Um novo modelo de gestão para Unidades de Conservação

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Historicamente o planejamento e gestão do território tem se dado pelo Estado no exercício de sua soberania. Entretanto, a redemocratização e a globalização trouxeram para esse cenário o fortalecimento dos múltiplos atores sociais (desde os federativos até os contra hegemônicos dos movimentos sociais) levando a uma crise do tradicional planejamento centralizado dos Estados Desenvolvimentistas.

Esse cenário possibilitou a emergência de novas ideias e representações e, dentre as de grande expressão, questão ambiental aparece na agenda de planejamento e gestão como um movimento contra hegemônico frente aos efeitos deletérios do modelo exploratório de desenvolvimento adotado pela maioria das sociedades. A agenda verde propõe justamente um redirecionamento dessas ações e princípios a partir da proposição de ferramentas e instrumentos fundamentados na gestão participativa, emancipatória, equitativa e de desenvolvimento sustentável.

Contudo, apesar desses princípios, a principal estratégia para lidar com a degradação ambiental continuou sendo o estabelecimento, pelo Estado, de Unidades de Conservação (UC) da natureza que não tem sido capazes de frear a crescente perda de biodiversidade.

A superação da herança do pensamento de preservação dos recursos naturais em sentido estrito (sem a presença humana), que desapropriou populações locais que haviam mantidos preservados importantes remanescentes florestais, para a criação de uma unidade de conservação com esse objetivo marcou a história das áreas protegidas no Brasil e no mundo e ainda, apesar de alguns avanços importantes, continua sendo um grande desafio.

A delimitação de uma UC coloca em embate a demanda social pela preservação ambiental e a ocupação e/ou usos preexistentes daquele espaço. Ou seja, apesar de ser uma estratégia reconhecida e consolidada no mundo, a definição dessas áreas de conservação da biodiversidade permanece repleta de conflitos.

A existência de múltiplas territorialidades não é, em princípio, uma condição de conflito. Ele se dá na medida em que elas coincidem sobre o mesmo objeto, uso ou à potencialidade do uso – coincidência que não está em uma manifestação geográfica com limites marcados por linhas rígidas, mas em zonas de espaços representados, vividos e seus usos.

A definição de áreas para preservação ambiental (principalmente aquelas de proteção integral) tem configurado, historicamente, tal cenário de conflito de territorialidades que se explicita por meio da demarcação de limites e pela determinação de restrições ou impedimento de uso da terra. Esse processo é conduzido, em sua maioria, a partir de uma lógica centralizada, normativa e tecnocrática onde os sujeitos impactados são tratados como público alvo como se não tivessem interesses e projetos próprios. Isto é, ele não se desenvolve a partir de uma interpretação realista do contexto socioeconômico de uma área com potencial para a conservação da biodiversidade.

Portanto, a existência de grupos sociais (com suas respectivas territorialidades e interesses distintos de apropriação do território) em espaços especialmente protegidos representa para os gestores públicos, especialistas, juristas, academia e sociedade como um todo um desafio: transformar conflitos territoriais em oportunidades. Em um período de crise da relação entre homem-meio é pilar rediscutir o território e seu espaço nas políticas públicas a fim de, por meio de uma lógica contra hegemônica, se estabelecer uma nova forma de planejar e gerir.

Neste sentido é que começam a crescer iniciativas de abordagem territorial que compreendem a necessidade do redimensionamento das relações de poder, buscando a simetria das relações entre os atores sociais.

É como parte da evolução histórica da concepção de áreas protegidas, convergindo para essa abordagem territorial integrativa, que os mosaicos de áreas protegidas emergem como modelo. Trata-se uma instância mais ampla de coordenação propiciando a integração dos Planos de Manejo das UC, mas com um grande potencial de articular outros instrumentos de planejamento e gestão territorial de diversas escalas, metas e competências, como os Planos Diretores Estratégicos, os Zoneamento Ecológico-Econômicos, Planos de Uso Tradicionais, os Planos de Gestão de Bacias Hidrográficas e assim por diante. Dessa maneira, o mosaico propõe um rompimento com o paradigma institucional de atuação setorial, na medida em que pressupõe a mediação de interesses políticos distintos a fim de encontrar nós convergentes de ação.

Como ferramenta em prol do desenvolvimento territorial é importante que o mosaico se estabeleça a partir do fortalecimento das territorialidades. Esse deve se dar a partir dos laços de identidade (aqui compreendida como pertencimento, afetividade, coesão e, possivelmente, resistência), dos princípios de cooperação e baseado no interesse comum de proteção, valorização e uso daquilo que o território tem (enquanto recurso, patrimônio ambiental e cultural, uso e produção e também potencialidades econômicas). Entretanto, para sua efetividade, o fundamento deve estar no próprio grupo social – é impossível conceder tal atividade para qualquer agente externo.

O mosaico de áreas protegidas, ao estabelecer o território como unidade de gestão, apresentando a característica de articulação de integração de atores e seus nexos de poder, traz um cenário desafiador para os modelos brasileiros de gestão de áreas protegidas. Uma abordagem crítica desse instrumento, por meio da compreensão de sua efetividade como promotor do desenvolvimento territorial e de valorização da sociobiodiversidade da região, poderá resultar no seu aprimoramento, maior incentivo ou ainda sua reformulação ou redirecionamento.

Para finalizar, sem esgotar o assunto…

O modelo de gestão de áreas protegidas não tem sido o suficiente para gerir ou sanar os problemas que ele se propôs. O Estado que é frequentemente o agente externo que tem imposto esse modelo pouco eficiente tem um papel importante no caminho de repensá-lo. Também é preciso reconhecer nessa agenda a existência de poderes plurais e possibilitar, na criação de novas territorialidades, o redimensionamento das relações de poder a fim de torna-las simétricas.

Por isso, as iniciativas que possuem o território como unidade básica de planejamento e gestão tem grande potencial para lograr êxito na medida em que este é a expressão das relações entre sociedade e meio e as territorialidades que o compõe são, justamente, a possibilidade de sua transformação.

Nesta perspectiva, se entende que a proposta de uma abordagem territorial para o planejamento e gestão das áreas protegidas no Brasil é um desafio e uma oportunidade. Um desafio, pois propõe uma quebra do paradigma do modelo atual estabelecendo o reordenamento dos projetos de desenvolvimento, baseado na gestão participativa e democrática em busca de autonomia. E uma oportunidade, pois se realizada a partir da valorização das identidades poderá ser parte da conquista do estado de equilíbrio da preservação ambiental aliada à justiça social.

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