///

Minério de ferro, ouro e contrabando na fronteira com a Bolívia

13 minutos de leitura
1
No meio da disputa entre ribeirinhos e conservacionistas, uma região riquíssima em recursos minerais. Esse é o tema desta segunda reportagem da série especial do Fato Online

A Serra do Amolar recebeu essa denominação pela presença abundante de uma pedra muito dura e escura, capaz de amolar facas, enxadas e machados. É minério de ferro. Localizada na fronteira com a Bolívia, no Pantanal do rio Paraguai, a cadeia de montanhas é cobiçada há décadas por abrigar generosas jazidas de minério de ferro, manganês, ouro e quartzo. Em 1937, passou por lá o alemão Otto Willi Ulrich, a serviço do governo britânico. Suas pesquisas apontaram a presença de minério de ferro com pureza de 56%. A região também é rota de contrabando de pasta de cocaína a partir da Bolívia. Um avião caiu na reserva Rumo Oeste, da Ecotrópica, com 600 quilos da droga.

Evitar a exploração desses minérios é um dos objetivos da Rede de Proteção da Serra do Amolar. A mineração resultaria na degradação ambiental da região, destruindo florestas e contaminando com mercúrio áreas hoje ocupadas por RPPNs (Reservas Particulares do Patrimônio Natural) e pelo Parque Nacional do Pantanal. Juntas, essas reservas somam 2,6 mil quilômetros quadrados – o equivalente à metade da área do Distrito Federal.

Os arquivos do DNPM (Departamento Nacional de Produção Mineral) registram, porém, alvarás de pesquisa para áreas coincidentes com as reservas ou instaladas no seu entorno, que também é protegido. Ao sul do Parque Nacional, há uma área com autorização de pesquisa para quartzo, aprovada no ano passado, na zona de amortecimento da reserva. A oeste do parque, uma mineradora conseguiu alvará de pesquisa para ouro em 1994, também na zona de amortecimento. Ao lado da reserva Acurizal, a pesquisa autorizada, desde 2013, é para minério de ferro e manganês.

Eike e Eliezer Batista

Cerca de 30 quilômetros abaixo do Parque Nacional, às margens do rio Paraguai, a RPPN Eliezer Batista tem uma condição curiosa. As terras da fazenda Novos Dourados, num total de 202 quilômetros quadrados, foram compradas em 2006 pelo empresário Eike Batista, dono da holding EBX. A reserva Eliezer Batista, com 126 quilômetros quadrados, foi criada pelo Instituto Chico Mendes em julho de 2008. Desde 2006, a MMX, empresa integrante da holding, tem autorização do DNPM para realizar pesquisa de ferro e manganês em 16 áreas que cobrem praticamente toda a reserva.

Sede da RPPN Elieser Batista, na Serra do Amolar
Sede da RPPN Elieser Batista, na Serra do Amolar. Foto: Lúcio Vaz/Fato Online

Em decadência econômico-financeira, Eike está se desfazendo dos seus negócios. Para não perder o controle sobre a reserva, arrendou a propriedade, com opção de compra, para o IHP (Instituto Homem Pantaneiro), que tem como diretor-presidente o coronel reformado Ângelo Rabelo, o “xerife” do Pantanal“, também coordenador da Rede de Proteção da Serra do Amolar –mantida por entidades como a Ecotrópica, dona das RPPNs Acurizal, Penha, Dorochê e Rumo Oeste; a fazenda Santa Tereza e o Parque Nacional. Rabelo trabalhou para a EBX durante dois anos como consultor de riscos ambientais.

Ele afirma ter convencido Eike a comprar a fazenda Novos Dourados para ampliar a área de proteção na Serra do Amolar. Também conseguiu a doação de R$ 2 milhões para a realização de obras e para a compra de equipamentos para o Parque Nacional. Questionado sobre a coincidência entre os limites da reserva e as áreas de pesquisa, afirmou: “Não é uma coincidência. Pedimos as autorizações de pesquisa para que ninguém mais pudesse pedir. É uma forma de proteger a área”.

Logo acima da RPPN, porém, há três áreas contíguas com autorizações para pesquisa com minério de ferro e manganês, cada uma com um titular diferente. Entre eles, uma coincidência – o responsável técnico das pesquisas é o mesmo: Milton Seratt. Mais uma coincidência: trata-se do mesmo responsável técnico de todas as autorizações concedidas à MMX. Questionado, Rabelo afirma que foi mesmo uma coincidência. “Não há muitos profissionais disponíveis nessa área”. Perguntado se conhece os vizinhos, disse que foi procurado por um deles, mas avisou: “Dificilmente vocês vão conseguir licença ambiental para extrair minério nessa área”.

