Hidrovia Paraná-Paraguai

Está em andamento um novo processo para viabilizar o megaprojeto da hidrovia Paraná Paraguai (HPP) no Pantanal e em todo o Sistema Paraná-Paraguai de Áreas Úmidas. Os indicativos são de que as intervenções físicas serão ainda maiores do que as previstas no megaprojeto original, da década de 80. O novo plano geral ainda não foi divulgado, pois está em preparação pela Universidade Federal do Paraná (UFPR) através de um EVTA (Estudo de Viabilidade Técnica, Econômica e Ambiental), mas as obras irão além do rio Paraguai, alcançando outros afluentes como o Miranda, o rio Taquari e o Cuiabá. Anteriormente essa mesma universidade fez um grande projeto de dragagem para um canal na região denominada Passo do Jacaré, no Pantanal.

Outro indicativo de que o projeto avança é o fato de que a Hidrovias Brasil SA (HBSA), através de uma subsidiária constituída no Uruguai (Hidrovias del Sur SA), firmou contrato de 25 anos com a Vale Internacional SA para a compra, operação e manutenção de empurradores e frota de barcaças para transportar até 3,25 milhões de toneladas por ano de minério de ferro de Corumbá, no Pantanal brasileiro, para portos na Argentina e no Uruguai. Neste arranjo estão envolvidos o Banco Mundial e o Banco Interamericano de Desenvolvimento.

A proposta original

O megaprojeto da hidrovia foi concebido por Argentina, Bolívia, Paraguai, Uruguai e Brasil (os cinco países da bacia do rio da Prata) com o objetivo de transformar os rios Paraguai e Paraná em um canal industrial de navegação, permitindo a circulação de grandes comboios durante todo o ano e nas 24 horas do dia. Estavam previstas pesadas intervenções de engenharia tais como derrocamento, dragagem e canalização estrutural em centenas de trechos ao longo de todo o sistema formado pelos 3.400 km dos dois rios -, desde Cáceres, no Mato Grosso, Brasil, até Nueva Palmira, no Uruguai. O tramo norte, onde está o Pantanal, seria o mais impactado com drenagem de extensas regiões, perda de biodiversidade e alteração na dinâmica ecológica de todo o sistema. Vários estudos científicos publicados na década de 90 demonstraram esses e outros problemas.

O atual processo de rearticulação

a) No campo governamental:

– Em 2010 a Secretaria de Gestão dos Programas de Transportes, do Ministério dos Transportes, divulgou que o governo federal investiria 126 milhões de reais na Hidrovia Paraná Paraguai (HPP). Destes, 82 milhões seriam para a infraestrutura do leito do rio Paraguai e 44 milhões para a infraestrutura portuária. O projeto foi também incluído no Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) do governo Lula.

– Em 2012 foi concluído um estudo para dragagem de um trecho de 4,2 km do rio Paraguai, em uma região denominada Passo do Jacaré, à jusante da cidade de Corumbá (MS). A largura será de 106 metros e a profundidade mínima de 3,5 metros no período seco. Serão retirados 268 mil m³ de areia e trabalho terá uma validade de cinco anos. O Instituto Tecnológico de Transportes e Infraestrutura (ITTI), da Universidade Federal do Paraná (UFPR) fez os estudos e o projeto.

– Em outubro de 2013 foi lançado pelo governo Dilma o Plano Hidroviário Estratégico (PHE), com a previsão de ampliar o transporte por hidrovias dos “atuais 25 milhões de toneladas anuais para 120 milhões até 2031.” Os investimentos estimados seriam da ordem de R$ 17 bilhões até 2024. A Hidrovia Paraná Paraguai está incluída.

– O Ministério dos Transportes, tendo como “data de referência” 31 de dezembro de 2013, informa que o investimento a ser realizado no “CORREDOR DO RIO PARAGUAI – DRAGAGEM E SINALIZAÇÃO – PNMH – MS/MT” não seria divulgado “em razão da possibilidade de uso do Regime Diferenciado de Contratação – RDC.” O RDC – Lei 12.462, de 04/08/2011 – ao ser concebido teve como objetivo garantir a “eficiência” nas licitações e contratos administrativos destinados a viabilizar a Copa do Mundo de 2014, a Olimpíada 2016 e outros eventos esportivos. Posteriormente foi ampliado para as obras do PAC e, assim, foi encontrada uma brecha para viabilizar as obras da HPP.

– No dia 23 de maio de 2014 o Instituto Tecnológico de Transportes e Infraestrutura (ITTI), da Universidade Federal do Paraná, anunciou que iniciaria os trabalhos para realizar o EVTEA (Estudo de Viabilidade Técnica, Econômica e Ambiental) no Pantanal. O Ministério dos Transportes divulgou que este estudo incluiria “toda a bacia hidrográfica do Rio Paraguai como o Rio Cuiabá, o Rio São Lourenço, o Rio Taquari, o Rio Miranda e, ao mesmo tempo, não só olhando a questão da navegabilidade, mas também a questão da infraestrutura portuária (…)”. O prazo para conclusão estabelecido foi de um ano.

