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Pantanal: como ‘furos’ em lei permitiram a fazendeiro suspeito de usar agrotóxico da Guerra do Vietnã receber empréstimos públicos

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Barão de Melgaço (MT). Imagem: Polícia Civil

Via Leandro Prazeres, BBC Brasil.

Há duas semanas, um caso de crime ambiental chamou a atenção no Brasil.

A Secretaria de Estado do Meio Ambiente de Mato Grosso (Sema-MT) multou em quase R$ 2,8 bilhões um fazendeiro com propriedades rurais no Pantanal pelo suposto uso irregular de agrotóxicos, entre eles o 2,4-D, um componente do chamado “agente laranja” usado pelos Estados Unidos na Guerra do Vietnã.

A secretaria estima que ele tenha gasto pelo menos R$ 25 milhões na compra destes pesticidas entre 2021 e 2023 com o objetivo de desfolhar áreas de vegetação nativa, num processo conhecido como “desmate químico”.

O que não se sabia até agora era como brechas na legislação do bilionário crédito rural brasileiro permitiram que uma das maiores instituições financeiras do país, o Banco do Brasil, concedesse empréstimos milionários ao fazendeiro apesar de ele ter um histórico marcado por multas ambientais igualmente milionárias por desmatamento ilegal.

São brechas que, segundo especialistas, só começaram a ser fechadas no ano passado, mas que podem ter ajudado a financiar danos ao meio ambiente em diferentes partes do Brasil ao longo dos anos.

Dados obtidos pela organização não governamental Greenpeace Brasil a partir de bases públicas e checados pela reportagem da BBC News Brasil mostram que entre 2021 e 2022 o fazendeiro Claudecy Oliveira Lemes obteve R$ 10,07 milhões em empréstimos de crédito rural concedidos pelo Banco do Brasil.

Ele é o fazendeiro que, segundo a Sema-MT, usou pelo menos 25 tipos diferentes de agrotóxicos em suas propriedades no Pantanal, em caso exibido no programa Fantástico, da TV Globo, em 15/4. O crédito rural é uma modalidade de financiamento que conta com juros subsidiados pelo governo.

Por meio de nota, a defesa de Claudecy Oliveira Lemes disse que refuta a forma como as multas ambientais lhe foram aplicadas, que ainda não há acusação e nem condenação formalizada e que os empréstimos obtidos por ele não teriam ligação com as investigações sobre o suposto uso de agrotóxicos em suas propriedades.

Na nota, os representantes de Lemes não responderam se o fazendeiro usou ou não o componente do agente laranja em suas fazendas, e atribuiu a degradação das áreas a queimadas na zona.

Procurado, o Banco do Brasil enviou uma nota em que disse não comentar “casos específicos em respeito ao sigilo bancário”.

O banco disse ainda que “toma medidas proativas e voluntárias que observam todas as legislações e regulamentações sobre o tema” e que está “seguro sobre a conformidade em seus processos de concessão de crédito”.

No momento em que recebeu os empréstimos, em 2021, porém, Lemes já era alvo de pelo menos três inquéritos civis e sete autos de infração lavrados por autoridades mato-grossenses por desmatamento ilegal em áreas próximas àquelas que, mais tarde, seria flagrado o suposto uso da substância para “desmate químico”.

Especialistas ouvidas pela BBC News Brasil afirmam que os empréstimos foram legais porque a regulação da época não vedava a liberação de financiamentos nestas circunstâncias. No entanto, se a legislação atual fosse cumprida, os montantes não deveriam ser concedidos.

Os mesmos especialistas dizem, no entanto, que o Banco do Brasil deveria ter tomado medidas extras que poderiam ter evitado a concessão do financiamento a um produtor suspeito de desmatar áreas do Pantanal.

À BBC News Brasil, a promotora do caso, Ana Luiza Peterlini, disse que as autoridades vão apurar se Lemes usou os recursos obtidos com empréstimos do crédito rural para a compra dos agrotóxicos supostamente usados em suas fazendas, o que poderia se configurar como um desvio de finalidade.

Reportagem completa em BBC News Brasil.

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Parabéns pela matéria. Conheço a região desde a ultima década do século passado, tendo acompanhado vários eventos climáticos extremos, dentre eles grandes cheias (2011 e 2018) e, mais recentemente, as secas de 2020 e 2024, eventos que criaram as condições para os incêndios devastadores. O quadro hoje vai além das cicatrizes, pois, em alguns casos, as feridas ainda estão abertas e a questão é: são ‘cicatrizáveis’?

Comentário de Alcides Faria publicado na Folha de São Paulo na matéria “Comunidades ribeirinhas do pantanal