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PCHs engrossam os números dos atingidos por barragens

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Via Amazônia Notícia

No calendário pela defesa dos direitos humanos, em 14 de março relembra-se o Dia dos Atingidos por Barragens, uma data para refletir sobre a situação de pessoas que perderam grande parte de suas vidas, casas e propriedades devido à construção de represas para a instalação de usinas hidrelétricas.  Só na região amazônica são mais de 100 mil atingidos.  Além das já criticadas grandes usinas hidrelétricas, outros empreendimentos para a geração de energia que tem um grande impacto para os atingidos são as Pequenas Centrais Hidrelétricas (PCHs).

As PCHs são empreendimentos para a geração de até 30 megawatts (MW) e que possuem reservatório com área inferior a três km².  Sua pequena dimensão gerou uma propaganda por parte do governo que as anuncia como alternativa para a geração de energia hidrelétrica com baixos impactos socioambientais.  O problema é que diversas críticas de ambientalistas e pesquisadores da área energética têm mostrado que não é bem esta a realidade.

Dentre os maiores críticos das PCHs está Telma Monteiro, coordenadora de energia da Associação de Defesa Etnoambiental Kanindé.  A pesquisadora afirma que, resguardando as devidas proporções de tamanho, os impactos gerados pelo reservatório de uma grande usina e o de uma PCH são exatamente os mesmos.  Além disso, o grande problema das pequenas centrais não tem sido nem tanto o impacto causado por sua instalação, mas a maneira como é planejada a utilização da energia gerada.

Para ela, a importância das PCHs está em sua utilização para a geração local de energia, e não para integrar o sistema energético que abastece os grandes centros industriais.  “As PCHs poderiam ser uma boa alternativa desde que elas fossem estudadas nos rios para gerar energia local, assim, evitaria inclusive estas enormes linhas de transmissão, levando energia de norte a sul, de leste a oeste”, afirma Monteiro.

A pesquisadora ainda critica a política de subsídios adotada pelo governo federal para a instalação destes empreendimentos.  “O Governo incentiva a construção de PCHs com subsídios e isenção de tributos municipais e estaduais, mas isso acontece somente para suprir a demanda energética de grandes empresas”, afirma.  A pesquisadora acredita que estes recursos poderiam ser melhor empregados em programas de economia de energia ou em investimentos para geração de energias mais limpas, como a eólica.

Océlio Muniz, Coordenador do Movimento dos Atingidos por Barragens é outro crítico do sistema de PCHs que concorda com os argumentos de Monteiro.  Segundo ele, as pequenas centrais causam o mesmo tipo de impactos sociais que uma grande usina, e ressalta a discussão sobre o destino da geração.  “Tanto as pequenas quanto as grandes centrais podem ser um meio de produção de energia.  Mas o que questionamos é: para quem vai essa produção de energia?”, afirma Océlio Muniz, e conclui: “O povo é quem tem que decidir para onde vai a energia e o lucro por ela gerado”.

Caso Emblemático

Um exemplo bastante polêmico, que ilustra que as PCHs estão longe de ser o empreendimento de baixo impacto como propagandeia o governo, é o caso do rio Juruena, no noroeste do Mato Grosso.  O rio é a principal fonte de alimentos e possui uma importância ritualística para a etnia indígena Enawenê Nawê, nativa da região.  Apesar disto, devido a não inclusão do leito do rio nas terras de conservação da etnia, foram planejadas a construção de 77 PCHs ao longo do rio.

Ao anuncio das obras, em 2007, os indígenas reagiram com a ocupação dos canteiros de obra sob a exigência da realização de estudos de impacto social independentes.  Em outubro de 2008, novamente membros da etnia invadiram os canteiros e atearam fogo em equipamentos e materiais de construção.  Nenhuma das reivindicações indígenas foi levada à frente e acabaram só servindo para aumentar o clima de tensão, seguido por diversos casos de violência e ameaças praticadas por funcionários do consórcio que realiza as obras sobre os indígenas.

Mesmo com as pressões de entidades da sociedade civil e órgãos internacionais, as obras continuam, ameaçando alagar as terras indígenas e destruir o modo de vida dos Enawenê Nawê.  Além das PCHs, outros projetos preveem a instalação de mais 15 Grandes Usinas Hidrelétricas e a criação de uma hidrovia para facilitar o escoamento da soja produzida pelo Estado.

Números Assombrosos

A despeito do exemplo do rio Juruena, o Plano Decenal de Energia mantém as previsões para a instalação de diversas centrais na região Amazônica.  Segundo a Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel), há um potencial conhecido para a instalação de 773 novas PCHs na Amazônia.  Além disso, estima-se um potencial teórico para a instalação de mais 4.763 pequenas centrais.

Este investimento expressivo na ampliação de centrais de geração de energia acomoda-se perfeitamente no planejamento que o governo exibe no Plano Decenal de Energia, planejamento que pretende ampliar a matriz energética brasileira até 2017.  Além destas PCHs, o projeto prevê a implantação de mais 71 usinas hidrelétricas na Região Norte, enquanto o crescimento previsto em energias mais limpas, como a eólica, é de somente 0,6%.

Telma Monteiro critica este sistema, acreditando que se fala muito em ampliação da produção e pouco em programas para a redução do consumo.  “O governo está ofertando uma energia que na realidade terá de ser consumida.  Quando você oferta esta quantidade, você não está contribuindo para economia.  Quem vai se preocupar em criar programas de eficiência energética com toda esta energia sobrando?”, questiona a pesquisadora.

Enquanto isso o número de pessoas afetadas pelas barragens continua a crescer proporcionalmente ao tamanho da falta de planejamento do governo brasileiro, dentro e fora do Brasil.  No dia 19 de fevereiro o Ministro de Minas e Energia Edson Lobão anunciou a construção de mais duas Usinas Hidrelétricas na Argentina e quinze na Amazônia Peruana, todas para suprir a demanda brasileira.

“O Plano Decenal de Energia é um absurdo.  O que se queria é que este plano fosse refeito juntamente com uma discussão com a sociedade”, afirma Telma Monteiro, e conclui: “ao se furtar desta discussão, o Governo já fez opção pela matriz energética brasileira.  Não há mais o que discutir.  O governo já fez a escolha dele”.

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