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No Cerrado, mulheres empenhadas na luta pelo território e suas identidades

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Por Luana Campos (Ecoa)

Cerca de 70 participantes lotaram a Tenda Dona Dijé, que tratou de gênero e território, durante a programação do IX Encontro e Feira dos Povos do Cerrado, em Brasília (DF). A oficina “Articulação de Mulheres do Cerrado: fortalecendo a resiliência, tecendo saberes e compartilhando experiências de resistência” reuniu uma diversidades de mulheres cerradeiras, como quebradeiras de coco, ribeirinhas, indígenas, quilombolas, extrativistas de baru e bocaiuva, para articulação contra a devastação do Cerrado, impulsionada atualmente pelo desmonte das políticas ambientais.

O espaço foi uma realização da Ecoa, em parceria com ActionAid Brasil, CEPF Cerrado, Instituto Internacional de Educação do Brasil (IIEB) e Rede Cerrado.

Nathalia Ziolkowski, da ECOA durante atividade da Tenda D. Dijé sobre território e gênero. Foto: Luana Campos/Ecoa

Nathália Ziolkowski, pesquisadora na Ecoa e responsável pela secretaria da Rede de Mulheres Produtoras do Cerrado e Pantanal (CerraPan) celebra o sucesso da iniciativa, “isso mostra a capacidade de mobilização das mulheres cerradeiras na luta por seus direitos. Superou as expectativas na qualidade do debate e foi um momento único de compartilhamento de experiências de resistência, que honrou a dedicação da nossa homenageada, Dona Dijé, pela conservação do Cerrado, com respeito a sociobiodiversidade. Mulheres empenhadas na luta pelo território e suas identidades”.

Protagonismo feminino na conservação ambiental

As mulheres são protagonistas no manejo, gestão e sustento dos recursos naturais nas comunidades onde vivem, pois entendem a manutenção das florestas e da biodiversidade como parte integrante de seus modos de vida. Por isso, são fundamentais nas ações de conservação ambiental, mitigação e adaptação às mudanças climáticas.

Jéssica Barbosa, representante da ActionAid Brasil, uma das organizadoras do debate. Foto: Luana Campos/Ecoa

Jéssica Barbosa, assessora do Programa de Direito das Mulheres da ActionAid Brasil, observa que elas são as principais afetadas pelos efeitos das mudanças climáticas. “Ao falarmos do Cerrado brasileiro, por exemplo, o papel das mulheres na adaptação das famílias aos longos períodos de estiagem, que tem se tornado cada vez mais frequentes, é fundamental devido sua responsabilidade histórica de gestão da água das famílias”.

Elizabete Cardoso, do Centro de Tecnologia Alternativa da Zona da Mata de Minas Gerais (CTA), e coordenadora do GT de Mulheres da Articulação Nacional de Agroecologia (ANA), explica que, isso se dá porque socialmente as funções do cuidado com a família, da segurança alimentar e da saúde foram delegadas à mulher. Dessa forma elas acabaram muito mais ligadas a alimentação, e portanto, ao cuidado com o ambiente.

São as mulheres que dizem não aos agrotóxicos. Nós, na agroecologia, percebemos que as nossas maiores aliadas são as mulheres. São as mulheres que sabem que aquilo faz mal, as mulheres sabem que provoca câncer, e sabem que não serão felizes enquanto estiverem aplicando veneno na produção”, salienta Cardoso.

Elizabete Cardoso, do Centro de Tecnologia Alternativa da Zona da Mata de Minas Gerais (CTA/ANA). Foto: Luana Campos/Ecoa

A necessidade das mulheres pela igualdade de direitos e de renda em relação aos homens, também foi abordada durante as discussões. Na perspectiva de Cardoso, as produções realizadas pelas mulheres, como quintais agroecológicos para consumo, cultivo de plantas medicinais e mesmo o extrativismo sustentável de frutos nativos, não são contabilizadas da mesma forma que o cultivo de espécies comerciais, e por isso são consideradas práticas menores.

No entanto, um estudo desenvolvido pelo CTA/ANA, demonstra o contrário. Cerca de 70% do que alimenta as famílias agricultoras vêm dos quintais cultivados pelas mulheres. A pesquisa ressalta que caso a produção agroecológica para autoconsumo não existisse, a família teria que retirar parte da sua renda para a alimentação, muitas vezes pouco saudável e mais cara. Além disso, parte dessa produção é vendida, trocada ou doada na comunidade, gerando formas alternativas de circulação e comercialização.

Extrativismo sustentável e resistência

No Cerrado, o extrativismo sustentável de frutos nativos, promove a geração de renda e independência financeira de milhares de mulheres. Maria Alaides de Souza, coordenadora geral do Movimento Interestadual das Quebradeiras de Coco Babaçu (MIQCB), aponta que só no norte do Cerrado 300 mil mulheres ganham a vida como quebradeiras de coco.

Na alta bacia do Rio Miranda, cerca de 80 famílias vivem do extrativismo sustentável da castanha do baru, sendo as mulheres maioria na fase de coleta e quebra do fruto. Na região, funciona o Centro de Produção, Pesquisa e Capacitação do Cerrado (Ceppec), uma associação criada por iniciativa das mulheres do Assentamento Andalucia, em Nioaque (MS).

