia vai custar R$ 21,5 bilhões, pelas contas do governo. Desse total, R$ 8,4 bilhões seriam gastos para colocar a linha férrea em operação, o que está previsto para ocorrer em 2030.
Como contrapartida ao elevado investimento, o governo assume parte dos riscos do projeto. Durante as obras, o Tesouro Nacional cobriria custos adicionais com reassentamentos e desapropriações ou caso o valor das condicionantes ambientais supere o estabelecido em contrato.
A previsão é que as obras durem sete anos. Depois disso, o governo ajudaria a pagar os custos operacionais e os juros de dívidas em caso de queda na demanda por quebra de safra e, caso ramal da ferrovia Rumo chegue aos produtores antes de 2045, o Tesouro “assume os impactos resultantes”.
Para Frischtak, as concessões ampliam as incertezas de um empreendimento que já enfrenta conflitos sócio-ambientais e apresenta falhas no projeto de engenharia, como a passagem do traçado por uma área alagável às margens do rio Jamanxim.
Para ele, em um “cenário realista”, a necessidade de aporte de dinheiro público pode chegar a R$ 20 bilhões. A conta foi feita com base em informações prestadas pela Vale sobre a construção de uma ferrovia que vai ligar o Mato Grosso à Ferrovia Norte-Sul, também viabilizada pelo transporte de grãos.
A Vale prevê gastar R$ 8,7 bilhões para construir 383 quilômetros, o que dá R$ 22,72 milhões por quilômetro. Inserindo um acréscimo de 20% para riscos de um projeto na Amazônia, Frischtak diz que a conclusão da Ferrogrão custaria R$ 29 bilhões.
“Há um grande número de projetos de infraestrutura logística viáveis e que melhoram materialmente as condições de transporte do agronegócio no Centro-Oeste. A Ferrogrão está distante de ser um deles”, afirma em sua Carta de Infraestrutura.
O Ministério da Infraestrutura diz que o projeto já vem sendo estudado há anos e que a ferrovia ainda não tem projeto executivo, que vai detalhar os valores finais. Mas afirma que a Ferrogrão é uma concessão, não uma PPP (Parceria Público-Privada) e, por isso, não há previsão de aportes do governo.
“Não existe nenhuma previsão legal ou ferramenta contratual para que a União faça qualquer aporte de recursos caso haja um aumento no custo de construção da ferrovia”, defende o ministério. Sobre a cobertura de queda de demanda, diz que o instrumento já é usado em concessões de aeroportos.
Para os riscos assumidos pelo Tesouro, o governo separou R$ 2,2 bilhões recebidos pela renovação da Estrada de Ferro Vitória-Minas, operada pela Vale. Mas considera, em nota técnica do Ministério da Infraestrutura, a possibilidade de dispor de recursos de outras prorrogações de contratos “e também de novas concessões”.
O projeto enfrenta questionamentos do Ministério Público Federal pela falta de audiências com comunidades indígenas afetadas e sofreu um revés no STF (Supremo Tribunal Federal) com liminar que suspende a lei que alterou limites da Floresta Nacional (Flona) do Jamanxim para a passagem da ferrovia.
O governo defende que o projeto vai usar a faixa de domínio da BR-163 e, por isso demanda pouca supressão vegetal, mas Frischtak diz que o traçado por meio da floresta gera outros desafios ambientais e logísticos.
A terraplanagem, diz o economista, demandaria a deposição de 10,9 milhões de metros cúbicos de aterro.
“Pensa o que é um milhão de viagens [de caminhão], isso só no parque [na Flona]. Onde tem bota-fora? Vai despejar isso no parque?”, diz.
Além disso, o traçado passaria por uma área alagável na margem do rio Jamanxim. Segundo ele, dependendo da cheia, os trilhos podem ficar submersos por até cinco meses.
O Ministério de Infraestrutura diz que não faz sentido usar terraplanagem como referência de desafio logístico para um trabalho de terraplanagem em área alagada em um projeto de R$ 14 bilhões. “Sem dúvidas podem surgir desafios logísticos durante a construção do projeto executivo, mas isso está dentro do risco de engenharia calculado no momento da concessão”, afirma a pasta.
O governo defende ainda que a solução é mais viável do ponto de vista ambiental do que a logística usada hoje, por caminhões, e economizaria a emissão de 1 milhão de toneladas de gás carbônico por ano.
“Não iríamos à frente com o projeto se não acreditássemos realmente na viabilidade técnica, econômica e ambiental”, disse à Folha na semana passada a secretária de Fomento, Planejamento e Parcerias do Ministério da Infraestrutura, Natália Marcassa.
“Temos um longo histórico de má alocação de recursos, particularmente em obras de infraestrutura física e social”, diz a Carta de Infraestrutura de Frischtak. “E não é incomum que os custos sejam magnificados por execução mal planejada e falhas técnicas que levam a enormes desperdícios.”