Reflorestamento na região do Xingu Araguaia serve de inspiração para o Brasil

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Técnicos observam um Paricá (Pinho Cuiabano) no Sitio Paulista, em Querência (Foto: Heber Queiroz – ISA)

Os aprendizados, os gargalos e as experiências de cada organização nas regiões em que atuam foram temas de conversas entre os participantes da expedição que aconteceu no início de fevereiro e durante cinco dias visitou experiências nos municípios mato-grossenses de Água Boa, Canarana, Querência e Ribeirão Cascalheira. O grupo esteve em áreas de restauração que utilizam a técnica do plantio direto, desenvolvida desde 2006, na região do Xingu Araguaia, e que teve início no âmbito da Campanha Y Ikatu Xingu – Salve a Água Boa do Xingu, lançada em outubro de 2004.

Iniciativa inédita de responsabilidade socioambiental compartilhada que reuniu em Canarana (MT) índios, pequenos e grandes agricultores, institutos de pesquisa, organizações governamentais e não governamentais, além de prefeituras municipais, a campanha tinha como objetivo recuperar as nascentes do Rio Xingu. Muitas já tinham secado e outras estavam secando em meio à expansão da agropecuária nas cabeceiras do rio. Assim, os técnicos do ISA aprimoraram uma técnica de restauração de plantio direto, que se utiliza de uma mistura de sementes, a chamada muvuca, colocada na plantadeira de soja ou no vincón (a lanço). Além de diminuir custos e tempo, tem se mostrado mais eficiente que o plantio com mudas na maioria dos casos, permitindo reflorestar grandes áreas.

Em dez anos, mais de quase quatro mil hectares reflorestados

Técnicos observam um Paricá (Pinho Cuiabano) no Sitio Paulista, em Querência (Foto: Heber Queiroz – ISA)
Técnicos observam um Paricá (Pinho Cuiabano) no Sitio Paulista, em Querência (Foto: Heber Queiroz – ISA)

Nesses 10 anos, a restauração promovida pela Campanha Y Ikatu Xingu contabiliza mais de três mil hectares de áreas degradadas em recuperação na região. Participaram da expedição equipes do Instituto de Pesquisa da Amazônia (Ipam), do ICMBio (Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade) e do Idesam (Instituto de Conservação e Desenvolvimento Sustentável do Amazonas). Os técnicos do ICMBio Alexandre Bonesso Sampaio e Claudomiro de Almeida Cortês, por exemplo, trabalham no Parque Nacional da Chapada dos Veadeiros, em Goiás, e contam que lá, sob a inspiração da Campanha Y Ikatu Xingu – que eles não conheciam in loco – foram restaurados 48 hectares.

Restam ainda 200 hectares a serem recuperados. “A gente começou a replicar no parque adaptando à nossa realidade, mas até então nunca tivemos a oportunidade de vir até aqui para conhecer o que inspirou o nosso trabalho”, disse Alexandre. Para ele, o método de semeadura direta é inovador, porque reduz custos e permite plantar áreas maiores. “Nós estamos no Cerrado e para recuperar áreas degradadas precisamos de gramíneas nativas, arbustos nativos e árvores nativas e isso conseguimos com o plantio direto”, explicou. Ele acredita que se o plantio direto fosse mais utilizado em outras regiões do Brasil, os resultados seriam melhores. “Tem que ter uma forma eficiente de coletar, transportar, armazenar e plantar sementes”.

Se é preciso uma boa técnica, também é necessária uma grande quantidade de sementes florestais. E para dar continuidade às iniciativas de restauração florestal da Y Ikatu Xingu e suprir a demanda cada vez maior por sementes nasceu no final de 2007 a Rede de Sementes do Xingu. Nove anos depois, a rede amealha mais de 420 coletores espalhados pela região do Xingu Araguaia que, em 2015, coletaram mais de 18 toneladas de sementes de 124 espécies florestais. Para Bruna Souza, da Rede de Sementes, o objetivo é fazer com que iniciativas como essa se multipliquem pelo Brasil.

Equipe participante da expedição às áreas reflorestadas (Foto: Carlos Toniazzo - IPAM)
Equipe participante da expedição às áreas reflorestadas (Foto: Carlos Toniazzo – IPAM)

Os técnicos Vinicius Gozzo de Figueiredo e Maristela de Araújo Gomes, responsáveis pelo Programa de Produção Rural Sustentável do Idesam relataram suas experiências de restauração em parceria com produtores do município de Apuí (AM), projeto apoiado pelo WWF. Utilizaram o plantio de mudas em diferentes espaçamentos com adubação verde nas entrelinhas. “Tivemos muita dificuldade para a manutenção das áreas, principalmente por conta da competição com as gramíneas”, contou Vinícius. “A visita foi importante para o projeto que estamos desenvolvendo e o aprendizado foi muito rico em vários sentidos. Entendemos na prática o processo de restauração florestal com o uso de muvuca de sementes com plantio direto em linhas, semeadura à lanço manual ou mecanizado. Desta maneira podemos pensar nas vantagens e desvantagens da replicação em Apuí”.

