O maciço do Urucum é uma das formações rochosas mais antigas do mundo e nele crescem seres vitais. Confira!
- No maciço do Urucum, Corumbá-MS, existem bancadas lateríticas que geram paisagens únicas dentro da Paisagem Modelo Pantanal
- Nas bancadas lateríticas nascem espécies que estão ameaçadas de extinção, como a bromélia Deuterocohnia meziana e o cacto Discocactus ferricola
- A Paisagem Modelo Pantanal, uma plataforma social que busca integrar múltiplos grupos para assim promover o manejo sustentável de uma região, é uma alternativa para garantir a conservação dessas espécies ameaçadas
O Pantanal é um mosaico. De um lado é possível observar morrarias e seu solo rochoso. Do outro, vê-se a água fluindo e seguindo seu caminho pelas curvas pantaneiras. É no encontro de águas e paisagens diversas que surge a complexibilidade da vida na maior planície alagável do mundo.
A Paisagem Modelo Pantanal está localizada em um território que exemplifica a diversidade pantaneira. Com mais de 76 mil hectares, agrega ecossistemas diversos, busca promover a conservação dos seres vivos que compõem suas paisagens, assim como o manejo sustentável da terra pelos diversos grupos quem compõe uma região.
Uma das regiões englobadas pela Paisagem Modelo é o Maciço do Urucum, localizado em Corumbá-MS. Formado por um complexo de morros, é uma das formações rochosas mais antigas do mundo, sendo que análises indicam que as pedras hoje expostas no Maciço permaneceram praticamente intactas pelos últimos 70 milhões de anos.
Ver essa foto no Instagram
Na região, a variação de altitude permite que a diversidade prospere. A região é considerada prioritária para a conservação ao se levar em conta a biodiversidade local e o alto risco de degradação.
Entre as paisagens encontradas no Maciço do Urucum, estão as bancadas lateríticas, presentes na base dos morros. Estes locais são formações rochosas marcadas pela aridez, altas quantidades de ferro, pouco solo e baixa quantidade de água. Ali, desenvolvem-se espécies singulares que fazem parte da riqueza pantaneira e exigem medidas para sua conservação.
Em meio à aridez, surge a vida
Luciana Vicente é doutora em Ecologia e Conservação e estuda duas espécies que compõe a vegetação peculiar encontrada na bancada laterítica do Maciço do Urucum: a bromélia Deuterocohnia meziana e o cacto Discocactus ferricola.
É no solo rochoso e exposto ao sol que a Deuterocohnia meziana e o Discocactus ferricola encontram seu lar. Luciana explica que “apesar de parecer condições ruins, foi para viver nesse tipo de ambiente que essas espécies se adaptaram e prosperaram”.
A Deuterocohnia meziana é uma bromélia com folhas espinhosas que podem chegar a um metro de altura. Devido à alta especificidade dessa espécie, sua distribuição é restrita a regiões ricas em calcário e granito, disponibilidade relativamente rara na natureza.
Já o Discocactus ferricola é um pequeno cacto redondo e levemente achatado, com cerca de 10 cm de altura e entre 20 e 25cm de diâmetro. Suas flores são brancas e se abrem durante a noite, sendo polinizadas principalmente por mariposas. O pequeno cacto é endêmico das bancadas lateríticas do Maciço do Urucum e do Morro do Mutum, na fronteira com a Bolívia.
Ambas as espécies possuem grande importância para o ecossistema onde estão inseridas.
A Deuterocohnia meziana, por exemplo, é extremamente atrativa para diversas espécies de abelhas nativas, borboletas e beija-flores. Além disso, é considerada uma espécie facilitadora pois propicia o acúmulo de matéria orgânica e permite que o espaço seja colonizado por outras espécies vegetais e animais, servindo em especial como refúgios para repteis, aves e roedores, por seu denso emaranhado de folhas espinhosas.
Já o Discocactus ferricola apresenta interior suculento e por isso é consumido por animais como porcos selvagens e pequenos roedores. As flores noturnas, brancas, tubulares e perfumadas de D. ferricola são dedicadas à polinização exclusiva das mariposas.
Apesar da importância ecológica da D. meziana e do D. ferrícula ambos estão ameaçados. A Deuterocohnia meziana está na lista oficial das espécies da flora brasileira ameaçadas de extinção, com status de vulnerável. Um dos riscos à sua existência é justamente a distribuição restrita.
