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BNDES analisa dívidas de usinas para evitar prejuízo

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Edificio sede do BNDES, no Rio de Janeiro . Brasilia, 02-08-2019Foto: Sérgio Lima/PODER 360

Texto originalmente publicado em: 09/07/09

Com todo o cuidado para não sucumbir ao lobby da bancada ruralista do Congresso, o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) tem analisado com lupa o histórico de crédito do setor sucroalcooleiro do país. Preocupado com a situação dos usineiros – alçados pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva à condição de heróis –, o governo deverá socorrê-los por meio da instituição. A ordem do presidente do banco, Luciano Coutinho, é ajudar, sim, mas sem favorecer A ou B. Ainda em fase preliminar, o levantamento deverá resultar na renegociação das dívidas ou no lançamento de uma nova linha de crédito setorial, que confira fôlego financeiro às usinas para a travessia da crise.

Qualquer que seja a solução, no entanto, deverá evitar possíveis calotes capazes de comprometer o resultado da instituição em meio à mais grave crise financeira mundial desde a Grande Depressão dos anos 30. Em meio à crise, o setor sucroalcooleiro sofre com a combinação de baixos preços do etanol no mercado brasileiro e escassez de crédito privado. Em total sigilo, para não estimular acusações de favorecimento com dinheiro do trabalhador nem fazer crescer a fila de desesperados na porta da instituição, técnicos do banco têm gastado boas horas, nos últimos meses, com a análise do histórico bancário de cada usina.

Da análise também tem participado os agentes financeiros privados responsáveis pelo repasse dos empréstimos do banco estatal. Pelas regras do BNDES, financiamentos abaixo de R$ 10 milhões só podem ser liberados por intermédio dos chamados agentes repassadores. Sobre essas instituições tem recaído boa parte das pragas dos usineiros, insatisfeitos com o represamento de R$ 2,5 bilhões em empréstimos recentes do BNDES para capital de giro e financiamento de estoques das usinas.

Diretor técnico da União da Indústria da Cana-de-Açúcar (Unica), Antônio de Pádua Rodrigues afirma que, apesar do anúncio das novas linhas, respectivamente em dezembro e abril, a liberação do dinheiro pelos bancos privados tem ocorrido de forma morosa, devido a exigências consideradas excessivas pelo setor. Como reflexo da crise mundial, os bancos já não aceitam mais garantias em ativos fixos, como as próprias usinas e equipamentos, como contrapartida. Só garantias mercantis, como contratos de exportação, ou seguro-fiança bancária são bem-vindos.

– O problema é que o setor negocia a maior parte de sua produção no mercado spot (de curto prazo); praticamente não existem contratos de longo prazo – questiona o diretor técnico da Unica. – Ao mesmo tempo, a fiança bancária agrega um custo ao produtor, geralmente de 3% ao ano. Para quem se encontra em situação difícil, fica complicado recorrer a esse tipo de garantia.

Sinalização do governo

O representante da Unica diz desconhecer qualquer iniciativa do banco para socorrer os usineiros. O executivo diz que, ao contrário de outros setores ajudados com pacotes nos últimos meses, os usineiros não querem um programa de socorro, mas preços sustentáveis para assegurar a viabilidade comercial do negócio.

Bem-vindo ou não, o socorro ao setor sucroalcooleiro já ocorreu no mês passado, ainda que de forma velada. Ao promover o reajuste da alíquota da Contribuição de Intervenção no Domínio Econômico (Cide) – o imposto da gasolina – paralelamente à queda do preço do combustível na refinaria, o governo atendeu, na prática, a uma reivindicação dos usineiros. Se não limitasse a queda do preço da gasolina às refinarias, o Ministério de Minas e Energia praticamente provocaria a quebra de boa parte das usinas. Se o combustível fóssil ficasse mais barato, a frota brasileira, boa parte composta por carros flex, descartaria o álcool hidratado (etanol).

Defensável do ponto de vista ambiental, uma vez que o etanol produz menos CO2 que os combustíveis fósseis, a medida ganhou respaldo oficial, quando o diretor financeiro da Petrobras, Almir Barbassa, afirmou que a gasolina tornou-se “combustível alternativo” do país.

Ruralistas querem crédito do BNDES para canavieiros

Para desconforto do BNDES, o pleito por mais recursos não se limita só aos usineiros. Com respaldo da bancada ruralista do Congresso Nacional, plantadores de cana-de-açúcar também querem dinheiro para financiar a próxima safra. A medida contraria a prática do banco, que não prevê crédito para o setor agrícola, tradicionalmente financiado pelo Banco do Brasil. Em pelo menos uma ocasião, executivos do banco oficial foram procurados por deputados ligados aos produtores rurais: na semana passada, em Brasília. Executivos do setor revelaram que a demanda partiu de produtores da região Nordeste, e não do Centro-Sul do país.

Moratória branca

A disposição do banco oficial, ainda que a muito custo, é ajudar somente os usineiros. Embora a boa vontade se deva ao caráter prioritário do setor para o governo, o BNDES também está preocupado com o impacto que uma onda de falências no setor teria para o próprio banco. Embora a instituição não revele o valor total do estoque de crédito já financiado para as usinas, a Confederação Nacional da Agricultura (CNA) confirma que, das 283 usinas localizadas em sete dos principais estados produtores do país, 63 encontram-se inadimplentes com o Fisco ou em fase de renegociação de dívidas.

Como mesmo admitiram recentemente representantes dos usineiros, as usinas decretaram uma espécie de moratória branca no pagamento de impostos, para financiar a operação deficitária em tempos de baixos preços do etanol. O próprio Pádua, da Unica, admite que essa tem sido a maneira de manter muitas das usinas em operação.

Consultor do Centro Brasileiro de Infraestrutura (CBIE), Adriano Pires adverte que a situação tem se revelado mais crítica para as usinas voltadas exclusivamente para a produção de etanol. As unidades capazes de também produzir açúcar têm conseguido minimizar o prejuízo com uma ligeira recuperação dos preços do produto, nos últimos meses. Por não dispor dessa opção, usinas como a Brenco, fundada por Henri Philippe Reichstul, ex-presidente da Petrobras – que tem como acionistas o ex-presidente do Banco Mundial James Wolfensohn; o fundador da Sun Microsystems, Vinod Khosla; e o próprio BNDES – têm sido obrigadas a vender a produção a qualquer preço. Tal fato, de acordo com especialistas, acaba por agravar a situação do setor.

– A crise provocada pelos preços deve consolidar, no setor, a tendência de aquisições, fusões e até fechamento de usinas – projeta Pires. – O capital estrangeiro deve se fazer cada vez mais presente.

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