Por Mauricio Guetta e Antonio Oviedo
O crime ambiental, verdadeiro atentado contra o patrimônio da sociedade brasileira, costuma orientar sua dinâmica pelos sinais emitidos por Brasília. Após o registro de altas taxas de desmatamento na Amazônia, o Brasil adotou, a partir de 2004, uma política de Estado, com a atuação direta de mais de dez ministérios, denominada Plano de Ação para Prevenção e Controle do Desmatamento na Amazônia Legal (PPCDAm). Sua estruturação se deu em três eixos: ordenamento territorial, com o reconhecimento de terras indígenas e criação de unidades de conservação no bioma; monitoramento e controle ambiental, com a intensificação da fiscalização contra crimes ambientais; e fomento às atividades produtivas sustentáveis, destinado a garantir alternativas econômicas às atividades ilegais. O esforço estatal foi tamanho que a aplicação da política não demorou a produzir resultados notáveis, com benefícios econômicos e sociais diretos ao País, além de amplo reconhecimento internacional: o desmatamento na Amazônia caiu continuamente entre 2004 e 2012, passando de 27.772 km² para 4.571 km² — uma redução de 84%.
O ano de 2012 marca a retomada do crescimento do desmatamento no bioma. As seguidas altas refletiram um incremento de 73% entre 2012 e 2018 (7.900 Km²), o dobro da meta climática brasileira para 2020. Entre outros fatores, contribuíram para esse expressivo aumento a contínua redução dos investimentos estatais no PPCDAm, a ofensiva contra áreas protegidas e a aprovação do novo Código Florestal em 2012, o qual, segundo o ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Luiz Fux, relator das ações sobre o Código, “ao perdoar infrações administrativas e crimes ambientais pretéritos, (…) sinalizou despreocupação do Estado para com o Direito Ambiental, o que mitigou os efeitos preventivos gerais e específicos das normas de proteção ao meio ambiente.”
Se os rumos pareciam tortos nos últimos anos, a ascensão de Jair Bolsonaro à presidência parece significar a mais drástica ruptura na política ambiental brasileira, rumo à condecoração e ao incentivo do crime ambiental. Desde a campanha eleitoral, afirmou que acabaria com a “festa” da “indústria da multa” do IBAMA e do ICMBio e que pretendia “tirar o Estado do cangote de quem produz”, além de cogitar a extinção do Ministério do Meio Ambiente. Com sua provável vitória, medições oficiais detectaram um aumento de 39% no desmatamento da Amazônia durante o período eleitoral, inclusive em Terras Indígenas (62%) e Unidades de Conservação (95%), onde a atividade é essencialmente ilegal.
Nos primeiros quatro meses de governo, o que se viu foi uma avalanche de ações que, ao final, representam verdadeiro convite ao crime ambiental: nomeação de um ruralista para a pasta ambiental, condenado em primeira instância judicial pela adulteração de plano de manejo de unidade de conservação, cujas ações representam uma das principais fontes de ameaça ao meio ambiente; esvaziamento das funções do ministério, como a exclusão das competências de combate ao desmatamento e às mudanças climáticas; cortes orçamentários profundos, afetando principalmente a fiscalização; vacância de cargos diretivos no ministério; deslegitimação dos dados oficiais do INPE e desprezo às considerações da comunidade científica; perseguição a servidores dos órgãos ambientais federais por cumprirem sua missão legal, com exonerações e instauração de processos disciplinares; menor índice de autuações lavradas pelo IBAMA em vinte e quatro anos; extinção de conselhos de meio ambiente e indisponibilidade de informações públicas essenciais, como o mapa de áreas prioritárias para a conservação, reduzindo a transparência e a possibilidade de controle social; anulação do processo administrativo relativo à multa aplicada a Jair Bolsonaro, quando deputado, seguida da exoneração do agente autuante; liberação de leilão para exploração de petróleo em Abrolhos, à revelia de pareceres técnicos dos órgãos ambientais; disposição em acatar pleitos de extinção ou redução de unidades de conservação; possível extinção do ICMBio; e o simbólico episódio em Rondônia, no qual o Presidente desautorizou operação do IBAMA e defendeu o descumprimento da lei contra atividade madeireira ilegal dentro da Floresta Nacional do Jamari, com prejuízo a empresa que atua legalmente na área.
Se o meio ambiente encontrava-se combalido nas gestões anteriores, na atual, o crime ambiental, cujo combate é dever constitucional do poder público, parece ter encontrando no governo seu parceiro de primeira ordem.
Mauricio Guetta (na foto de capa) é consultor jurídico do Instituto Socioambiental (ISA).
Antonio Oviedo é pesquisador do Instituto Socioambiental (ISA).
Foto de capa: Jefferson Rudy