A reportagem do Fato Online esteve no portão da residência de um deles, Aníso Mendes Domingos, em Campo Grande, no dia 9 de maio. Do outro lado do portão de uma casa luxuosa, um filho do empresário disse que o pai não queria falar sobre o assunto. “Vão embora”, pediu. Uma hora mais tarde, Domingos telefonou para nossa equipe e confirmou que tem alvará de pesquisa para minério de ferro e manganês ao lado da RPPN. Disse que vai fazer a pesquisa, mas nada mais quis falar. Antes de desligar o telefone, pediu para não ser mais procurado.

Assista ao vídeo sobre Coronel Angelo Rabelo

mineracao-pantanal-mapa
Mapa da mineração na região da Serra do Amolar. Ilustração: Alexandre Fonseca/Fato Online

Exploração lucrativa

Os estudos feitos pela expedição de Otto Ulrich, no início do século passado, estão detalhados no livro “Nos sertões do Rio Paraguay”. As montanhas da bacia do Paraguai, no território brasileiro (Gaíba, Acurisal, Amolar, Dourado, Mandioré e Urucum), contam com “grandes jazidas ricas de antimônio, chromo, nickel, torium e pedras de cor. Em grande quantidade encontram-se o ferro e o manganês”, diz a publicação.

 

Montanhas da Serra do Amolar abrigam jazidas de ferro, manganês e, talvez, ouro
Montanhas da Serra do Amolar abrigam jazidas de ferro, manganês e, talvez, ouro. Foto: Haroldo Palo/IHP

 

As provas petrográficas consistem de “schisto” (com grafia, da época) de hematite e quartzito. “É sabido que os schistos de hematite que se encontram no Brasil contêm ouro puro, e em especial isso coincide com as jazidas de schistos hematíticos de Matto Grosso. Si da existência de ouro nestas montanhas se pode obter uma exploração lucrativa, só pesquizas mais minucionas o provarão”, diz o texto, com grafia da época.O livro traz o desenho de um mapa com todos o morros da Serra do Amolar. O pesquisador apontou as seguintes porcentagens de peso nos metais encontrados: ferro, 56,3%; manganês, 10,6%; Titanoxydo, 2,2%; cromo, 1%; e Estanho, 0,15%.

Contrabando

Assista também “Avião cai rumo RPPN Oeste”

O município de Corumbá, onde fica a Serra do Amolar, é gigantesco. A fronteira com o Paraguai e a Bolívia tem uma extensão de quase 300 quilômetros. Ocupa uma área de 64 mil quilômetros quadrados – maior do que os estados de Alagoas e Sergipe juntos. Vigiar e controlar o contrabando na região é uma tarefa árdua. A Delegacia da Polícia Federal em Corumbá conta com 30 agentes, 10 deles encarregados de combater o narcotráfico.

Apreensões feitas nos últimos anos revelam as características da droga e o seu destino em solo brasileiro. Os aviões que partem da Bolívia, com tanques auxiliares adaptados para percorrer grandes distâncias, costumam pousar em fazendas do interior de São Paulo e de Minas Gerais. Eles voam em altitude baixa e escapam dos radares de Campo Grande. Muitos passam pela Serra do Amolar. Os traficantes chegaram a abrir uma pista nada clandestina, às margens do rio Paraguai, para receber e despachar a droga. Hoje, a pista está sinalizada e tem o controle do IHP, que colocou um vigia no local.

Em 2011, um monomotor com 600 quilos de pasta de cocaína foi surpreendido por uma montanha da Serra do Amolar, na RPPN Rumo Oeste. O piloto evitou o choque, mas teve que fazer uma aterrissagem forçada. Integrantes do grupo chegaram rapidamente pelo rio e recuperaram 100 quilos, mas um destacamento do Exército sediado em Cáceres apareceu em seguida e ainda achou 500 quilos. Dias mais tarde, traficantes foram presos transportando os 100 quilos recuperados em barcos no rio Paraguai.

O delegado federal Sérgio Macedo afirma que o produto transportado é cocaína em “base livre”. “Ela vem em forma que não é a pasta-base nem o cloridrato de cocaína, que é mais caro. Eles têm dificuldade de processar a droga. A base vem para ser processada aqui”.

Mas Macedo informa que os maiores carregamentos são feitos em caminhões que chegam pelas “cabriteiras”, estradas carreteiras clandestinas abertas nos campos. No início deste ano, foi apreendida uma carga de uma tonelada e meia transportada numa carreta. O produto estava acondicionado no chão da carroceria. Em cima, seria colocada uma carga de minério, o que dificultaria muito a fiscalização.

Parte da droga chega pelo rio Paraguai, em lanchas de grande potência. A abordagem dos barcos suspeitos é tensa e demanda cuidados, porque os contrabandistas podem estar armados e reagir atirando. Mesmo as cargas com bandeira estrangeira são fiscalizadas quando há alguma suspeita. Em algumas apreensões de drogas, os policiais encontraram também armas que foram jogadas no leito do rio quando os traficantes perceberam que seriam presos.

Fonte: Fato Online

1 Comment

Deixe uma resposta

Your email address will not be published.

Mais recente de Blog