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Livro traz relatório sóbrio e claro sobre aquecimento global

6 minutos de leitura
Capa do livro A Espiral da Morte
Capa do livro A Espiral da Morte
Capa do livro A Espiral da Morte

Quer um conselho sobre o mercado imobiliário? Não compre terreno baixo em frente ao mar: você vai pagar caro hoje e ele vai deixar de existir qualquer dia desses. Mas a verdade é que o traçado da costa não é a única coisa que vai mudar profundamente no mundo nos próximos anos por causa do clima. Quase tudo vai mudar: nenhuma história é tão importante quanto essa para nosso futuro. Daí a importância de ler “A Espiral da Morte”.

O livro é resultado de 15 anos de trabalho do jornalista Claudio Angelo, ao longo dos quais ele fez cinco viagens às regiões polares das duas pontas do mundo, andando no gelo com cientistas do clima, voando com pesquisadores da Nasa, navegando com militantes do Greenpeace, conversando com caçadores de urso-polar.

Claudio é um sujeito comprometido com os temas que cobre: é o único repórter que já conheci que julgou importante tomar aulas de tupi. E ele tem vocação trágica: se apaixona por esses assuntos terríveis, essas tragédias de aparência irremediável (índios, clima…).

Claro que o resto de nós está ocupado demais com nossos Facebooks, com as campanhas do nosso time na Libertadores, com os roteiros rocambolescos da disputa política. Não temos tempo de ficar nos preocupando com o destino dos índios, dos ursos polares, dos icebergs, das baleias.

O que a maioria de nós nem suspeita é que essahistória que A Espiral da Morte conta vai afetar profundamente a nossa vida – já está afetando. E também a vida dos nossos filhos, e a dos tatarenatos dos tataranetos dos nossos filhos, e a dos nossos descendentes 40 mil anos no futuro.

O livro não é um manifesto para que juntos salvemos a natureza, nem uma profecia sombria do apocalipse que nos aguarda. É um relato sóbrio, tranquilo, claro e com algum humor (negro) de tudo o que sabemos sobre o que está acontecendo neste exato momento nos lugares mais frios da Terra.

Enquanto damos like nuns posts e bloqueamos outros, bilhões de toneladas de gelo socado acumulado ao longo de milênios lentamente derretem nos extremos norte e sul do planeta, e vão ficando a cada dia mais escorregadios.

Não é muito fácil prever exatamente como o gelo vai derreter, como qualquer um que já bebeu uma dose de uísque sabe, mas já está absolutamente claro que está derretendo. Claudio sabe bem disso: ele ouviu o barulho (o estrondo de cachoeira vindo de debaixo do chão de uma geleira).

Um dia desses, pedações do tamanho de países inteiros começarão a despencar no mar como pingões de chuva, na Groelândia e na Antártida. E aí o oceano do mundo vai subir, talvez vários metros. Em muitos lugares o ar vai secar. Tufões e furacões vão ficar cada vez mais frequentes, assim como epidemias espalhadas por mosquitos.

Enfim, não é exatamente uma leitura leve para levantar o astral – como aliás Claudio cuidou de deixar bem claro já no título. Mas, ainda assim, espero que muita gente leia.

Afinal, é meio assustador que algo tão enormemente importante, que definirá tão profundamente o destino de nossa espécie, seja tão pouco compreendido por nós humanos vivendo sobre a Terra.

É assustador que todos os grandes partidos políticos do Brasil façam projetos de grandes obras ignorando completamente o fato consumado de que o clima está mudando. É assustador que o desenho de nossas cidades, nosso modelo produtivo e nossa matriz energética continuem extremamente desorganizados, despreparados para a crise ambiental que já começou a chegar.

Eu estava lendo o catatau de quase 500 páginas anteontem, quando minha filha de 3 anos, decidida a evitar que eu cumprisse o prazo desta resenha para a Folha, entrou no meu quarto e pediu para eu contar a história do livro para ela. Quando ela viu a capa – um massivo iceberg groenlandês flutuando na água verde-esmeralda -, comentou: “que lindo, papai”. Sorri e olhei para ela. Subitamente, me dei conta de algo que nunca havia me ocorrido: talvez chegue um dia na vida dela em que será muito difícil encontrar uma única praia para ela se deitar ao sol.

Serviço:

Livro: A Espiral da Morte
Autor: Claudio Angelo
Editora: Companhia das Letras
Preço: R$ 59,99 (496 págs.)

Fonte: Denis Russo Burgierman/Especial para a Folha de S. Paulo

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