Publicado originalmente em 22 de fevereiro de 2017
Um dos fatores que causam bastante preocupação no meio científico, mais especificamente aos pesquisadores do Instituto Nacional de Ciência e Tecnologia em Áreas Úmidas (INCT-INAU), são as hidrelétricas, uma vez que tais construções podem afetar diretamente o ambiente do local no qual estão inseridas.
Tanto que os pesquisadores estudam a instalação de novas unidades na transição entre o Planalto e a Planície da Bacia Hidrográfica do Alto Paraguai (BAP). De acordo com o Sistema de Informações Georeferenciadas do Setor Elétrico (Sigel), estão em funcionamento naquela região, atualmente, 41 hidrelétricas e há previsão de implantação de mais 96 novos empreendimentos, o que, totalizaria 137 hidrelétricas em rios formadores do Pantanal.
Esses novos empreendimentos, em sua maioria, são Pequenas Centrais Hidrelétricas, as PCHs, construídas em cascata em um mesmo rio, e que produzem até 30 megawatts (MW). Por conta dessas características e por causarem impactos ambientais considerados baixos, por alagar áreas de até 13 Km², os responsáveis pela execução do projeto não são obrigados a elaborar estudos e relatório de Impacto Ambiental (EIA/RIMA), ficando a cargo do órgão gestor de meio ambiente, a solicitação ou não destes documentos.
No Estado de Mato Grosso, o órgão responsável pelo licenciamento ambiental destes empreendimentos é a Secretaria de Estado de Meio Ambiente (SEMA), que, ao analisar os impactos ambientais, consideram apenas os impactos locais. Os efeitos sinérgicos e acumulativos com outros empreendimentos no mesmo rio ou sub-bacia praticamente não são considerados. “São esses os efeitos que nos deixam bastante preocupados com o futuro do Pantanal, pois ainda não sabemos o que esperar caso todos os 96 empreendimentos sejam construídos”, afirma o professor da Universidade Federal de Mato Grosso (UFMT), Ibraim Fantin, responsável pela pesquisa “Impactos das Hidrelétricas nos rios do Pantanal”.
Desenvolvimento sustentável
“Estamos concentrando esforços para avaliar principalmente o efeito acumulativo destes empreendimentos e prever quais serão seus reflexos sobre o funcionamento hidrológico e ecológico no Pantanal”, explica o pesquisador. A ideia é dar suporte ao órgão gestor na tomada de decisão no processo de licenciamento, fornecendo informações técnicas e cientificas que fundamentem seu parecer. “É importante dizer que não temos a intenção de prejudicar o setor hidrelétrico do Brasil, mas fornecer instrumentos que garantam o desenvolvimento sustentável, obtendo assim um crescimento econômico com conservação ambiental para as atuais e futuras gerações”, esclarece.
Segundo Ibraim, em três anos de pesquisas, foi constatado que as hidrelétricas com barragens, mesmo que pequenas, retêm em seus reservatórios o material particulado oriundo da bacia de contribuição, provocando uma redução significativa no transporte de sedimentos e nutrientes abaixo da barragem. O principal efeito percebido é a modificação morfológica do canal do rio e o aumento da transparência da água. O pesquisador informa que a experiência em outras bacias, como é o caso do Alto Paraná, indicam que as consequências ecológicas do aumento da transparência da água são desastrosas, principalmente pelo desequilíbrio causado na comunidade de peixes, “já que tende a favorecer predadores visuais”.
Outro efeito importante que afeta os peixes é a interrupção de suas rotas migratórias, exercida pela construção de uma barreira física que impede o acesso aos locais de reprodução, tendo em vista que muitas espécies saem do Pantanal para desovar nas cabeceiras. “Se todos os 96 empreendimentos forem construídos, somando-se às 41 PCHs em funcionamento, estima-se que 30% das potenciais rotas de migração de peixes serão perdidas”, afirma Ibraim.
Conforme resultado preliminares da pesquisa, em relação à construção de hidrelétricas em série, o impacto total causado por duas ou mais hidrelétricas, em série, é maior que a soma dos impactos isolados. Outro ponto que merece destaque em sua pesquisa é a constatação de alterações hidrológicas causadas por PCHs, que, até então, se pensava ser insignificante. “Agora sabemos que elas podem provocar mudanças abruptas no nível do rio, devido a manobras operacionais, no entanto essas alterações são de curtas durações”, explica.
Estes fatos exemplificam a importância em se planejar as ações e intervenções na bacia como um todo e não de maneira individualizada e localizada, alerta Ibraim. “Pretendemos propor um zoneamento fluvial da Bacia do Alto Paraguai, com critérios técnicos e objetivos que possam nortear a instalação de novas hidrelétricas. Este zoneamento vai indicar rios de relevância ambiental e os propícios para o desenvolvimento hidrelétrico, buscando assim o desenvolvimento sustentável do Pantanal”, apontou.
PCH x usinas hidrelétricas
As 41 hidrelétricas instaladas na BAP possuem uma capacidade de produção energética de 1070MW. Por sua vez, o potencial de geração de energia previsto para os 96 novos empreendimentos é de apenas 885MW, ou seja, o número de empreendimentos será mais que triplicado e a energia produzida não chegará a ser dobrada. “Não sei quais são os critérios utilizados pelo setor elétrico para avaliar a viabilidade de uma hidrelétrica, mas este descompasso entre número de empreendimentos e energia gerada nos leva a suposição de que o fator motivacional para a construção de pequenas hidrelétricas, com capacidade inferior a 30 MW, ao invés de usinas hidrelétricas que produzem uma quantidade maior que essa, são econômicos”, analisa.
Para o pesquisador, a decisão de construir uma grande hidrelétrica ou várias pequenas deveria levar em consideração, além dos aspectos econômicos, os sociais e os ambientais, pois, segundo ele, as pesquisas ainda não permitem afirmar, de forma categórica, qual dos modelos é mais vantajoso. No entanto, ele cita uma recente pesquisa publicada em um importante periódico internacional, no qual mostra que os impactos gerados por MW produzido, é maior em uma PCH quando comparados a uma usina hidrelétrica, baseada na análise de diversos estudos de casos em todo planeta. No Brasil, a potência gerada pelas pequenas hidrelétricas não chega a 4% da potência total. “Isso nos mostra que temos muitos empreendimentos gerando pouca energia”, concluiu.
O resultado dessa pesquisa pode beneficiar diretamente os pantaneiros, pois proporciona a geração de energia e emprego com proteção ambiental, garante o equilíbrio ambiental do Pantanal, fundamental para a manutenção de sua biodiversidade, característica essa que faz com que este ecossistema seja reconhecido internacionalmente. “O turismo de contemplação e de pesca e a criação extensiva de gado são as principais atividades econômicas sustentáveis desenvolvidas no Pantanal que está intimamente ligado com a cultura e o modo de vida local. Para que essas atividades ocorram, precisamos garantir que o Pantanal inunde seus campos no tempo certo, renovando suas pastagens, que os peixes possam se reproduzir, para servir de alimento para os ribeirinhos e para os visitantes, sejam eles homem, aves ou onça”, finalizou.