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China quer reduzir importação de soja. Isso vai afetar a América do Sul?

15 minutos de leitura
Máquinas de colheita de soja na província de Heilongjiang, China. O país planeja aumentar a produção doméstica do grão e reduzir sua dependência de importações (Imagem: Alamy)
Maior compradora global de soja e parceira estratégia de Brasil e Argentina, a China estabeleceu metas para reduzir importações e alavancar a produção interna do grão

Caso se confirme a tendência de redução na importação de soja do Brasil, a pressão por mais ferrovias e rodovias se arrefeceria? Pode levar também a uma redução nos indicies de desmatamento, principalmente no Cerrado?

Juan Chiummiento, Diálogo Chino

China é o maior comprador global de soja, mas essa dinâmica vem mudando, principalmente para as nações produtoras da América do Sul. Após duas décadas de crescimento do setor para atender ao mercado chinês, as exportações sul-americanas começam a dar sinais de estagnação.

Desde 2019, as importações de soja da China sofrem quedas e interrupções frequentes, devido à  pandemia de Covid-19 e aos surtos de peste suína africana já que um dos principais destinos da soja é servir de ração aos suínos da China. Além disso, analistas acreditam que as importações de soja pela China podem ter atingido seu pico.

Essas tendências coincidem com os planos do governo chinês de aumentar a produção interna de soja e reduzir a dependência das importações no longo prazo. O movimento faria parte de uma ampla estratégia nacional de segurança alimentar. Isso já soa os alarmes no Brasil e na Argentina, já que ambos os países têm a China como seu principal parceiro comercial de soja. O país responde por mais de 90% das exportações argentinas e 70% das brasileiras do produto.

Em 2022, a demanda de soja da China ultrapassou as 115 milhões de toneladas, com mais 80% delas supridas pelas importações. Já a produção interna somou 20 milhões de toneladas no ano passado, embora o governo tenha como meta atingir as 36 milhões de toneladas até 2032, reduzindo o abastecimento pela via externa.

Analistas de comércio exterior avaliam que a tendência pode resultar em impactos na balança comercial da América do Sul, mas algumas das principais figuras do agronegócio regional asseguraram ao Diálogo Chino que o cenário não é motivo para pânico no setor, pelo menos não no curto prazo.

“Não parece plausível que a China consiga aumentar significativamente sua produção rapidamente”, defende Rodolfo Rossi, diretor da Associação da Cadeia de Soja Argentina (Acsoja).

Na mesma linha, a Associação Nacional dos Exportadores de Cereais do Brasil considera que “a situação não é vista com preocupação”.

Outras fontes consultadas projetam desafios para os próximos anos no mercado global de soja. Entre eles, estão as consequências do aumento da produção brasileira e o crescimento do processamento da soja em outros mercados, especialmente nos Estados Unidos.

Desaceleração da demanda de soja

Na virada do século, a China já era responsável por 25% das compras globais de soja, com mais de dez milhões de toneladas importadas. Desde então, as importações decolaram: nos últimos cinco anos, a China comprou de 88 milhões a 100 milhões de toneladas ao ano, acumulando cerca de 60% do comércio global do produto.

“A China tem sido o grande mercado a impulsionar a demanda mundial por soja”, disse Gustavo Idigoras, diretor da Câmara Argentina da Indústria de Óleo Vegetal e do Centro de Exportação de Cereais (Ciara-Cec).

Agora, analistas preveem uma queda no ritmo das importações da China. “As importações de soja da China devem desacelerar e eventualmente cair até 2030. Isso é resultado do crescimento mais lento da pecuária, da melhoria das práticas agrícolas e, sobretudo, da ampla adoção de uma baixa porcentagem de farinha de soja nas rações usadas em todo o país”, explica um estudo recente do Rabobank, instituição financeira com sede na Holanda.

A pesquisa estima ainda que isso terá “impactos profundos em toda a cadeia global de abastecimento”.

As perspectivas para o farelo de soja seguem a mesma linha. “Nos últimos anos, houve uma diversificação na China: o crescimento da demanda por colza, amendoim e farelo de girassol foi superior ao do farelo de soja”, explica Bruno Ferrari, analista da Bolsa de Valores de Rosário (BCR), na Argentina.

Ferrari diz que, enquanto o crescimento da demanda por farelo de soja na China tenha desacelerado, a demanda por soja não processada desacelerou ainda mais, e a busca por outras sementes oleaginosas começa a crescer ou se mantém no mesmo patamar. “Isso tira um pouco do espaço da soja”, acrescenta.

A explicação do analista da BCR reflete-se no planejamento oficial chinês. Em abril, o Ministério da Agricultura da China publicou um plano para reduzir o uso de farelo de soja na alimentação animal, propondo que essa participação fosse reduzida de 14,5% a menos de 13% até 2025, informou a Reuters.

Esse plano “vai orientar o setor de rações a reduzir a quantidade de farelo de soja, promovendo a diminuição do consumo nas rações e contribuindo para garantir um abastecimento estável e seguro de grãos e outros produtos agrícolas importantes”, diz um comunicado do governo chinês.