– O Instituto informa que tratará preparar o plano da hidrovia com o objetivo de proporcionar uma hidrovia capaz de transportar “cargas que serão identificadas segundo as projeções de demanda, para um cenário de 30 anos”.

– Locais dos estudos do ITTI no Pantanal:

• Rio Paraguai: entre Cáceres e a confluência com o rio Apa – 1.272 km;

• Rio Taquari: entre a foz e a cidade de Coxim – aproximadamente 430 km;

• Rio São Lourenço: da confluência com o rio Cuiabá até as proximidades de Rondonópolis – 195 km;

• Rio Miranda: da Foz até Miranda – 200 km.

– Para o Ministério dos Transportes o EVTEA compreende “o conjunto de estudos necessários à verificação da existência de viabilidade técnica, econômica e ambiental para a execução de uma determinada obra de infraestrutura de transportes, ou conjunto delas…”.

A Hidrovia destruirá regiões como essa.

b) No campo privado:

– Em 2012 a Hidrovias Brasil SA (HBSA), através de uma subsidiária constituída no Uruguai (Hidrovias del Sur SA), firmou contrato de 25 anos com a Vale Internacional SA para a compra, operação e manutenção de empurradores e frota de barcaças para transportar até 3,25 milhões de toneladas por ano de minério de ferro de Corumbá, no Pantanal brasileiro, para portos na Argentina e no Uruguai.

– Notícias de janeiro de 2015 dão conta de que a HBSA, originalmente criada pelo fundo de investimentos P2 Brasil (Pátria e Grupo Promon), Temasek e Alberta Investment Management Company (Aimco), anunciou uma nova capitalização com a participação da Blackstone Tactical Opportunities (11,3%); do BNDESPar (4,5%); International Finance Corporation (IFC), braço financeiro do Banco Mundial (3,4%). A HBSA ainda ficou sob controle da P2, com 54,7%, mas a Temasek e a Aimco reduziram sua participação para 16,7% e 9,32%, respectivamente.

– O modelo do contrato entre a subsidiária da HBSA no Uruguai e a Vale Internacional é o take-or-pay (obrigação de aquisição). A subsidiária instalou equipes em Assunção, no Paraguai, e outras localidades ao longo da HPP. O propósito é constituir e operar comboios de 285 metros de comprimento por 60 de largura, a serem construídos em diferentes países.

– O total do projeto é de US$400 milhões, “estruturados pela HBSA”. Nesta “estruturação” participa, dentre outros, o Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID) com US$100 milhões.

– Em documentos preparatórios para o empréstimo o BID conclui que o Projeto financiado para a HBSA não resultará em qualquer infraestrutura significativa e não fará alterações no sistema de drenagem natural dos rios Paraguai e Paraná, mas um deles, o denominado “Environmental and Social Strategy” apresenta um cenário de que, sim, existe risco para a “reputação” do Banco caso ocorra manejo inadequado dos aspectos ambientais e sociais pela Vale S.A. e que o Projeto pode contribuir para justificar intervenções nos rios, o que conduziria a impactos ambientais.

Impactos

– Os danos com a construção da Hidrovia Paraná Paraguai ocorrerão em todo o Sistema Paraná-Paraguai de Áreas Úmidas, sendo que os maiores impactos ocorrerão nos quase 200 mil km2 do Pantanal, distribuídos por Paraguai, Bolívia e Brasil.

– A alteração na dinâmica das águas e dos processos anuais de cheias e secas trará problemas econômicos e sociais, principalmente para as populações mais vulneráveis que sobrevivem da pesca e do turismo de pesca.

– Na região do rio Paraguai denominada Passo do Jacaré – onde a UFPR fez o projeto da “eterna” dragagem de 4,2 km – tem “validade” de apenas 5 anos -, a comunidade de Porto Esperança vive sob ameaças e resistindo graças ao apoio do Ministério Público Federal e da Secretaria do Patrimônio da União.

– Entre a Reserva Ecológica Taiamã e o Parque Nacional do Pantanal – uma das áreas mais selvagens –, no Pantanal, é provavelmente a região onde os danos serão maiores devido ás suas características particulares. O projeto original previa a retilinização e dragagem do rio Paraguai, destruindo ecossistemas e rompendo com a dinâmica regional das águas, fundamental para a sobrevivência de todo o sistema.

– Graças a decisões judiciais a centenária comunidade de Porto Esperança, nas margens do rio Paraguai, no município de Corumbá, conseguiu garantir direitos de permanecer em seu território tradicional após agressões e ameaças, inclusive por parte da polícia. O que foi alardeado pelo fazendeiro vizinho e promotor das agressões é que ali seria desenvolvido um grande projeto. A suspeita é de que trata-se da expansão de um porto de embarque de minério da Vale SA.

Faça o download do documento “Hidrovia Paraná Paraguai: O Megaprojeto Rearticulado“, elaborado pelo Diretor Institucional da Ecoa, Alcides Faria.

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