O desmatamento no Pantanal faz parte do tripé de ameaças à maior planície alagável do mundo. O Mato Grosso do Sul tem os maiores índices de desmate e tal situação foi respaldada por um estudo comprado, segundo investigações.
Por Graziela Rezende e Aliny Mary Dias, via MidiaMax
O inquérito que apura a devastação de grande parte da vegetação nativa no Pantanal sul-mato-grossense descobriu que o estudo que respalda os desmatamentos foi comprado por R$ 94,2 mil. Contudo, a própria instituição responsável pelo estudo, a Esalq/USP, não endossa os dados apurados e diz que eles não representam posicionamento oficial da instituição. Segundo o MPE-MS (Ministério Público de Mato Grosso do Sul), como não se trata de um “estudo oficial”, jamais deveria ser usado para fundamentar a legislação ambiental, como foi feito pela Semadesc (Secretaria de Meio Ambiente, Desenvolvimento, Ciência, Tecnologia e Inovação).
Esse foi o estudo usado pelo chefe da Semadesc, o secretário Jaime Verruck e pelo ex-governador Reinaldo Azambuja (PSDB) para basear o decreto de 2015 que liberou devastação do Pantanal sul-mato-grossense. O decreto é questionado pela CGU (Controladoria Geral da União), que pediu medidas urgentes para que a legislação ambiental seja cumprida no Estado.
O contrato do estudo, conforme apurado pelo Jornal Midiamax, foi feito entre a Famasul (Federação da Agricultura e Pecuária de Mato Grosso do Sul) e a Fealq (Fundação de Estudos Agrários Luiz de Queiroz), datado no dia 27 de novembro de 2014.
A Fealq é a instituição, conforme o próprio site institucional da entidade, que gerencia os projetos da Esalq-USP (Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz da Universidade de São Paulo), ou seja, os contratos para estudos tocados pela Esalq são assinados pela Fealq.
Na primeira cláusula, o contrato é claro ao expor que a parceria feita pelas entidades possui o objetivo de desenvolver o projeto “exploração ecologicamente sustentável do bioma Pantanal, do ponto de vista econômico e social, de acordo com a Lei Federal 12.651, capítulo III, artigo 10°.
Sob a coordenação de um – até então – professor da Esalq/USP e outros docentes, o estudo deveria trazer dados que contemplassem as seguintes questões: respeitar as normas vigentes no país, gerir o recurso financeiro e desenvolver o manejo sustentável no Pantanal, com “enfoque na avaliação dos impactos sociais e econômicos da execução do Decreto Estadual que institui o Cadastro Ambiental Rural de Mato Grosso do Sul (CAR-MS) e o Programa de Regularização Ambiental denominado ‘MS Nosso Ambiente’, em conformidade com a Lei Federal vigente.
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Esalq/USP não endossa estudo pago pela Famasul para o desmatamento do Pantanal
O que chama atenção é que o estudo sequer é endossado pela instituição responsável pelo levantamento. Procurada pelo Jornal Midiamax, a Esalq informou que o estudo não representa o posicionamento oficial da entidade.
Em nota, a Esalq/USP alegou que compete, exclusivamente, a verificação do cumprimento da legislação pertinente e de normativos internos para a execução do projeto de pesquisa, ressaltando que docentes e pesquisadores não submetem seus projetos e respectivos objetivos, resultados e conclusões para apreciação da universidade e, portanto, os resultados e proposições apontadas no estudo em questão não representam posicionamento oficial da Esalq/USP.
Além disto, em consulta realizada pela diretoria da Esalq, o docente responsável pelo projeto esclareceu que os aspectos técnicos questionados não foram contemplados no objeto do estudo. O Jornal Midiamax solicitou entrevista com os docentes envolvidos na época e aguarda retorno.
MP aponta que estudo também não poderia ‘fundamentar’ o percentual do desmatamento
Durante a investigação, o Ministério Público procurou a universidade e buscou falar com o coordenador, enviando diversos e-mails, no entanto, o órgão descobriu que o professor responsável sequer cita este projeto no currículo dele. Com o passar dos dias, a força-tarefa envolvida na investigação constatou que o estudo não é oficial. Ou seja não poderia “fundamentar” o percentual de desmate posteriormente definido por autoridades em Mato Grosso do Sul.
Nas considerações finais, o estudo detalha que “buscou elucidar os possíveis e principais impactos econômicos e sociais resultantes da introdução de pastagem cultivada no bioma Pantanal, visando à viabilidade econômica da pecuária de corte no curto, médio e longo prazo”, ressaltando que o impacto ambiental não faz parte desta ação.
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Com isso, o relatório concluiu apontando 77% como sendo o percentual mínimo de pastagem cultivada para que a pecuária de corte pantaneira seja viável, economicamente, em uma área de até 5 mil hectares. De 5.001 a 10 mil hectares o percentual fica de até 61%, de 10.001 a 20 mil hectares vai para até 52% da área total. Por fim, acima de 20.001 hectares o percentual é de até 49%, sendo que, percentuais menores “desestimulam produtores a continuarem na região”.
O estudo também conclui dizendo que a manutenção do bioma é importante, porém, o impacto em arrecadação de impostos e em geração de empregos também deveria ser considerado, permitindo desenvolvimento econômico e social para a região.
Ou seja, desde o início, a intenção era de mensurar o impacto da nova legislação ambiental em toda a região do Pantanal, mas, conforme o Ministério Público, não se trata de um órgão oficial e por isso esta e outras diversas considerações jurídicas constam no inquérito, principalmente, com base no artigo 10 do Código Florestal, da Lei 12.651, de 25 de maio de 2012, onde está escrito:
“Nos pantanais e planícies pantaneiras, é permitida a exploração ecologicamente sustentável, devendo-se considerar as recomendações técnicas dos órgãos oficiais de pesquisa, ficando novas supressões de vegetação nativa para uso alternativo do solo condicionadas à autorização do órgão estadual do meio ambiente, com base nas recomendações mencionadas neste artigo“.
Embrapa diz que sempre contribui com parecer para elaboração de políticas públicas
A Embrapa (Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária), que desenvolve pesquisas e sempre contribui com parecer técnico e científico para elaboração de políticas públicas, seja em diferentes órgãos públicos de nível federal, estadual e municipal, ressalta que, neste caso, emitiu nota técnica atendendo a solicitação formalizada pelo Imasul (Instituto do Meio Ambiente de Mato Grosso do Sul), elaborando subsídios técnicos e científicos referentes ao CAR/MS, em consonância com o Art. 10 do Código Florestal.
“…Importante citar que a Embrapa Pantanal apenas auxilia tecnicamente com informações os tomadores de decisões e que cabe aos órgãos executivo e legislativo, diante de suas competências e autonomias, a tomada de decisões referente a formulação de políticas públicas”, explica a nota enviada ao Jornal Midiamax.
“Estamos falando de instituições líderes, tanto a USP como a Embrapa. Eu não me aprofundei no assunto, mas, se há algo suspeito, precisa realmente ser apurado. Imagino que, um estudo de peso, sempre deve envolver estas instituições, em especial a Embrapa que possui um centro para isso. Aqui por exemplo, temos a Embrapa Pantanal, então, como eu disse, se não levou em conta estudos da Embrapa e de outras instituições, é algo um pouco estranho”, opinou o engenheiro agrônomo e pesquisador em sistemas integrados de produção, Roberto Giolo.
O Jornal Midiamax também entrou em contato com a Famasul e o Imasul, mas não houve respostas até a publicação deste texto. As tentativas de contato foram formalizadas e devidamente registradas.