Luciana da Silva explica que, por habitar regiões rochosas, sua população é fragmentada e a degradação de um desses espaços significa a perda de muitos indivíduos. A diminuição populacional também afeta a diversidade genética, o que garante a sobrevivência e adaptação das espécies em longo prazo.
“A maioria das populações conhecidas de D. meziana estão localizadas fora de áreas protegidas, sendo particularmente expostos aos impactos negativos de queimadas, da criação de gado e a remoção de indivíduos de seus habitats naturais, principalmente nas bancadas lateríticas que estão localizadas em áreas baixas dentro das fazendas” explica Luciana.
O cacto D. ferrícola também está ameaçado de extinção e uma das causas é sua distribuição restrita. Além disso, a mineração, ocupação humana, queimadas e extração de espécimes são fatores que ameaçam a espécie.
A doutora em Ecologia e Conservação explica que “a área total de ocorrência de D. ferricola é de aproximadamente 20 km² distribuídos em poucas bancadas lateríticas. Esses habitats estão ameaçados pela mineração e urbanização, o que levou a um declínio populacional de 30% nos últimos 30 anos”.
Uma fortificação de anos e prioritária para a conservação
O maciço do Urucum é um complexo no município de Corumbá e Ladário, no Mato Grosso do Sul, que engloba morros como Urucum, morrarias de Santa Cruz, Rabicho, São Domingos, Tromba dos Macacos, Jacadigo e Zanetti. O maciço é rico em minério, destacando-se o ferro e manganês.
“O Maciço do urucum é reconhecido como a formação rochosa mais antiga do mundo, com rochas expostas intactas com aproximadamente 70 milhões de anos. Nessa formação, está contido o ponto mais alto de Mato Grosso do Sul com cerca de 1000m de altitude”, comenta Luciana.
O Local apresenta influência de biomas vizinhos como Chaco, Cerrado e Amazônia e isso se manifesta nas variedades de fitofisionomias do maciço e na diversidade de ambientes, fauna e flora. É possível observar floresta estacional semidecídua, floresta estacional decidual, cerrado, matas de galeria e campos de altitude, além de pequenas ilhas de vegetação xerofítica nas bancadas lateríticas.
“Considerando a grande biodiversidade local e o alto risco de degradação, o maciço do Urucum tem sido sugerido como uma área prioritária para conservação”, afirma Luciana.
A pesquisadora reforça que medidas efetivas para a conservação da Deuterocohnia meziana e do Discocactus ferricola são urgentes devido ao declínio no número desses seres na natureza.
“As ações de conservação [dessas espécies] devem priorizar a manutenção das interações com os polinizadores, preservando a flora e fauna de afloramentos rochosos e florestas adjacentes. Para isso existe a necessidade de revitalização e implantação de reservas, parques e corredores ecológicos na região”, reforça a pesquisadora.
Leia também: Paisagem Modelo Pantanal- região estratégica para conservação
Paisagem Modelo Pantanal
A Paisagem Modelo Pantanal surge como um caminho para se trabalhar a conservação de seres como a Deuterocohnia meziana e Discocactus ferricola.
Com o fortalecimento dos grupos envolvidos em uma região determinada, a Paisagem Modelo é uma alternativa para o manejo sustentável da natureza pelos múltiplos grupos que coexistem com esta. A Paisagem Modelo Pantanal engloba grupos como ribeirinhos, assentados, fazendeiros, empresas privadas e comunidades extrativistas.
Dentro da Paisagem Modelo Pantanal está em andamento o projeto Restauracción, que possui o intuito de consolidar a primeira Paisagem Modelo do Pantanal, fortalecer seu sistema de governança e intensificar as atividades de restauração na Área de Preservação Ambiental Baía Negra, em Ladário (MS), que acontecem no âmbito do projeto ‘Restauração estratégica e participativa no Pantanal’.
A iniciativa é executada pela Ecoa com apoio do Serviço Florestal Canadense e suas ações acontecem ao longo do primeiro semestre de 2023. As atividades do projeto também são realizadas com a participação de pesquisadores e pesquisadoras da Universidade Federal de Mato Grosso do Sul, Instituto de Pesquisas Ecológicas (IPÊ), Smithsonian Conservation Biology Institute e Imperial College London.
Texto originalmente publicado em 16 de fevereiro de 2023.