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Escrito nas árvores – anéis que contam uma história climática

8 minutos de leitura
Imagem: Pixabay

Por Alcides Faria, biólogo e diretor executivo da Ecoa*

 

Os anéis das árvores contam a história climática ao longo dos anos – quando há falta de chuva elas concentram forças para sobreviver e crescem menos ou não crescem e os anéis se sobrepõem, quando chove bem e o solo tem água disponível, crescem, o que, por seu turno, é mostrado nos anéis alargados. A partir desse conhecimento, pesquisadores da Argentina, Bolívia, Chile, Estados Unidos, França e Inglaterra estudaram cerca de 15 mil árvores de espécies longevas, com a perspectiva de elaborar o primeiro Atlas de Secas da América do Sul (SADA em inglês) e concluíram que desde o ano de 1400 as árvores não cresciam tão pouco como nas últimas décadas.

O trabalho alcançou a parte Centro-sul da América do Sul – a partir do sul do Peru em um lado dos Andes e a da bacia do rio da Prata do outro lado.

O resultado foi apresentado na publicação PNAS, da Academia de Ciências do Estados Unidos. Os pesquisadores identificam que o “SADA mostra que a frequência de secas severas e chuvas extremas generalizadas desde a década de 1960 não tem precedentes. Os principais eventos expressos no SADA estão associados a fortes anomalias como o El Niño Oscilação Sul (ENSO) e Modo Anular Sul (SAM), devido ao aumento das emissões de gases de efeito estufa podem causar secas e chuvas mais extremas na América do Sul durante o século 21”.

O estudo recompilou dados de mais de 15 mil árvores localizadas em cerca de 300 florestas do sul do Peru à Terra do Fogo, o extremo sul do continente sul-americano, dos dois lados da cordilheira dos Andes.

No trabalho é registrado que a região subtropical da bacia do Prata está frequentemente exposta a desastres de enchentes. Cidades e vilas ao longo das margens dos rios, como a cidade de Santa Fé (bacia do meio do rio Paraná, Argentina), forneceram evidências documentais abundantes de eventos de enchentes significativas. Destacaram “inundações de 1651 a 1652 e 1723. As enchentes de 1651 a 1652 destruíram mais da metade da cidade de Santa Fé, levando à realocação à sua posição atual”. Em 1723, as aldeias e campos cultivados próximos ao rio Paraná sofreram graves inundações, causando danos a edifícios, doenças (por exemplo, disenteria) e perda de safras e gado.

O mapa SADA para o ano de 1723 mostra condições extremas de umidade para a bacia do alto Paraná (leste do Paraguai, sul do Brasil, nordeste da Argentina). Essas condições úmidas também se estendem aos Pampas e centro-oeste da Argentina e diminuem gradualmente em direção ao centro do Chile. Afirmam que os casos selecionados, como o da cidade de Santa Fé, demonstram que a análise realizada a partir do anéis de mais de 15 mil árvores para elaboração do SADA estava em conformidade com o ‘hidroclima’ em cada período: “o SADA fornece informações espaço-temporais confiáveis sobre os extremos do ‘hidroclima’ e suas conexões com os impactos socioeconômicos”.

O estudo mostra que, mais perto no tempo, as florestas andinas ficaram marcadas pela grande seca de 1968, a qual teve um grande impacto no Chile: a produção agrícola despencou 65% e o gado do país se reduziu à quase metade. A ausência severa de precipitações se repetiu em 1976-77, 1996-97, 2007-2008 e de 2010 a 2019.

Os pesquisadores demonstram que o trabalho fornece um contexto de longo prazo para a nossa compreensão atual dos extremos do ‘hidroclima’ e identifica uma intensificação das secas severas mais generalizadas desde meados do século 20 e este aumento nas secas prolongadas é consistente “com a tendência positiva documentada. Simultaneamente à intensificação de secas severas generalizadas, o SADA mostra que as chuvas extremas também foram mais frequentes durante a segunda metade do século 20”.

Ao El País (Espanha) Mariano Morales, diretor do projeto SADA e pesquisador do Laboratório de Dendrocronologia do Instituto Argentino de Nivologia, Glaciologia e Ciências Ambientais (Ianigla) afirmou que “Desde a década de sessenta os eventos hidro-climáticos extremos estão aumentando no tempo. Antes era um a cada 20 anos, agora a cada 10 anos aproximadamente há uma seca extrema. O Atlas por si só não fornece evidências sobre quanto das mudanças observadas se devem aos efeitos provocados pelas atividades humanas, mas sabemos que existe uma associação estreita. As emissões de gases de efeito estufa estão causando maiores eventos extremos e podemos prever o que continuará no tempo”.

As conclusões do trabalho dos cientistas, publicado em julho de 2020, coincidem com a situação atual, são corroboradas pelos fatos, como por exemplo quando se analisa a média histórica de chuvas dos últimos 10 anos no Noroeste de São Paulo verifica-se que as chuvas estão aproximadamente 27% abaixo da média histórica registrada e a “temperatura média anual está cerca de meio grau acima da média dos últimos 10 anos”, segundo o engenheiro sanitarista José Mario Ferreira de Andrade. Entre março e junho de 2018 o então presidente da Argentina, Mauricio Macri, deu várias entrevistas afirmando que o prejuízo para o país devido a “maior seca em 50 anos” foi de cerca de 8 bilhões de dólares. Vale lembrar que 80% da população argentina vive nas planícies dos rios Paraguai e Paraná.

 

*Parte do artigo Crise hídrica ou uma grande crise ambiental construída na parte mais habitada e economicamente desenvolvida do Brasil e da América do Sul, do biólogo e diretor da Ecoa Alcides Faria.

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