////

Rodovia de 450 quilômetros para escoar grãos é considerada ameaça ao Pantanal

9 minutos de leitura
mostrar parte do traçado da rodovia transpantaneira
Trecho da Rodovia Transpantaneira na MS-423, região da Serra da Alegria, entre Rio Verde e Coxim. Foto: Agesul

Via Campo Grande News

Por Jones Mário

mostrar parte do traçado da rodovia transpantaneira
Trecho da Rodovia Transpantaneira na MS-423, região da Serra da Alegria, entre Rio Verde e Coxim. Foto: Agesul

A conclusão da rodovia Transpantaneira, projeto concebido durante a ditadura militar no Brasil, preocupa ambientalistas e segmento turístico nos dois lados da planície alagável. A proposta, que prevê pavimentar aproximadamente 450 quilômetros de estrada para ligar os extremos norte e sul do bioma, voltou a ser discutida com mais intensidade.

Os entusiastas da ideia de rasgar o Pantanal em asfalto defendem a federalização da Transpantaneira. Oficialmente MT-060, a rodovia estadual vai do norte do Pantanal até as margens do Rio São Lourenço, em Porto Jofre, dentro do município de Poconé (MT).

A estrada em leito natural, ou seja, sem pavimentação, para na divisa com Mato Grosso do Sul. No Estado, o traçado da via não saiu do papel.

Projeto de lei apresentado em dezembro passado, pelo deputado federal Emanuel Pinheiro Neto (PTB-MT), fala em terminar a Transpantaneira até encontrar a BR-262, em Ladário. O parlamentar justifica que a estrada seria uma alternativa de ligação entre os estados das regiões Sul e Sudeste do País com Mato Grosso, Rondônia, Acre e sul do Pará.

“Emanuelzinho”, como é conhecido o deputado, diz que o novo segmento possibilitaria também o escoamento da produção de grãos e recebimento de insumos, além da integração com os modais hidroviário e ferroviário.

O uso da estrada como rota para o agronegócio é questionado por entidades com atuação na defesa do Pantanal, como o IHP (Instituto Homem Pantaneiro), representado pelo diretor de relações institucionais, Angelo Rabelo.

“É um grande equívoco achar que a Transpantaneira possa servir para escoar grão. Ela só faria sentido se conseguisse atender as fazendas no escoamento da produção de gado, e ainda assim protegendo comitivas, usando caminhões com limitações. Uma intenção dessas coloca em risco um bioma frágil e que não suporta esse tipo de pressão”, aponta.

As características da rodovia, de declividade acentuada e solo arenoso, pedem investimentos altos, acredita Rabelo.

“Vai ter que fazer muito aterro. Isso demonstra que seria impraticável financeiramente. É um alto custo pensar em elevar o grip, asfaltar, seja o que for. Não há justificativa plausível, além do aspecto ambiental, a viabilidade econômica também será contestada”, pontua.

Risco ao turismo – A ONG (Organização Não-Governamental) SOS Pantanal se apoia na Transpantaneira como atrativo turístico para rebater a proposta de pavimentação. A entidade emitiu comunicado pouco depois da apresentação do projeto do deputado mato-grossense.

“A Transpantaneira foi concebida e traçada por sua grande beleza cênica. A estrada se destina à recreação e ao lazer, além de promover a integração homem-natureza e o desenvolvimento sustentável da região. Transformá-la em uma rodovia de escoamento de produção é inconcebível”, classificou, em nota, o diretor-executivo da ONG, Felipe Dias.

Ainda, a organização alertou que a Transpantaneira hoje funciona como uma estrada parque e atua como Unidade de Conservação para uso sustentável.

“Ao asfaltá-la, a tendência é que haja um aumento no volume de carros e caminhões, expandindo o tráfego na região. Com essa ampliação, deve crescer também a taxa de animais silvestres atropelados, o que prejudica fortemente a biodiversidade de fauna local. Além de agravar os níveis de poluição”, apontou a SOS Pantanal.

A conexão do lado norte com o extremo sul do bioma demanda a construção de uma ponte sobre o Rio São Lourenço, além de obras até Corumbá e Ladário. Para a ONG, as intervenções significam “degradação de boa parte de Mato Grosso do Sul, prejudicando a fauna e flora regional”.

Parcela do setor turístico também contesta a transformação da Transpantaneira em rodovia federal para escoamento da produção agrícola. Ailton Lara, proprietário do Pantanal Jaguar Camp, que explora a observação da onça pintada na região de Porto Jofre, endossou comunicado da SOS Pantanal.

“Faremos de tudo para que isso não aconteça, pois seria um prejuízo enorme para a biodiversidade do Pantanal. Nós, do ramo turístico, somos totalmente contra e estamos nos mobilizando para impedir o ato. A obra acaba comprometendo os trabalhos de conservação”, destacou.

As manifestações contrárias surtiram efeito e Emanuel Pinheiro Neto pediu arquivamento do projeto, no mês passado, quando a matéria seguia para a Comissão de Viação e Transportes da Câmara dos Deputados.

Em entrevista ao site mato-grossense Mídia Hoje, o parlamentar recuou da ideia e admitiu não ser “positivo” falar em federalização da Transpantaneira.

Porém, a proposta ainda não dá sinais de dissolução em Mato Grosso do Sul. O deputado estadual Evander Vendramini (PP), de base corumbaense, pediu estudos de viabilidade técnico-financeira para federalizar a rodovia ao Dnit (Departamento Nacional de Infraestrutura de Transportes), governo do Estado e bancada sul-mato-grossense em Brasília (DF).

O movimento foi provocado pelo vereador por Corumbá, Manoel Rodrigues (Republicanos), que participou de audiência pública na Câmara Municipal de Poconé, no ano passado, para discutir a incorporação da estrada ao sistema rodoviário federal.

Há nove anos, Vander Loubet (PT-MS) relatou projeto similar apresentado pelo então deputado e hoje senador, Wellington Fagundes (PL-MT). Na Comissão de Viação e Transportes, o petista assentiu pela aprovação do texto, que acabou arquivado ao fim do mandato do mato-grossense.

Eco Rodovia – Iniciadas em 1972 e paralisadas em 1976, as obras da Transpantaneira criaram, “sem querer”, segundo justificativa do projeto apresentado por Emanuel Pinheiro Neto, uma eco rodovia. Os aterros retêm as águas das cheias e, mesmo em período de estiagem, as laterais da estrada se transformam em refúgios para jacarés, capivaras, tuiuiús, sucuris e outros animais.

O entorno da Transpantaneira conta com hotéis e pousadas ecológicas. Ainda na justificativa, o deputado aponta para 265 espécies de peixes, 22 de anfíbios, 83 de répteis, 444 de aves, e 132 de mamíferos na região.

Deixe uma resposta

Your email address will not be published.

Mais recente de Blog