Natureza se encarrega de corrigir crime ambiental da Agesul

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Imagem anexada ao inquério do MPE indicando local onde passa a estrada atual e local onde está localizada a ponte de acesso a Porto Esperança

Neri Kaspary, Correio do Estado

Há exatos dois anos, o Ibama aplicou multa de R$ 3 milhões à Agesul por ter  obstruído por completo a foz do corixo Mutum, próximo ao Porto Esperança, na margem esquerda do Rio Paraguai. Apesar da punição, resultado da reclamação de moradores pantaneiros, a terra nunca foi retirada, mas agora, com a cheia no Pantanal, a própria natureza se encarregou de restabelecer o fluxo natural das águas.

No começo de agosto de 2021, o nível do Rio Paraguai estava com apenas 92 centímetros na régua de Ladário. E em meio àquele cenário de estiagem extrema, técnicos da Agesul, sem terem noção da importância do corixo Mutum (ou córrego Mutum), instalaram um aterro na vazante para facilitar o acesso da comitiva do governador Reinaldo Azambuja ao distrito de Porto Esperança, onde lançaria uma obra de pavimentação de 11 quilômetros de asfalto entre a BR-262 e o povoado.

“O nível da água estava muito baixo, mas não estava seco”, explica o guia turístico Sebastião Dias Marcelo, que há mais de duas décadas transita de barco pelo corixo lavando turistas para pescar ou para tomar banho em uma prainha de águas transparentes próximo à foz do Mutum no Rio Paraguai.

Com a cheia do rio Paraguai neste ano, atingindo pico de 4,24 metros no final de julho (3,32 metros mais alto que em 2021), a própria natureza se encarregou de encobrir e destruir esse aterro, que tinha cerca de 50 metros de comprimento e dez de largura na barra do corixo.

Mas antes mesmo de o rio Paraguai atingir este nível, a água do Rio Miranda que desceu pela vazante se encarregou de levar embora parte da terra e devolver a nevegabilidade ao corixo. Segundo Sebastião Dias, mais conhecido como Tião Guia de Pesca, esse corixo é uma espécie de braço do rio Miranda e percorre perto de cem quilômetros pela planície pantaneira.

“A Maria do Jacaré, na beira da BR-262, próximo da cidade de Miranda, ficou famosa com os jacarés do corixo Mutum. Aí você tem uma ideia do tamanho e da importância dessa vazante. Mas esse pessoal não tem noção de Pantanal e resolveu colocar um aterro bem no final do corixo no auge daquela seca de 2021”,  explica o guia turístico ao dar uma espécie de aula de geografia e meio ambiente àqueles que se entendem habilitados a intervir indiscriminadamente na maior planície alagável do mundo.

A famosa Maria do Jacaré morreu exatamente no período em que a Agesul construía o aterro, em julho de 2021, aos 68 anos. Mas o ponto de parada e os seus jacarés continuam fazendo sucesso, pois com a cheia, o Pantanal e o corixo reviveram em 2023.

“Faz quinze dias que passei lá de barco levando pescadores pelo local do aterro. Parte daquela terra foi levada para o leito do Rio Paraguai, mas ainda tem muita terra lá, que deveria ser retirada depois que a água baixar”, cobra o “professor” Tião Guia de Pesca.

Depois da denúncia dos moradores do Porto Esperança e da multa do Ibama, o Ministério Público chegou a instaurar inquéritoe, em junho do ano passado, para exigir que o crime ambiental fosse corrigido, mas até agora a ação ainda tramita e não foi firmado nenhum acordo ou ajuizada ação judicial.

O máximo que a ação conseguiu foi convencer a Agesul a instalar alguns dutos sob o aterro para permitir que a água voltasse a fluir, mas isso só ocorria depois que o nível atingia determinada altura e também não permitia que os peixes subissem pela vazante durante o período de piracema

De acordo com relato de moradores  transcrito por agentes do Ibama, o aterro foi instalado principalmente para facilitar o acesso do governador Reinaldo Azambuja e outras autoridades para o lançamento da obra de pavimentação de 11 quilômetros, orçada em pouco mais de R$ 13 milhões.

O aterro foi improvisado e mantido porque a ponte que existia no local havia décadas estava danificada e em vez de reparar a ponte, criaram a nova passagem.

Boa parte dos R$ 13 milhões está justamente sendo aplicado na construção de uma ponte de concreto sobre esta vazante. Então, “se estão construíndo uma ponte de concreto naquele lugar é porque sabiam que ali existe uma vazante que tem água o ano inteiro”, lembra Tião Guia de Pesca.

Em nota, a Agesul informou que “o  inquérito civil n° 06.2022.00000623-2 segue em tramitação, aguardando diligência do órgão ambiental de Corumbá. O governo atual reforça compromisso com a preservação do bioma pantaneiro e lembra que desde janeiro de 2023 determinou a paralisação de uma série de obras na região para melhor avaliação dos impactos.”

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