Antes de obter o aval do Brasil e do Paraguai para ingressar no Mercado Comum do Sul (Mercosul), o presidente da Venezuela, Hugo Chavez, criou uma empresa mista para dominar o transporte de cargas na Hidrovia Paraguai-Paraná, que liga cinco países, sendo quatro países do bloco (Brasil, Argentina, Paraguai e Uruguai) e a Bolívia. A adoção da medida causou polêmica entre os argentinos e paraguaios, os mais afetados pelos planos do governo venezuelano de estrear com grande influência no mercado regional.
Em agosto deste ano, Chavez anunciou a criação da Fluvioalba, empresa mista formada pela Petróleos da Venezuela (PDVSA), por meio da sua filial Albanave, e pela argentina Fluviomar. O novo conglomerado terá o objetivo de dominar o transporte de cargas na Hidrovia Paraguai-Paraná, com 3.442 quilômetros, entre Cáceres (MT) e Nova Palmira, no Uruguai.
Utilizando a hidrovia, o presidente venezuelano aumenta sua influência financeira sobre os sócios brasileiros no Mercosul. Com a compra de derivados do petróleo da Venezuela, Paraguai, Argentina e Bolívia passarão a ficar mais dependentes financeiramente de Chavez, que sonha em liderar em 2030, no bicentenário de Simon Bolivar, a integração latino-americana.
Economia
Ao controlar a hidrovia por meio da Fluvioalba, Chavez acabará tendo influência sobre o escoamento da produção de grãos no Centro-Oeste brasileiro, considerado um dos grandes celeiros de grãos do mundo. Mato Grosso e Mato Grosso do Sul produzem mais de 20 milhões de toneladas de grãos de soja e milho e destacam-se na produção de etanol, que já contabiliza mais de 25 milhões toneladas de cana-de-açúcar produzidas por ano, segundo o Censo Agropecuário de 2006 do IBGE. Além disto, ficará responsável pelo transporte da produção de minério de ferro na região de Corumbá, município que conta com uma das maiores reservas de manganês do mundo.
Segundo a Administração da Hidrovia do Paraguai (Ahipar), foram transportados 4,3 milhões de toneladas de minérios e grãos pelos rios Paraguai e Paraná no ano passado. Os cinco países devem transporte cerca de 18 milhões de toneladas por ano pelo trecho.
Monopólio
Conforme especialistas, empresários e jornais do Paraguai e da Argentina, a PDVSA, impulsionada pelos dólares do petróleo, deverá assumir o controle total de todas as companhias. As empresas de transporte de cargas argentina, brasileira e paraguaia estão em dificuldades financeiras.
Estima-se que a dívida da Fluviomar, que tem portos e bases no Brasil, Paraguai e Argentina, supera 150 milhões de dólares. Multinacionais como Cargill e a brasileira MMX estão cobrando os débitos na corte internacional de Nova York por serviços não realizados apesar do pagamento antecipado.
Em entrevista à imprensa venezuelana, o presidente da Fluviomar, Andrés Guzman, admitiu que a PDVSA fará os investimentos necessários para viabilizar o controle das companhias de navegação na Hidrovia Paraguai-Paraná. O acordo conta com o apoio da presidente da Argentina, Cristina Fernandez de Kirchner.
Para o jornal paraguaio Última Hora, de 20 de outubro deste ano, o presidente da Conosur e Fluviomar, Fernando Villalba, revelou o projeto. A Fluvioalba, criada por Chavez, assumirá o controle das companhias de navegação para atuar nos cinco países da Bacia do Prata.
No Brasil, desde sexta-feira, uma equipe de auditores da PDVSA faz auditoria no patrimônio e na situação financeira do patrimônio da Fluviomar em Ladário (Serviço de Navegação Bacia do Prata) e na agência portuária de Porto Murtinho. A estatal venezuelana já começou a dar os primeiros passos para comprar o controle acionário das companhias.
Chavez se prepara para assumir o controle da empresa Bacia do Prata, que foi estatizada pelo presidente Getúlio Vargas em 1943. A companhia foi privatizada em 1992, quando a Cinco Bacia assumiu o seu controle. Hoje, a gestão está sob o comando da argentina Fluviomar.
