Está difícil trabalhar nas OSCs

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Domingos Armani tem 57 anos, é natural de Bento Gonçalves/RS, reside em Porto Alegre. É sociólogo e mestre em Ciência Política (UFRGS).
Domingos Armani tem 57 anos, é natural de Bento Gonçalves/RS, reside em Porto Alegre. É sociólogo e mestre em Ciência Política (UFRGS).

Por Domingos Armani

Amigos, colegas e pessoas com quem entro em contato via consultorias me dizem que a vida está muito mais difícil nas organizações sociais. Diga-se, a bem da verdade, que trabalhar em OSCs, em particular nas Ongs, nunca foi fácil. Sempre significou bons desafios, oportunidades de crescimento e aprendizado, conhecer pessoas que fazem a diferença no dia a dia, e sentir-se realizado por trabalhar por uma causa que desafia a sociedade a avançar e melhorar. Mas, junto com tudo isso, também sempre significou condições relativamente precárias de trabalho, baixos salários e alto grau de incerteza.

Bem, isso tudo mudou, para pior… Em primeiro lugar, porque as condições financeiras se deterioraram muito nos últimos anos, especialmente para as pequenas e médias organizações. As organizações internacionais que não deixaram o Brasil e/ou que não reduziram seus investimentos no país priorizam hoje as organizações de maior porte, concentrando seus aportes em poucos parceiros. Os recursos públicos sofreram redução também, especialmente a partir de 2010. A nova legislação (marco regulatório) ainda não mostrou seus benefícios. Institutos e fundações corporativas cada vez menos doam para outras organizações, preferindo desenvolver seus próprios programas. O desafio da mobilização de recursos de indivíduos recém começa a ser exercitado pelas organizações em condições de fazer isso, uma pequena parte do campo das OSCs.

Em segundo lugar, porque, com menos recursos, reduziram-se as equipes e isso gerou aumento de responsasbilidade, de carga de trabalho e de stress para os que ficaram, com muito maior dificuldade para alcançar os resultados almejados, o que, por sua vez, gera frustração. A qualidade do trabalho caiu, o que é perceptível em muitos casos. Organizações cujo orçamento tem proporção elevada de recursos públicos assumem compromisso com um nível de metas e resultados que exigem uma operacionalização intensa, a qual deixa pouco espaço/tempo para a dimensão educativa, política, reflexiva do trabalho social. Está mudando a noção de “tempo” no trabalho social: se antes (1980, 90s…) este tempo estava mais no controle de quem executava projetos, permitindo uma relação mais equilibrada entre o fazer e o pensar, agora o “tempo” dos editais públicos só pede e só permite o fazer, intenso. Pensar? Nem pensar. Com o tempo, as pessoas começam a se perguntar pelo sentido do que estão fazendo… Nestas condições, do fazer pelo fazer, do fazer para alcançar metas, do fazer em que perco boa parte do controle do meu fazer, o trabalho mantém seu sentido original, como almejado pelo grupo? Ou tornou-se na verdade fazer o trabalho para realizar o sentido desenhado por quem financia?

Em terceiro lugar, porque trabalhar em organizações sociais deixou de ser algo intrinsicamente bom, associado a fazer o bem. Não mais… Hoje a imagem pública das OSCs e ONGs é muito ruim. É comum que trabalhar em Ong seja associado como uma forma de ganhar dinheiro, de se associar a estratégias de acesso a desvios e corrupção. Ficou ainda mais difícil explicar o que fazem as Ongs e o que você faz lá. Afinal, qual é a vantagem que você está tirando disso? Este é o espírito do momento…

Por fim, uma quarta razão para a deterioração da situação de trabalho nas OSCs é a mudança da situação política do país e a crítica à institucionalidade vigente. Vive-se a crise e derrocada do “Lulismo” como projeto de desenvolvimento. O projeto político petista contribuiu de forma decisiva para a realização de novos direitos, avanços nas políticas sociais e a consequente inclusão social inédita. O que foi feito de forma concomitante com o abandono de demandas fundamentais, especialmente aquelas associadas com o meio ambiente, a causa indígena e quilombola. O desafio da qualidade dos serviços públicos não foi enfrentado de fato. Sem falar na incorporação das mesmas estratégias de sustentação política e financeira dos partidos tradicionais, com base em redes de corrupção. Some-se a isso a crescente onda conservadora na sociedade que, a um só tempo, revela e amplia as “sombras” da sociedade brasileira. Tudo isso pode ser lido como o fim de um ciclo na história do país. O ciclo da inclusão social via consumo chegou ao seu fim. Não bastasse tudo isso, as instituições brasilerias estão sendo sacudidas pela polarização e pela partidarização, dando sinais de fragilidade maior do que se poderia esperar. Neste sentido, as jornadas de Junho de 2013 emitiram um alerta e uma denúncia valiosas: as instituições construídas após a Constituição de 1988 já não dão conta das dinâmicas e necessidades da sociedade brasileira. E as OSCs e Ongs fazem parte desta institucionalidade pós-1988. Simbolicamente, elas passaram a fazer parte do “tradicional”, do “velho”, do “convencional”, do “stablishment”…

Tudo isso afeta a motivação, o clima e o bem estar das pessoas que trabalham em organizações sociais. Tudo isso tem gerado sofrimento, ansiedade, angústia, frustração e falta de perspectiva. Como as coisas não vão melhorar tão cedo, cabe perguntar: que iniciativas e mecanismos as organizações estão desenvolvendo para lidar com esta situação? Que suporte (individual e/ou coletivo) as pessoas têm? Você vive situações similares em sua organização?

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