/

As abelhas, os comissionados tóxicos e a ética da sustentabilidade

8 minutos de leitura

Por Jorge Daneri (*), Era Verde. Tradução livre.

As abelhas observam os novos presidentes eleitos das comissões de Agricultura e outros assuntos das Câmaras do Congresso Nacional. E convocam assembleias em todas as florestas ainda em pé. Estão considerando escolher uma delegação para conversar com a onça-pintada sábia, que apareceu há algum tempo na selva Misionera. O grande felino dos densos matagais, negados pelos desmatadores tão bem representados e não poucos juízes que devem zelar por preservá-los. Então as abelhas decidem concretizar o encontro. No salto encantado de suas águas, onde os macacos-caiarara dourados e pretos servirão como facilitadores para tecer a conversa.

“Esses seres continuarão sendo responsáveis não menores pela degradação, desolação e devastação de nossos cantos de vida e seus milagres?”, pergunta a abelha delegada.

A onça-pintada responde: “Querida abelha, você não percebe, não compreende que eles veem o mundo a partir de Davos, montados na mesma narrativa dos anos noventa que percorre como águas envenenadas pelo Grande Chaco Walambá? São os mesmos que arrasam nossas terras de matas e selvas, de culturas milenares, com as corporações da soja e de outras simplificações químicas.”

OS NÃO REPRESENTANTES

A presidência da comissão de Agricultura do Senado nacional ficou nas mãos de Alfredo De Ángeli, originalmente da Federação Agrária Argentina. Mas não do “Grito de Alcorta”, mas da cumplicidade com as corporações do agronegócio de mega exportação, extrativismo predatório e voraz.

Atilio Benedetti na mesma comissão, mas na Câmara dos Deputados. Radical? Não daqueles que lideravam a causa dos despossuídos, a causa contra o “Regime” e a Reforma Universitária, para plantar aqui três sentipensares daquela ideologia de “reformas extremas em sentido democrático”, hoje tão esvaziada e funcional a qualquer outra coisa, exceto honrosas exceções.

Esses dois legisladores representam o povo de Entre Rios. Eles o fazem em um contexto em que na província se debate um projeto de Lei de Agroquímicos que acaba sendo mais do mesmo, o projeto da casta dirigente dos agrotóxicos, venenos de terras, águas e seres humanos e não humanos. De Transição para a Agroecologia, nem um pio.

São os mesmos representantes onde no circo de interesses giratórios, vem sendo esvaziada a passos largos a educação pública, a autonomia universitária, os direitos inclusivos, o INCAA, Télam e agora Pro Huerta, tão necessários para essa continuidade de recuperar os saberes de cultivar a terra e que, com acertos e erros, também contribui com dignidade e compromisso. Não se importam; simplificam e englobam demissões e expulsões em pacotes, em contêiner, envolvidos nessa transversalidade maldita entre região de sacrifício e expulsões onde somos condenados pela chamada Republiqueta da Soja da Syngenta, à desertificação dos territórios e das mentes. E levantam a mão, mão muda de solidez alguma, para acompanhar necessidades e urgências, nas antípodas das raízes ideológicas de suas “não representações”.

NO MONTE

As abelhas finalmente decidiram com a onça-pintada formar a coordenação assemblear do Chaco Walambá, com um Ministério dos Seres Não Humanos e Humanos. Não aceitam isso de Capital. O Ministério da Economia será denominado de Soberania Alimentar e Cura dos Reinos da Vida. Serão reconformados os de Memória Milenar das Diversidades Culturais e a Recente; o dos Direitos Humanos e o da Pachamama e da Natureza.

Em suas colmeias continuarão criando e semeando as sementes das diversidades do amor da e para a terra, com a sabedoria ignorada como ofendida por esses modos de fazer política agrária retrógrada e para poucos, muito poucos.

A VIDA

Devemos nos convocar a construir uma política da vida e para a vida e uma potência afetiva de agir diante da devastação e da guerra que nossa espécie declarou ao mundo, nos convocam Omar Giraldo e Ingrid Toro, rumo a uma ética do saber habitar.

E o Manifesto pela Vida, precisamente nos ensina que “a ética para a sustentabilidade vai além do propósito de atribuir à natureza um valor intrínseco universal, econômico ou instrumental. Os bens ambientais são valorizados pela cultura através de cosmovisões, sentimentos e crenças que são resultado de práticas milenares de transformação e coevolução com a natureza. O reconhecimento dos limites da intervenção cultural na natureza significa também aceitar os limites da tecnologia que chegou a suplantar os valores humanos pela eficiência de sua razão utilitarista. A bioética deve moderar a intervenção tecnológica na ordem biológica. A técnica deve ser governada por um sentido ético de sua potência transformadora da vida”.

E como as lutas amorosas pelas vidas também são uma celebração das existências e desses outros mundos possíveis, as crianças e os meninos de nossas escolas rurais pulverizadas, como suas professoras e professores, contemplam com convicção e esperança, abraçados aos tempos da natureza, sustentando-se na dignidade de seus saberes, afetos e sonhos, essa sentença luminosa que certamente a Corte Interamericana de Direitos Humanos saberá proferir em benefício dos mais vulneráveis e das futuras gerações de famílias agroecológicas, bem em escala humana, rumo à cura dos territórios, percorrendo a cura e celebração de suas diversidades. É de extrema transcendência e relevância esse grito da terra e de seus seres pequenos e adolescentes, seus docentes, para não gritarmos a todos os ventos: ¡Basta!.

(*) Advogado ambientalista, membro da Unidad de Vinculación Ecologista (UVE) da Fundação La Hendija e da Associação Argentina de Advogados e Advogadas Ambientalistas (AAyAA).

Deixe uma resposta

Your email address will not be published.

Mais recente de Blog