///

Mudanças climáticas e barragens nos rios: dobradinha pode ser fatal para os peixes do Pantanal

9 minutos de leitura
Piraputangas, peixes pantaneiros (Foto: Paulo Robson)
  • Mudanças climáticas e barragens geram efeitos conjunto para peixes migratórios do Pantanal, revela estudo.
  • As mudanças climáticas afetam chuva e temperaturas, fatores importantes para o ciclo de vida dessas espécie. Já as barragens obstruem a passagem dos peixes e impedem sua reprodução.
  • Em conjunto, os dois fatores podem reduzir de 47 a 100% do habitat que possibilita a vida aquática pantaneira.
  • Pesca, principal fonte de renda da região, também pode ser inviabilizada. 

 

Por Paula Isla Martins, pesquisadora da Ecoa e articuladora na Campanha contra barragens no Rio Cuiabá

Um estudo realizado por Luiza Peluso e colaboradores e publicado este ano alerta para os impactos das mudanças climáticas e da construção de barragens hidrelétricas para peixes do Pantanal. Os pesquisadores concluíram que os dois fatores atuam em conjunto e pode trazer impactos irreversíveis para a reprodução dos peixes.

Serão afetadas principalmente as espécies que fazem piracema, ou seja, migram até as nascentes para se reproduzir.

Os peixes que ocupam a Bacia do Alto Paraguai crescem na planície pantaneira e se reproduzem no planalto. Por isso, dependem da conexão entre rios e planície para cumprirem seu ciclo de vida.

Clique aqui para ler o artigo completo.

Peixes voadores no Pantanal (Foto: Jean Fernandes).

A pesquisa

Com base em variáveis ambientais como temperatura e chuva, os autores estimaram locais adequados para reprodução e vida dos peixes. Além disso, os pesquisadores utilizaram registros de ocorrência de 14 espécies de peixes migradores utilizando a Modelagem de Nicho Ecológico. Esta análise faz a previsão de onde os peixes estarão localizados considerando as diversas intervenções e tem sido amplamente utilizada em planejamento para conservação ao redor do mundo.

Os cenários estimados consideram as 36 barragens já em operação e 104 previstas para serem construídas na BAP sob projeções de mudanças climáticas. Os resultados foram surpreendentes.

A construção de hidrelétricas atua em conjunto com as mudanças climáticas e poderá impedir os deslocamentos peixes migradores para as nascentes dos rios. Cerca de 4% da área de distribuição atual e até 45% da área de distribuição futura de peixes migratórios devem ser bloqueados por barragens na Bacia do Alto Paraguai.

Represas se proliferam pela Bacia do Alto Paraguai e ameaçam vida local (Foto: Silvia Santana /Arquivo Ecoa)

Leia também: Pantanal, eventos extremos e as conexões com as Mudanças Climáticas

Entre as sub-bacias, os resultados mostram que atualmente 10% de áreas disponível para pesca na sub-bacia do rio Cuiabá são bloqueados pelas hidrelétricas em operação. E em um cenário futuro em que se considera as hidrelétricas em operação e as previstas, este bloqueio pode ser de até 67%.

Peixes como pintado, cachara, jau e piraputanga podem ter seus lugares de vida reduzidos caso as hidrelétricas previstas sejam construídas.

As variáveis climáticas mais importantes para a vida dos peixes são temperatura e precipitação. Como as mudanças climáticas levam ao aumento de períodos de seca, afetarão drasticamente as populações de peixes reduzindo seus locais de reprodução. Já as barragens atuam como barreiras físicas, impedindo que os peixes subam o rio para desovar, ameaçando o estoque pesqueiro e a segurança alimentar da região.

Segundo a pesquisa, as mudanças climáticas e a fragmentação dos rios por barragens poderão reduzir o habitat dos peixes entre 47% e 100%. Consequentemente, irá alterar drasticamente a distribuição das espécies na Bacia do Alto Paraguai a partir de 2030. O Piauçu poderá perder todo o seu alcance potencial em 2030. Em 2050, a riqueza local na bacia diminuirá 29% com perda de toda a distribuição do piau verdadeiro e do pintado.

Em 2070, a previsão é que a riqueza de peixes diminua 86% e 78% dos peixes migratórios percam toda a faixa potencial. Por fim, em 2090, os locais atualmente mais ricos (Pantanal Norte e Paraguai) manterão apenas 14% da riqueza atual, diminuindo em 86% a riqueza de peixes.

A maioria das espécies de peixes (78,6%, 11 espécies) terão todo o seu local de reprodução perdido, restando apenas pacu, pacu manteiga e o surubim cachara.

Pesca, a principal fonte de renda da região

A pesca é uma importante atividade econômica do Pantanal, sendo fonte de alimento e renda para muitas famílias da região. Além do impacto ecológico, os efeitos decorrentes das mudanças climáticas e as barragens geram imenso impacto social e econômico.

As espécies avaliadas são grandes e possuem proteína animal de alta qualidade. São elas que sustentam a pesca na região e atraem pescadores profissionais e amadores para as águas pantaneiras.

A redução na ocorrência desses animais pode afetar toda cadeia da pesca: coletores de isca, comércios, fábricas de gelo, fornecedores de equipamentos de pesca, restaurantes, barcos, hotéis, entre outros.

Foto: Arquivo Ecoa

Leia também: O dia em que represas foram proibidas no rio Cuiabá

Esses impactos na economia local podem trazer perdas entre R$ 455,00 e R$ 735,00 (cotação atual) por pessoa, por dia. Em trechos do rio Cuiabá, onde a Ecoa trabalhou e trabalha para impedir que sejam construídas seis represas, por exemplo, o valor econômico anual da pesca recreacional foi estimado em cerca de R$ 9,5 milhões.

O contexto de declínio dos peixes e mudanças climáticas mostra a importância de manter as funções ecológicas e sociais dos habitats de água doce e conservar os peixes migratórios.

Além disso, é fundamental destacar que a conservação da vida aquática fornece alimentos, água potável e renda para a população no futuro com o mínimo de danos a esses ecossistemas.

A Bacia do Alto Paraguai está exposta a diversos problemas ambientais, além da degradação decorrente da construção de hidrelétricas em conjunto com a emergência climática. Por isso, é necessário que medidas de conservação efetivas e ações do poder público sejam alinhadas à ciência para conseguirmos conservar os ecossistemas e suas diversas formas de vida.

 

Deixe uma resposta

Your email address will not be published.

Mais recente de Blog