Simon Bolivar
Em entrevista ao site mantido pela Alternativa Bolivariana para los Pueblos de Nuestra America (Alba), o embaixador da Venezuela na Argentina, Arévalo Méndez, explicou que a aliança não é meramente comercial. A entrevista foi concedida no dia 14 de agosto passado, no dia seguinte ao comunicado feito pela PDVSA da criação da Fluvioalba.
O objetivo é promover a integração da América Latina, o sonho de Simon Bolívar e que se tornou uma obsessão de Chavez. Ele destacou que a Fluvioalba fortalece os laços estratégicos e consolida a união latino americana.
Bolivar foi um militar e líder revolucionário da Venezuela que sonhava em promover a integração dos países latino-americanos.
Aliados
O presidente venezuelano conta com importantes aliados na região. Além da presidente argentina, ele conta com o apoio dos presidentes da Bolívia, Evo Morales, e do Paraguai, Fernando Lugo. O boliviano até o imitou ao invadir refinarias da Petrobras e obrigar o Governo brasileiro a fechar um novo acordo comercial mais favorável à Bolívia.
A paz na Bolívia é fundamental para o Brasil, principalmente, por causa da dependência do gás natural importado pelo gasoduto. Há séculos, a hidrovia é considerada a saída para o mar pelos bolivianos, que só possuem uma área de 57 quilômetros na baia do Tamengo, em Corumbá, de acesso ao Rio Paraguai.
Outra parceira estratégica é a presidente da Argentina, Cristina Fernandez de Kirchner. Em agosto deste ano, ela firmou um acordo com o governo de Chavez para criar várias empresas mistas entre os dois países e elevar a exportação por meio da hidrovia.
Independência
Já a hidrovia, desde a guerra da Tríplice Aliança (1864-70) é vista como a alternativa de independência econômica do Paraguai em relação ao Brasil. No entanto, a parceria da empresa criada pela PDVSA poderá custar caro aos paraguaios. Somente na indústria naval, a interferência de Chavez poderá causar três mil demissões.
A parceria entre a PDVSA e a Petróleos Paraguayos (Petropar) já está sendo investigada pela Controladoria-Geral da República do Paraguai. Foram encontradas diversas irregularidades em quatro contratos, como a cobrança de 18% de taxa de juros ao ano, apesar do acordo prever apenas 2%.
História
Hidrovia foi palco de guerra e atinge 25 milhões de habitantes
A Hidrovia Paraguai-Paraná é estratégica para o Mercosul, por atingir cerca de 25 milhões de habitantes do Brasil, Argentina, Paraguai, Uruguai e Bolívia. Ela foi considerada fundamental para a colonização da região, que começou em 1536 quando foi registrada pela primeira vez na história pelo cartógrafo turco-português Peris Reis.
Chegou a ser considerada, já em 1543, acesso ao Rio Amazonas por meio dos rios Jauru e Guaporé, por Domingos Martinez Irala. Esta mesma integração foi considerada pelo ministro de Viação e Obras Públicas do Brasil, Maurício Jopert, em 1946.
A hidrovia chegou a ser palco da guerra entre Brasil, Paraguai e Argentina entre 1864 e 1870, único período em sua história que deixou de ser navegável.
Para incentivar a utilização da hidrovia, o presidente Getúlio Vargas criou o Serviço de Navegação da Bacia do Prata, que foi privatizada no início dos anos 90. Após controle de brasileiros, a companhia é controlada pela argentina Fluviomar.
A dragagem da hidrovia para torná-la navegável o ano todo causou polêmica em 1993, quando o Financial Times, de Londres, fez reportagem apontando que o empreendimento era ameaça ao Pantanal.
Do lado brasileiro, o Governo tem condições de implantar o transporte intermodal, já que conta com acesso rodoviário e ferroviário à Hidrovia Paraguai-Paraná. Novos empreendimentos, como o ramal ferroviário até Porto Murtinho e a conclusão da rota bioceânica, ampliam a importância estratégica para a política e a economia brasileira.