O processo de geração de renda promovido pelo baru, ajuda a manter a vegetação nativa, fomenta o reflorestamento e o não-uso do fogo no manejo do solo. As ações vêm resultando na recuperação de áreas degradadas, reaparecimento de fauna silvestre, proteção de polinizadores e a produção de água no Andalucia.

Rosana Sampaio, representante do Centro de Produção, Pesquisa e Capacitação do Cerrado (Ceppec) e da CerraPan. Foto: Luana Campos/Ecoa

Rosana Sampaio, conhecida como Preta, é diretora do Ceppec e membro da coordenação da CerraPan. Durante a Tenda D. Dijé, Preta expôs o papel das mulheres e do extrativismo no momento em que muitas conquistas no âmbito das políticas ambientais estão a retroceder. “Nesse momento de opressão e embate declarado contra nossa sabedoria, nossa resistência, nosso habitat natural, precisamos levantar todas as forças. Se for perguntado qual é o papel da mulher do Cerrado nesse movimento, é sempre ser escudo, é sempre ser linha de frente. O extrativismo não é uma arma em defesa do Cerrado, e sim um escudo para a luta, pois defende e dá força para resistir aos impactos”, conclui Preta.

Na comunidade tradicional Antônio Maria Coelho, Edeltrudes de Oliveira, representante da Rede de Comunidades Tradicionais Pantaneiras, vive e trabalha com o extrativismo da bocaiuva (ou macaúba). Por lá os moradores sofrem constantemente com a pressão das empresas de mineração e siderurgia, que há 15 anos tentam retirá-los do local.

Edeltrudes de Oliveira, extrativista, representante da Rede de Comunidades Tradicionais Pantaneiras. Foto: Luana Campos/Ecoa

De acordo com Edeltrudes, depois de muitos conflitos, boa parte da comunidade foi expulsa do território, e quem permaneceu sofre com a poluição decorrente da exploração de minérios e da contaminação da água que a atividade gera. A extrativista ainda frisa que as empresas têm dificultado cada vez mais a coleta da bocaiuva, por conta do desmatamento provocado pela mineração.

Nós lutamos pela nossa vida, porque o nosso território é a nossa vida. Não sabemos viver fora dali. Estamos rodeados por essas empresas e sofrendo muito com a poluição, com a delimitação que eles impõem ao nosso espaço de trabalho. Por pressão das empresas muita gente da comunidade se mudou para a cidade e reclama até hoje que não consegue viver bem”, desabafa Edeltrudes.

Articulação feminina em prol do Cerrado

Durante os debates na Tenda Dona Dijé, Maria do Socorro Teixeira Lima, quebradeira de coco e atual coordenadora da Rede Cerrado, apontou a necessidade de unir as demandas trazidas pelas mulheres diante do que considera “o cenário mais adverso que já teve”.

Célia Xakriabá, professora indígena do povo Xakriabá em Minas Gerais. Foto: Luana Campos/Ecoa

Célia Xakriabá, professora indígena do povo Xakriabá em Minas Gerais, coloca que as mulheres indígenas e de povos tradicionais, tem o compromisso urgente de ocupar outros espaços para além dos territórios originais, já que o que está sendo ameaçado é não somente a morada coletiva, mas principalmente a morada interior. “Quem tem território tem mãe; quem tem mãe, tem colo; quem tem colo, tem lugar para onde voltar; e quem tem para onde voltar, tem cura”, afirma.

Uma comissão, formada por mulheres do Cerrado e organizações da sociedade civil, foi recebida pela Frente Parlamentar Feminista Antirracista, presidida pela deputada Talíria Petrone (PSOL/RJ), em Brasília (DF). Depois de apresentarem seus movimentos organizados, territórios e as realidades em que vivem, as mulheres do Cerrado trataram da importância de terem uma representatividade dentro do poder legislativo.

Joluzia Batista, do Centro Feminista de Estudos e Assessoria (CFEMEA), representante da Frente Parlamentar Feminista Antirracista. Foto: Luana Campos/Ecoa

Durante a Tenda D. Dijé, Joluzia Batista, do Centro Feminista de Estudos e Assessoria (CFEMEA), acompanhou os debates como representante da Frente Parlamentar Feminista Antirracista, reforçando o compromisso de manter diálogos abertos e pensar ações pautadas no que buscam as mulheres do Cerrado.

No final do debate, uma série de encaminhamentos relacionados a questões como a divisão do trabalho doméstico, incentivos e valorização da produção das mulheres, a geração de renda e a paridade nos espaços de decisão, entre outros pontos, foram encaminhados a Rede Cerrado.

As discussões seguirão pelos próximos meses, como parte de uma agenda de rearticulação no Brasil para o debate sobre gênero, meio ambiente e conservação, iniciado no I Encontro de Mulheres do Cerrado, ocorrido em Luziânia (GO), no mês de junho de 2019, sucedido pelo II Encontro de Mulheres Produtoras do Cerrado e Pantanal (CerraPan), realizado em Campo Grande (MS), em julho de 2019.

Confira abaixo os encaminhamentos do debate, na relatoria gráfica produzida durante a Tenda D. Dijé:

Facilitação gráfica produzida durante o evento pela equipe da Kairós Arte da conversa.

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