Sem grandes impactos

Embora os entrevistados ouvidos pela reportagem concordem que há uma desaceleração no crescimento da demanda de soja da China, nenhum deles acredita que isso deva gerar mudanças abruptas na dinâmica de exportações da Argentina e do Brasil.

“Não creio que devamos esperar muitas implicações para ambos os países como resultado das mudanças na demanda de soja da China”, diz Gabriel Medina, professor de agronomia da Universidade de Brasília e da Universidade Federal de Goiás.

Trabalhador em curral de porcos na província de Guangdong, China. Um dos principais destinos da soja importada pela China é para ração animal (Imagem: Amanda Ahn / Alamy)

A opinião de Medina é compartilhada por Sávio Pereira, diretor do departamento de análise econômica e políticas públicas do Ministério de Agricultura do Brasil: “Não estamos preocupados”, diz, Pereira, “não parece provável que a ideia de mudar a forma de alimentação dos animais seja concretizada no curto prazo”.

Gustavo Idigoras, da Ciara-Cec, acredita que, embora algumas análises indiquem que a China “possa estar atingindo uma estabilização em sua demanda por soja”, essas avaliações devem ser lidas “com cautela”.

“A China é essencialmente um importador de soja e continuará o sendo”, acredita Idigoras.

Ecoando as demais opiniões ouvidas pelo Diálogo Chino, o analista da BCR, Bruno Ferrari, explica que as metas de produção interna da China “não movimentam as importações”, já que se trata de um aumento marginal em relação ao volume total. Já Medina acrescenta que o buraco entre a produção chinesa e a demanda ainda é “muito grande”.

Para Rodolfo Rossi, da Acsoja, entidade que representa os principais atores da cadeia de soja argentina, “não será fácil para a China atingir suas previsões devido à falta de investimentos para melhorar sua produção local”.

Análises feitas por pesquisadores de outros países apoiam esse parecer. Em um artigo recente, o Australian Strategic Policy Institute observou que “as necessidades concomitantes de uso do solo, inclusive para outras culturas, como trigo e milho, dificultam que a China saia de sua situação de dependência das importações de soja”.

O destino dos excedentes

Nesse cenário, a produção de soja do Brasil segue crescendo. Conforme as últimas estimativas do Departamento de Agricultura dos Estados Unidos, a temporada 2023/24 deverá registrar um aumento de 5% na produção brasileira, passando de 156 milhões de toneladas em 2022/23 para 163 milhões de toneladas no próximo ano. “E ainda temos muitas áreas novas disponíveis para o plantio”, acrescentou Pereira, do Ministério da Agricultura do Brasil.

Colheita de soja em Luís Eduardo Magalhães, na Bahia. Especialistas acreditam que qualquer excedente de soja deixado pela desaceleração do comércio do Brasil com a China será destinado à indústria local (Imagem: Alamy)

Para Ferrari, o excedente gerado pelos produtores brasileiros será destinado à indústria local: “O país pode seguir gerando cadeias produtivas positivas internamente para introduzir essa mercadoria, e possivelmente esse será o caminho no futuro”, explica.

Algo semelhante acontece na Argentina, mas Idigoras explica que “há uma estratégia diferente à do Brasil, não focada na venda direta do grão para a China, mas na venda de produtos processados para outros países”. De fato, o país já exporta grandes quantidades de farinhas e óleos de soja para países, como Índia e Vietnã. Assim, de acordo com ele, os possíveis aumentos na produção de soja argentina serão destinados à indústria local, que passa por um mau momento.

Ao contrário do Brasil, no entanto, a Argentina não prevê grandes aumentos em sua produção local, pelo menos no curto prazo. Além disso, desde seu pico histórico na temporada 2014/15, quando a produção ultrapassou 60 milhões de toneladas, os números tendem a cair. O atual ciclo agrícola teve a pior produção de soja registrada neste século devido à seca prolongada, com pouco mais de 20 milhões de toneladas.

O fato de grande parte de sua produção ser destinada à exportação direta não significa que o Brasil não seja um participante central no mercado de produtos processados. Este ano, todas as estimativas apontam o país para emergir como o maior produtor mundial de farelo de soja, desbancando a Argentina pela primeira vez desde meados da década de 1980.

Para a Argentina, a forte concorrência do Brasil é apenas um dos desafios no curto prazo. Rodolfo Rossi alerta que os Estados Unidos também preveem um aumento “significativo” no processamento de soja. “De qualquer maneira, há oportunidades [para os produtores argentinos] em novos mercados na África e em alguns países da América Latina”, diz.

Com o impulso da China em direção a uma maior autossuficiência na produção de soja, que provavelmente levará tempo e enfrentará vários obstáculos, o Brasil e a Argentina terão oportunidades de permanecer como atores importantes no mercado global. A diversificação do mercado, o aumento do processamento local e a exploração de novos destinos de exportação serão áreas importantes a serem trabalhadas pelo agronegócio.

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