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Professores das Águas

A corumbaense que nunca pensou em ser professora (até conhecer a Escola das Águas) 

16 minutos de leitura
Rosely Castro é uma das professoras das águas (Foto: Escola Polo Paraguai Mirim)

Rosely Rojas de Castro é uma corumbaense de 36 anos e professora da Escola das Águas, instituições pantaneiras que se adaptam à realidade local e ao regime de seca e cheia. Nascida em uma família humilde com 4 irmãos, seus pais sempre incentivaram a educação e ela a via como uma forma de dar melhores condições de vida para sua família. “Eu e meus irmãos colocamos na cabeça que a forma de mudar a vida e dar um conforto para nossos pais seria com os estudos”. 

Rosely, ou apenas Rose, é o tipo de pessoa que quando sorri esboça um sorriso sincero e amplo. Sua fala desenvolta facilitou a captação das informações, mesmo que a conversa tenha sido mediada por um computador. Após o encontro, a professora compartilhou o máximo possível sobre a Escola das Águas e a realidade dos alunos, mostrando sua paixão pelo projeto. 

Durante a conversa, Rose contou mais sobre sua trajetória e ficou evidente que ela é uma mulher determinada. Sempre estudou em escola pública e fez cursinho preparatório para o vestibular, fornecido pelo Governo de forma gratuita. Em sua terceira tentativa entrou na Universidade Federal de Mato Grosso do Sul, no curso de ciências biológicas. Depois que se formou em 2008, ficou um ano desempregada até que em 2010 entrou na Escola das Águas. A primeira Escola em que trabalhou foi em uma fazenda chamada Nazaré. 

Escola das Águas Extensão Nazaré. Foto por Rosely Rojas

A professora nunca pensou em lecionar. Inicialmente a ideia era se formar na faculdade, trabalhar e se especializar na área em que se graduou.  Mas então Rose conheceu a Escola das Águas. Seus 10 anos como professora das Águas são testemunha da sua paixão pela iniciativa.  

O primeiro contato 

A irmã de Rosely, Maria de Castro Rojas, tinha uma amiga que a indicou para uma entrevista para a Escola das águas. Maria chamou sua irmã e foi assim que Rose se envolveu com a iniciativa. Durante seu tempo no projeto, a professora corumbaense atuou em diferentes locais pantaneiros. A primeira Escola em que deu aula, na fazenda Nazaré, fica na região do Paiaguás. Rose lecionou na Extensão durante um ano e conta que o primeiro contato a assustou:

 

Em 2011, Rosely foi dar aula na Escola situada no Paraguai Mirim. Depois de um ano de atuação, foi trabalhar na Embrapa. Em 2013 retornou para a Escola das Águas e foi para a extensão em Porto Esperança. De 2014 até 2016 deu aula em Paraguai Mirim. Em 2018 retornou para onde começou e ficou três anos lecionando na fazenda Nazaré. Atualmente ela atua no Paraguai Mirim. 

A Extensão em Paraguai Mirim conta com 4 professoras: a Rosely, formada em ciências biológicas, uma pedagoga, que atende os alunos do 1º ao 5º ano, uma pedagoga, que atua na educação infantil, e uma professora formada em letras que leciona para os alunos do 6º ao 9º ano.  

Polo Paraguai Mirim. Foto por Rosely Rojas

O carinho das crianças 

Rosely fala com um sorriso amplo sobre seus alunos. O orgulho que sente do trabalho promovido nas comunidades e do desenvolvimento dos alunos é nítido.  

“Eu e outros professores vemos que as crianças têm muita capacidade e não dar continuidade a esses estudos é uma frustração imensa”. Apesar do trabalho executado na comunidade e da importância que esta atribui à escola, poucos alunos dão continuidade aos estudos depois do 9º ano, pois para isso seria preciso ir para um centro urbano, como Corumbá.  

Rose e seus alunos. Foto por Rosely Rojas

Quando questionada se há casos de alunos que dão continuidade nos estudos, Rosely abre um sorriso e seus olhos brilham ao contar com orgulho sobre uma aluna da época do Paraguai Mirim. A professora lecionou para esta aluna até o 6º ano e em 2022 ela entrou na UFMS para cursar pedagogia.  

“Me sinto muito orgulhosa de trabalhar nessas escolas. Meu orgulho maior é ver o aprendizado desses alunos a cada dia”. 

Desde o primeiro contato com as crianças, a professora notou o carinho e receptividade. Ela ainda menciona que na Escola Nazaré, os alunos possuem o costume de pedir benção para os professores. “Achei isso muito bonito. Eles são muito carinhosos e são até hoje”. É justamente desse carinho que Rose lembra sempre que pensa sobre Escola das Águas. 

Um aspecto interessante sobre a relação da comunidade com a Escola das Águas é que as crianças e familiares valorizam muito os professores. Rosely menciona que os familiares sentem orgulho de receber os professores na casa deles. A Escola acaba se tornando “espaço de interação, conhecimento e acolhimento da comunidade”.  

Alunos do Pré II, formandos de 2021 (Foto: Escola Polo Paraguai Mirim)

O que é a Escola das Águas 

Para entender o afeto de Rosely com o projeto e o motivo de se alegrar tanto com o sucesso de seus alunos, é preciso compreender o que é a Escola das Águas.  

