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Recorde mundial de níveis de agrotóxicos em curimbatá na bacia do Paraná

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Foto: marceloesalgado / Flickr / https://www.flickr.com/people/marceloesalgado/

Por Luis Emilio Blanco, Biodiversidadla 

Um estudo realizado por cientistas da Universidade Nacional do Litoral (UNL) mostrou que os peixes do curso inferior do rio Salado – de San Justo até a foz em Santa Fé – estão contaminados por um coquetel de nove biocidas (inseticidas, herbicidas e fungicidas de uso massivo em cultivos transgênicos na região) com índices recordes mundiais para organismos aquáticos. Em alguns casos, os valores encontrados em espécimes de curimbatá (Prochilodus lineatus) excedem em muito as ingestões diárias máximas aceitáveis ​​(IDA) para humanos.

A alta concentração de agrotóxicos encontrada representa um risco potencial por se tratar de um peixe comercial de água doce consumido localmente e exportado para outros países para consumo humano.

Os dados revelados pelo estudo realizado pelos cientistas Rafael Lajmanovich, María Repetti, Ana Cuzziol Boccioni, Melina Michlig, Luisina Demonte, Andrés Attademo e Paola Peltzer pertencentes ao Laboratório de Ecotoxicologia da Faculdade de Bioquímica e Ciências Biológicas da Universidade Nacional de Litoral (UNL), o Conselho Nacional de Investigação Técnico-Científica (Conicet) e o Programa de Investigação e Análise de Resíduos Químicos e Contaminantes da Faculdade de Engenharia Química (UNL), têm feito soar o alarme na sociedade pelo facto de a As espécies analisadas estão entre as mais consumidas pela população da região, sendo inclusive exportadas para alimentação humana e veterinária. 

Entre outros índices mais surpreendentes, o trabalho científico, publicado pela editora acadêmica Elsevier (Holanda), mostrou que glifosato e ácido aminometilfosfônico (Ampa), principal metabólito do herbicida glifosato, foram encontrados em cem por cento dos espécimes analisados. O segundo herbicida encontrado com maior frequência nos músculos e vísceras analisados foi o glufosinato de amônio, que ocorreu em uma proporção de 50% das análises, valores que colocam o peixe Salado no recorde mundial de concentrações encontradas em organismos da biota aquática.

Músculos de tarpão, brânquias e fígados foram obtidos em quatro locais no baixo curso do rio Salado e um no rio Santa Fé, próximo à sua confluência com o Salado, nas proximidades da capital provincial, entre dezembro de 2021 e fevereiro de 2022. Amostras de sedimentos também foram obtidas desses locais.

Para consumo humano

O documento com as conclusões dos cientistas especifica que os espécimes foram adquiridos a pescadores locais situados nos mesmos cinco locais de amostragem onde foram recolhidos os sedimentos e destaca que “esses peixes estavam à venda para consumo humano”. 

Todos os elementos obtidos foram analisados ​​para resíduos de pesticidas seguindo o método “Quechers“, para quantificar 136 substâncias. Em geral, o tecido muscular dos peixes apresentou concentrações muito altas (as mais altas detectadas no mundo), do inseticida cipermetrina (204 microgramas por quilo – µg/kg), herbicidas polares (solúveis em água) glifosato (187 µg/kg ) e seu produto de degradação (Ampa) 3.116 µg/kg, glufosinato de amônio (677 µg/kg) e o fungicida piraclostrobina (50 µg/kg). 
 
Nas amostras de vísceras, os principais agrotóxicos encontrados foram altos valores de cipermetrina (506 µg/kg), clorpirifós (78 µg/kg) e lambda-cialotrina (73 µg/kg). As concentrações médias de resíduos detectadas entre os locais não foram significativamente diferentes nem no músculo nem nas vísceras dos peixes, na maioria dos casos. 

