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Bloco de gelo do tamanho do Alto Alentejo vai soltar-se na Antártida

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O último bastião dos que negam os efeitos das alterações climáticas está a derreter mais depressa do que se pensava. Uma fenda enorme cresceu 22 quilómetros em cinco meses e vai deixar à deriva um bloco de gelo gigantesco. E na região que se julgava mais sólida por causa do frio extremo, a descoberta de oito mil lagos nos glaciares faz disparar os alarmes.

O gelo da Antártida tem sido a grande bandeira dos que negam o fenômeno do aquecimento global, mas dois estudos revelados nos últimos dias mostram que, depois do Polo Norte, também a Sul são cada vez mais visíveis os efeitos da subida das temperaturas no planeta: na região Noroeste do território dos pinguins, é questão de tempo até um bloco de gelo de 6000km2, o equivalente à área do Alto Alentejo, se desprender e deixar mais vulnerável o icebergue que protege; e na costa Leste, que os cientistas acreditavam estar mais salvaguardada das alterações climáticas, foram detetados quase oito mil lagos na superfície dos glaciares, precisamente o fenômeno que antecedeu o degelo galopante na Gronelândia, nos últimos anos.

No primeiro caso, está em risco a plataforma de gelo Larsen C, a quarta maior da Antártida. Estas plataformas flutuam no oceano como um cubo de gelo num copo de água e servem de escudo protetor aos icebergues a que estão agarradas. Ao colapsarem, deixam-nos mais vulneráveis, tal como o núcleo de um cubo de gelo fica mais exposto quando começa a derreter à volta.

Com uma dimensão de 48 mil km2 – mais de metade do território de Portugal continental -, a plataforma Larsen C apresenta uma fenda que já vai em 130 quilómetros de comprimento, a mais de 50 quilómetros da costa (visível na imagem em cima e assinalada no mapa à direita). Os cientistas não têm dúvidas de que dentro de poucos anos ela vai desprender-se, mas o que os surpreende é a velocidade a que a fenda está a crescer. Monitorizada através de imagens de satélite pelo projeto MIDAS, que reúne cientistas europeus, tinha aumentado 30 quilômetros de 2011 a 2015, 20 dos quais em 2014. Mas agora, de março a agosto deste ano, um intervalo de apenas cinco meses, estendeu-se mais 22 quilômetros, para um total de 130. Com a agravante de ter alargado, no mesmo período, de 200 para 350 metros.

O receio da comunidade científica é que, quando estes 12% da plataforma se soltarem, o resto da ‘estrutura’ fique comprometida. Segundo o grupo de cientistas do projeto MIDAS, “a simulação em computador sugere que o gelo remanescente da Larsen C pode tornar-se instável e seguir o exemplo da vizinha Larsen B, que se desintegrou em 2002 na sequência de uma queda de gelo motivada por uma fenda”, um acontecimento retratado nesta cena do filme “O dia depois de amanhã”.

O eventual desaparecimento completo da plataforma Larsen C deixaria em risco a integridade de um icebergue tão grande que, se derretesse, faria subir o nível do mar em 10 centímetros – quando nos últimos 100 anos a subida se situou num total de 17,8 centímetros, de acordo com dados da NASA. Se tal vier a acontecer, haverá consequências a nível global, uma vez que as inundações costeiras tornar-se-iam ainda mais frequentes e a intensidade das tempestades tenderia a aumentar, já para não falar no agravamento da erosão costeira.

Do outro lado da Antártida, chegam mais notícias alarmantes. Desafiando a convicção generalizada de que a região Leste do território se mantém a salvo das alterações climáticas, um outro grupo de cientistas britânicos decidiu analisar imagens de satélite do glaciar Langhovde, desde o ano 2000 até 2013. E as conclusões, agora publicadas na revista Geophysical Research Letters, contrariam em toda a linha a ideia feita de que não há motivos para preocupações por ali: a observação de quase oito mil massas de água à superfície da imensa camada de gelo não só indica que a temperatura tem estado mais tempo do que seria suposto acima do nível de congelação (zero graus), como constitui uma séria ameaça à estabilidade dos icebergues.

Como explicam os cientistas que realizaram a pesquisa, quando a água começa a infiltrar-se no gelo, chegam a formar-se rios no interior dos glaciares, o que pode colocar em causa a solidez dos mesmos. É este fenômeno que está na origem do degelo que se tem verificado no Polo Norte e que até agora não tinha sido identificado na Antártida. “Os lagos supra glaciares influenciam o derretimento de gelo na Gronelândia e potencialmente causam a desintegração das plataformas de gelo na Península da Antártida [onde se situa a Larsen C]”, sugerem os autores deste estudo.

A subida das temperaturas é a principal causa suspeita para as mais recentes descobertas na Antártida. Depois de 2015 ter superado 2014 como o ano mais quente de sempre desde que há registos (1880), o ano de 2016 prepara-se para elevar de novo a fasquia. Os seis meses do primeiro semestre estabeleceram todos, sem exceção, novos recordes. As evidências estão à vista de todos: nove dos dez anos mais quentes de sempre são pós-2000.

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