A Escola Municipal Rural Polo Porto Esperança e Extensões, também conhecida como Escola das Águas, atende mais de 350 alunos no Pantanal. São cinco Unidades Polos e seis Extensões que respondem a uma única direção escolar na Secretaria de Educação de Corumbá.

O nome peculiar se deve pela adequação do regime escolar ao regime dos rios, ou seja, o ano letivo é baseado no período de cheia e seca do Pantanal. Devido à dificuldade de acesso da região, alguns alunos vivem em condições de internato ou semi-internato e voltam para a casa ao final do bimestre. Além disso, pelo mesmo motivo, os professores moram nas extensões escolares.  

Foto: Patrícia Zerlotti / Arquivo Ecoa

A Ecoa contribui com a manutenção das escolas e, em 2004, fez intenso trabalho de articulação junto à comunidade da Barra de São Lourenço e ao governo estadual para construção de uma das unidades de ensino no local.

O trabalho de manutenção também se deu com a instalação de internet e de energia solar. Atualmente duas Escolas possuem energia fotovoltaica – na Barra São Loureço e em Paraguai Mirim. O projeto para instalação das usinas foi elaborada e coordenado pela Ecoa. Cada um desses geradores promove uma economia diária de 18 litros de óleo diesel.

Além disso, a organização busca colaborar com a formação continuada dos professores, como no projeto ‘Escolas das Águas: educomunicação e diálogo intercultural‘. 

Outras instituições também auxiliam para que as escolas continuem em funcionamento, como é o caso do Ministério Público do Trabalho. Em alguns desses locais, as Escolas das Águas são um dos únicos contatos da comunidade com o Estado. 

Escola das Águas (Foto: Iasmim Amiden / Arquivo Ecoa)

Nem tudo são flores 

Ao entender melhor o que é o projeto, fica mais claro que a iniciativa tem suas dificuldades. Rose relata que um dos desafios é o trajeto. “Viajamos uma noite inteira, tivemos que dormir em rede, não sabíamos onde estávamos naquela escuridão”, comenta a professora sobre o trajeto para a primeira escola em que deu aula, na Extensão Nazaré.

Outra provação é estar longe de casa. Rosely, antes de entrar na Escola das Águas, nunca havia saído de casa e ela relata a saudade que sente de sua família. Nesse aspecto de estar longe de casa surge outra adversidade: viver nas Extensões.   

 

Uma das singularidades da Escola são as salas multisseriadas. São classes em que um único professor atende alunos de diferentes idades e níveis de conhecimento. Mesmo formada em Ciências Biológicas, Rosely já lecionou disciplinas de matemática, arte, história, geografia e educação em direitos humanos. “Então o professor é um eterno aprendiz. Tive que estudar, pesquisar para poder dar aula dessas matérias que não fazem parte da minha formação para poder proporcionar o aprendizado dos alunos”. 

Como nem tudo são flores, uma das problemáticas identificadas pela Ecoa é o atraso na construção da escola destinada para os moradores da barra de São Lourenço. A comunidade já possui uma escola, mas que se encontra em local instável e de difícil manutenção, apresentando riscos para crianças e professores. 

A solução encontrada foi construir uma nova instalação de ensino no Aterro do Binega, local também pertencente à comunidade, com estrutura mais adequada e melhores condições de ensino e trabalho. 

A construção foi iniciada em 2020, mas desde então segue parada. É, portanto, mais uma obra pública que segue inacabada. 

Construção de escola para ribeirinhos está parada há 1 ano e meio (Foto: Aguinaldo Silva)

Valorização do conhecimento local 

O aspecto mais fascinante da Escola das Águas é a inserção da cultura local no aprendizado. O sistema tradicional de ensino anula o conhecimento tradicional que algumas famílias possuem. Na Escola das Águas esse conhecimento é valorizado e levado para dentro da sala de aula.   

Em 2018, Rosely auxiliou na execução de um projeto na Extensão Nazaré para resgatar a história local. O projeto “Memórias e histórias da Comunidade do Cedro” buscou o histórico da comunidade, como surgiu, significado do nome, quantidade de famílias no local e fonte de renda. Os alunos pesquisaram, buscaram fotos e conversaram com os pais para levantar essas informações.  

Para o projeto Memórias e histórias da Comunidade do Cedro os alunos conversaram com a comunidade para resgatar a cultura local. Foto por Rosely Rojas

“Quando apresentamos os resultados dessa pesquisa foi muito bom, porque eles também enquanto pais, familiares, ficaram orgulhosos de verem essa história deles sendo escrita, sendo apresentada para a comunidade” 

Outro projeto de resgate e valorização do conhecimento local foi executado em Paraguai Mirim, com o auxílio da Ecoa: 

 

A Escola das Águas é primordial para a comunidade local e são os profissionais que ali atuam que fazem as escolas funcionarem. A educação brasileira, assim como o conhecimento das comunidades tradicionais,  são desvalorizadas constantemente em nosso país. Por isso, pessoas como a professora Rosely fazem a diferença e precisam receber reconhecimento pela dedicação ao seu trabalho, aos alunos e à própria educação.  

Raquel Alves

Jornalista do núcleo de comunicação da Ecoa e comunicadora do projeto restauracción

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