Ecologia do baru

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castanha de baru
Pé de baru (Foto: Raquel Alves/Arquivo Ecoa)

Árvore do Cerrado, o baru participa de diversas interações ecológicas.

  • A espécie frutifica na seca. Por isso, seus frutos são uma fonte de alimento importante.
  • O baru pertence à família das leguminosas, plantas capazes de se associar à fungos e bactérias que beneficiam o solo.
  • Já sua polinização é feita em especial por abelhas conhecidas como mamangavas, algumas solitárias, outras sociais. 

No meio da savana, ela surge imponente. A árvore frondosa se destaca na paisagem. Não apenas por seu porte, mas também pela sombra que oferece, pelos seus frutos adocicados esparramados pelo chão.  

Típico do Cerrado, o baru pode ser reconhecido de longe. Em solos férteis, pode alcançar mais de 25 metros de altura. Sua casca esbranquiçada é formada por placas facilmente destacadas. Além disso, possui folhas diferenciadas, compostas por vários folíolos. 

No ambiente em que finca suas raízes, a árvore estabelece uma série de interações. Enquanto beneficia diversas espécies, depende de tantas outras. O fruto do baru é também fonte de sustento para muitas famílias extrativistas do Cerrado. Mas, para além da sua importância social e econômica, a espécie possui também papel fundamental no ecossistema que a cerca.  

 

Baruzeiro na região de Nioaque (MS) Foto: Adriel Abreu / Arquivo Ecoa

Um fruto na seca 

É no período de seca, entre os meses de abril e setembro, que o baru frutifica. Essa característica faz da árvore uma fonte de alimento importante para diversas espécies, já que é uma das poucas que fornecem frutos altamente nutritivos durante essa época do ano.  

A produção de frutos por planta pode chegar a 5 mil unidades por safra, mas variações ocorrem tanto entre indivíduos quanto entre anos diferentes. A árvore começa a produzir com cerca de cinco anos e, quanto mais jovem é o indivíduo, maior a produção.  

Foto: Geraldo Lúcio / Turismo Rural MT
Foto: Vania T

Araras, macacos, bovinos, morcegos, antas e várias espécies de roedores são alguns dos animais que consomem a nutritiva polpa do baru. Até formigas, cupins e pequenos besouros costumam se alimentar dos frutos caídos no chão.

Em uma troca de favores típica da natureza, os animais que se alimentam também trazem benefícios para o baru.  Thiago Miguel, biólogo e mestrando em Biologia Vegetal, explica que algumas dessas espécies são fundamentais para a dispersão das sementes.  

“No caso dos roedores, como a cutia, além de roer o fruto e dispersar, ela também enterra a semente para consumir em outro momento. Mas sempre tem risco dela esquecer e não voltar para pegar. Sem a polpa, a germinação fica ainda mais fácil”.  

A dispersão feita por morcegos é outro exemplo citado pelo biólogo. “Ele é um plantador natural de baru. Os morcegos costumam retirar o fruto para se alimentar e soltar a semente a 3, 4km de distância”. 

Foto: Geraldo Lúcio / Turismo Rural MT

Nas Raízes, um vínculo profundo  

Outra importante relação ecológica do baru se dá em suas raízes.  

O pé de baru pertence à família das leguminosas, a mesma do feijão, da vagem e da ervilha. Parte das leguminosas vivem em simbiose com bactérias e fungos capazes de capturar nitrogênio da atmosfera e disponibilizá-lo no solo.  

Por meio da relação estreita entre as raízes da planta e esses organismos, são formadas estruturas nodulares onde o nitrogênio é convertido e disponibilizado no solo. Assim, o nutriente é utilizado pelas próprias leguminosas e suas vizinhas.  

O agricultor familiar e extrativista Altair de Souza explica que o baru e outras leguminosas atuam como um ‘adubo verde’. 

Altair de Souza é agricultor e extrativista do baru (Foto: Arquivo Ecoa)

“O pé de baru é também favorável para outras plantas, ajuda a disponibilizar o nitrogênio que é um dos nutrientes mais importantes. De maneira alguma vai prejudicar outras espécies. A árvore simplesmente fortalece todo mundo, seja planta nativa ou não”. 

Altair também reforça que a árvore pode trazer grandes benefícios para a agricultura. “Ela pode ser utilizada em sistemas de plantio como a agrofloresta e silvipastoril. Onde tem baru, é certeza que o solo vai ser mais propício para o plantio”.  