Novas técnicas com diferentes finalidades

A expedição trouxe também novas experiências para os técnicos que trabalham no ISA desde o início das experiências de reflorestamento. Um deles, Eduardo Malta Campos Filho, se disse surpreso com a forma como as árvores estão crescendo, retas para o alto e formando fuste (parte reta, cilíndrica, do tronco, que é macerável). Em um plantio de sete anos de idade, em Querência, já há dezenas de árvores em condição de corte para venda. “Embora esse não seja o objetivo dessa área, pois trata-se de uma APP (Área de Preservação Permanente), lá pudemos ver como a alta densidade instalada a partir da semeadura direta de muvuca de sementes contribuiu para este crescimento vertical”, explica.

Área de experimento para uso comercial em Reserva Legal no Projeto de Assentamento (PA)Jaraguá em Água Boa (Foto: Guilherme Pompiano – ISA)
Área de experimento para uso comercial em Reserva Legal no Projeto de Assentamento (PA)Jaraguá em Água Boa (Foto: Guilherme Pompiano – ISA)

Além das APPs, há experimentos sendo feitos com finalidade econômica, que podem ser executados em Reserva Legal. Se a finalidade fosse econômica, algumas podas e raleamentos poderiam ter sido feitos nos anos anteriores para melhorar ainda mais o desenvolvimento das espécies madeireiras. Isso já acontece em outro experimento realizado em Canarana, em parceria com a Embrapa Agrosilvipastoril. “Trata-se de um experimento em Reserva Legal que visa o aproveitamento econômico e embora seja mais novo, já mostra boas perspectivas”, avalia Eduardo.

Os resultados observados pelos técnicos sinalizam para a necessidade de aprimorar as técnicas de restauração ecológica com diferentes finalidades. “Planejamos levar adiante experimentos de manejo sem herbicidas, que utilizam roçadas e enleiramentos sucessivos, com o auxílio de equipamentos específicos”, conta Eduardo. Outra linha de pesquisa tecnológica, cuja necessidade ficou explícita nessa expedição, se refere às diferentes densidades de adubos verdes que devem ser usados em cada caso. “Buscamos criar um sombreamento inicial por adubos verdes que cause a inibição do crescimento do capim e, ao mesmo tempo, permita um crescimento razoável das árvores. Visitamos áreas onde isso aconteceu com sucesso e com custo de manutenção bem abaixo do esperado, reduzindo o custo total da restauração”.

Eduardo lembra ainda de uma importante linha de pesquisa que envolve a Rede de Sementes do Xingu e se refere ao uso de capins nativos, ervas, trepadeiras e arbustos nativos, que são geralmente desconsiderados nos projetos de restauração ecológica. Essas espécies parecem ser essenciais para o início e o bom desenvolvimento de uma nova floresta nativa, mas ainda são deixadas em segundo plano por plantadores e coletores de sementes. “Temos de resolver com a Rede de Sementes e com as capacitações na área de restauração florestal”.

Fazenda Destino, em Ribeirão Cascalheira, iniciou a implantação em dezembro de 2011 (Foto: Junior Micolino-ISA)
Fazenda Destino, em Ribeirão Cascalheira, iniciou a implantação em dezembro de 2011 (Foto: Junior Micolino-ISA)

As fotos a seguir mostram dois momentos distintos em uma mesma área, a Fazenda Destino, em Ribeirão Cascalheira. O antes, em 2011 e o depois, em 2016.

Durante as visitas chamou a atenção o fato de as áreas de semeadura direta terem muito mais regeneração natural de espécies nativas que não foram plantadas quando comparadas aos plantios de mudas, como ilustra a tabela a seguir.

A Y Ikatu Xingu e as INDCs brasileiras

Vinicius Gozzo do Idesam contou que aprendeu sobre alguns aspectos fundamentais para o sucesso da prática, como a escolha das espécies, tipo de preparo do solo e controle de gramíneas. “O ISA classifica as espécies fundamentais para o sistema como as 20+. Pretendemos elaborar uma relação de espécies como esta para Apuí. Além disso, temos intenção de adaptar técnicas de implantação e manutenção em grandes áreas como as gradagens e a semeadura mecanizada de muvuca de sementes nativas com adubação verde, tanto a lanço quanto em linhas”.

Cinquenta meses depois, fevereiro de 2016 (Foto: Junior Micolino-ISA)
Cinquenta meses depois, fevereiro de 2016 (Foto: Junior Micolino-ISA)

Para Alexandre Bonesso, do ICMBio, as conversas, os vídeos que foram apresentados e os resultados no campo proporcionaram maior conhecimento da técnica que irá levar para o Parque da Chapada dos Veadeiros. “Foi uma grande experiência ter vindo aqui e esperamos que esse tipo de iniciativa se espalhe para o Brasil inteiro”.

De fato, as experiências bem sucedidas de restauração ecológica promovidas pelo ISA e parceiros da Campanha Y Ikatu Xingu podem servir de inspiração e ser implantadas em outras regiões do Brasil contribuindo para alcançar uma das metas que estão no Acordo do Clima, aprovado em Paris, em dezembro de 2015, durante a COP-21. Entre essas metas também chamadas Contribuições Nacionais (INDCs), assumidas pelo governo brasileiro e divulgadas durante a Conferência da ONU de Desenvolvimento Sustentável, em Nova York, em setembro de 2015, figuram a restauração e o reflorestamento de 12 milhões de hectares, a recuperação de 15 milhões de hectares de pastagens degradadas e a integração de 5 milhões de hectares de lavoura-pecuária-florestas até 2030.

Fonte: ISA

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