O trabalho especifica que “excepcionalmente, o local mais ao sul estudado no baixo rio Salado apresentou diferenças significativas na concentração de resíduos encontrados no músculo, devido às altas concentrações de glifosato e glufosinato de amônio. Outros locais no baixo rio Salado, ao norte, mostraram uma concentração significativamente maior de Ampa nas vísceras dos peixes do que no restante dos locais estudados”. Algumas amostras de sedimentos apresentaram baixos níveis de herbicidas como glifosato (24 µg/kg) e fungicidas. No entanto, os níveis mais altos do mundo de herbicidas polares foram registrados no músculo do peixe.

Aviso 

Os cientistas alertaram que “os resultados deste estudo destacam a necessidade de monitoramento periódico devido à alta concentração de pesticidas e seu risco potencial em um peixe de água doce comercial muito importante da Argentina, que é consumido localmente e exportado para outros países”. 
 
Os cientistas esclareceram que este é o primeiro estudo a alertar para a pressão combinada da presença de pesticidas, indicando exposição regular a múltiplas substâncias em concentrações com valores médios elevados e faixas superiores extremas.

“Inesperadamente, os resultados do nosso estudo determinaram concentrações máximas muito altas de herbicidas polares, principalmente glifosato e seus produtos de degradação e glufosinato de amônio no tecido muscular de peixes do que aquelas registradas para peixes de água doce em outros estudos em todo o mundo”, destacaram. Os agrotóxicos analisados ​​estão entre os mais utilizados para fins agrícolas na região estudada para o controle de ervas daninhas, insetos e fungos e seu achado no material analisado indica exposição regular das populações de peixes a essas substâncias. 

“Em nosso estudo, os tecidos dos peixes de todos os locais estudados apresentam glifosato e Ampa com concentrações superiores a 187 e 3.116 µg/kg respectivamente”, apontaram os especialistas e acrescentaram que “o segundo herbicida mais detectado nos dois rios amostrados em músculo de peixe foi glufosinato de amônio com altas concentrações (677 µg/kg). Este agroquímico é um dos herbicidas mais utilizados nos últimos anos em cultivos transgênicos em vários países do mundo, inclusive na Argentina. Como o glufosinato de amônio é absorvido pela matéria orgânica e pela argila do solo e é transportado para as águas subterrâneas e superficiais pelo escoamento durante as chuvas, representa um alto risco para os ambientes aquáticos e humanos”. 
 
Eles também detectaram o fungicida piraclostrobina (valor máximo de 50 µg/kg), amplamente utilizado em lavouras de soja transgênica para aumentar o rendimento e a produtividade. 
 
Nas conclusões do trabalho, destaca-se que a contaminação por pesticidas representa uma ameaça nociva à viabilidade da população de peixes e outros organismos aquáticos e constitui um grande risco para os consumidores humanos, especialmente para as crianças, uma vez que a ingestão de peixe é considerada um das principais fontes de exposição a pesticidas. “Faltam regulamentações que estabeleçam tolerâncias para peixes como limites máximos de resíduos ou outras tolerâncias amplamente utilizadas para aplicação e avaliação de risco dietético”, enfatizaram. 

“Nossos resultados demonstram que as populações de curimbatá em uma bacia hidrográfica cercada por culturas geneticamente modificadas incorporaram vários resíduos de pesticidas em seus tecidos. Este grau de contaminação provoca um aumento significativo dos efeitos nocivos à saúde dos peixes devido à presença simultânea de pesticidas em doses subletais e, além disso, pode representar um sério risco para toda a fauna aquática e para a saúde humana”, alertaram os cientistas. “A deterioração da qualidade ambiental observada na bacia do rio Salado ameaça os organismos aquáticos, o meio ambiente, os serviços socioculturais e a população humana”.

“Como primeira medida de mitigação, há uma necessidade urgente de aumentar a distância do cultivo com pesticidas dos ecossistemas aquáticos ou a aplicação de agroecologia livre de pesticidas, bem como melhorar a avaliação de risco ambiental, particularmente de organismos aquáticos”, enfatizaram. 

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