Foto: A Planta da Vez

A visita da gigante solitária  

Com o início das chuvas, a frondosa copa do baru se enche de pequenas flores que trazem mais cor para o Cerrado.  

É observando a florada que os extrativistas conseguem estimar como será a safra seguinte do fruto. Mas não é somente a atenção dos coletores de baru que é despertada. Nesse momento, a árvore passa a receber visitantes ansiosamente aguardados: os polinizadores.

Foto: Projeto Mamangava

Maria Rosângela Sigrist é doutora em Biologia Vegetal/Unicamp e professora titular da Universidade Federal de Mato Grosso do Sul. Entre suas áreas de pesquisa, estão ecologia da polinização e fenologia reprodutiva de plantas, incluindo do baru. 

Segundo a professora, as flores do baru são polinizadas principalmente por abelhas. Dentre elas, há uma visita em especial que ganha destaque por sua eficiência na polinização. São as mamangavas (Xylocopa suspecta), abelhas grandes, resistentes e bastante barulhentas. No caso da Xylocopa, tratam-se de indivíduos solitários. 

“O cumbaru produz mais fruto quando tem polinização cruzada, com pólen de árvores diferente. Apesar de ser bastante frequentada por Apis mellifera [abelha africanizada], elas só fazem visitas dentro de mesma árvore. Quem poliniza mesmo são as abelhas solitárias, como as mamangavas”.  

As mamangavas possuem comportamento que potencializam a polinização cruzada. É comum visitarem elevado número de flores e em curto período de tempo. Além disso, costumam ser as primeiras a visitar as flores, concentrando as atividades na primeira metade da manhã. 

Rosângela explica que, para favorecer a polinização e consequente conservação do baru, é recomendado tratar bem as mamangavas.  

“Dá para beneficiar o cumbaru mantendo locais para nidificação da mamangava, como troncos de árvores, mantendo outras espécies floridas na região e evitando colocar caixas de Apis mellifera porque elas expulsam as outras”. 

No ciclo do Cerrado, o baruzeiro colabora para a manutenção das abelhas solitárias que polinizam outras espécies vegetais, como as dos ipês e guaviras, por exemplo. Estas, por sua vez, agradecem seguindo barulhentas para a próxima árvore.  

Foto: Viveiro Ipê

Conservação 

O Cerrado, segundo bioma mais extenso do Brasil e um dos mais ricos em biodiversidade, encontra-se ameaçado.  A vegetação nativa segue sendo eliminada para inserção de gado e monoculturas como plantações de soja.  

Atualmente, o bioma já perdeu metade da sua cobertura vegetal. Com 45,6% de sua área convertida em plantações, pastagens, estradas, hidrelétricas e cidades, o Cerrado é o segundo bioma brasileiro mais alterado pela ação humana. 

Consequentemente, a biodiversidade local também entra na rota da destruição, como é o caso do baruzeiro. Segundo a Lista Vermelha de Espécies Ameaçadas, da União Internacional para a Conservação da Natureza (IUCN), a espécie é considerada vulnerável e com número de indivíduos em declínio.

As relações ecológicas que envolvem o baruzeiro são uma prova incontestável da importância de mantê-lo em pé. Sua relevância ambiental, social e econômica precisa ser constantemente relembrada, assim como do Cerrado onde a árvore finca suas raízes. 

Foto: Arquivo Ecoa

Extrativismo sustentável do baru

O fruto do baruzeiro é também uma importante fonte de renda para famílias do Cerrado. Com apoio da Fundação Banco do Brasil, a Ecoa e o Centro de Produção, Pesquisa e Capacitação do Cerrado (CEPPEC) executam o projeto ‘Cadeia Socioprodutiva do Baru: agregando renda às famílias agroextrativistas no Mato Grosso do Sul e a proteção do Cerrado’. 

O projeto promoveu a estruturação da cadeia do baru, da colheita até seu escoamento e comercialização. Como consequência direta, foi possível garantir o aumento na renda de famílias que trabalham com o extrativismo sustentável do fruto. A equipe de campo do projeto alcançou 100 famílias coletoras de baru, que passaram a compor a articulação. 

Conheça melhor o projeto! Para saber mais, clique aqui.

 

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