///

Crise hídrica ou uma crise ambiental construída?

35 minutos de leitura
Imagem: Freepik

Por Alcides Faria, biólogo e diretor executivo da Ecoa

Publicada originalmente em 31 de maio de 2021

 

No dia 27 de maio de 2021 o Comitê de Monitoramento do Sistema Elétrico (CSME) emitiu tardio alerta de “emergência hídrica” para 5 estados brasileiros.

– Brasil com represas retendo água, Paraguai e Argentina implorando para que o País libere água para transporte de produção agrícola.

– Governo federal tardiamente cria “sala de situação” para tratar da falta de água nas represas. 

– Falta água para cidades para a navegação; geração de energia; para a agricultura e outros usos.

– Crise assola Argentina, Brasil, Paraguai e Uruguai e não é um fenômeno de 2021. Está escrito nos anéis das árvores: secas severas, mais generalizadas, ocorrem desde meados do século 20, alcançando a drástica situação da última década e seguindo na atual.

– As secas severas repetiram-se em 1976-77, 1996-97, 2007-2008 e de 2010 a 2021.

– “As emissões de gases de efeito estufa estão causando maiores eventos extremos e podemos prever o que continuará no tempo”.

– A principal unidade ambiental atingida é a bacia do rio da Prata – formada pelos rios Paraná, Paraguai e Uruguai.

 

Ituzangó, Puerto Iguazú, Corrientes, Cáceres, Rosário, Icém, São Paulo, Brasilia, Asunción, São Simão, Santa Vitória, Barão de Melgaço, Curitiba. O que estas localidades, tão distantes entre si, têm em comum atualmente? Elas e inúmeras outras, em diferentes países da parte Sul da América do Sul e estados brasileiros, têm em comum o fato de fazerem parte da região mais desenvolvida economicamente, com maior concentração populacional e nas quais ocorre crítica falta de água para atividades essenciais como abastecimento humano; geração de energia elétrica; navegação e agricultura. Outras atividades estão também muito prejudicadas, como é o caso da pesca e o turismo.

A unidade ambiental onde são mais evidentes os problemas de falta de água é a bacia hidrográfica do rio da Prata, formada pelos rios Paraná, Paraguai e Uruguai. No Brasil a bacia do Prata tem partes das suas três sub-bacias constituidoras. Abarca parte dos estados do Rio Grande do Sul, Santa Catarina, Paraná, São Paulo, Minas Gerais, Goiás, Distrito Federal, Mato Grosso e a totalidade de Mato Grosso do Sul, sendo que este último está dividido entre as sub-bacias do Paraná e a do Paraguai. A bacia do Prata ocupa pouco mais de 17% do território brasileiro e abriga 54% da população. 64% da energia elétrica de fonte hidráulica do País é gerada pelas 84 usinas hidrelétricas de grande porte instaladas na Bacia.

Ao se buscar informações acuradas sobre a escassez e suas consequências, elas são apresentadas de maneira desconectada, independentemente, tratadas como “fenômenos” regionais, temporais e que certamente se resolverá com um milagre vindo dos céus, com o próximo ciclo de chuvas. Uma análise atenta, porém, permite deslindar que, na verdade, o que se passa no presente é parte de processos já inscritos na história ambiental dessa parte do Planeta e de um conjunto de outros processos globais, nacionais e regionais, dentre eles o modelo de ocupação econômica desse riquíssimo território que é a bacia do rio da Prata.

Eventos climáticos extremos às vezes causam grandes danos ambientais e podem até mesmo mudar rumos econômicos de regiões e mesmo de países. Quando estes eventos ocorrem em consonância com modos econômicos não apropriados para os territórios ou predatórios no uso de bens naturais alimentam crises econômicas que podem levar a mudanças e a crises políticas, pois a política move-se na subsuperfície da economia.

 

Governo emite alerta de “emergência hídrica”

Tardiamente o governo brasileiro emitiu no dia 27 de maio, através do Comitê de Monitoramento do Sistema Elétrico (CSME),  alerta sobre o grave quadro de falta de água nas represas de 5 estados brasileiros, informando que recomenda “segurar água” ou flexibilizar a operação nas represas, destacadamente nas de Jupiá, Porto Primavera, Ilha Solteira, Três Irmãos, Xingó, Furnas e Mascarenhas de Moraes, das quais apenas a de Xingó (bacia do rio São Francisco) não é na bacia do rio Paraná. Vale notar a sequência de represas no leito do rio Paraná: Ilha Solteira, Jupiá e Porto Primavera – a represa seguinte é a de Itaipu, a última em território brasileiro.

A flexibilização é proposta quando a seca é severa e impacta outras atividades com a redução do volume dos rios como interromper a navegação e a captação de água para irrigação e abastecimento humano. Desenha-se uma situação muito complicada, pois os governos da Argentina e do Paraguai demandam que o Brasil libere água de suas represas na bacia do Paraná para que possam ter condições de abastecimento de cidades e navegação.

O presidente do Senado brasileiro, Rodrigo Pacheco, dá uma dimensão ao tamanho dos problemas ao criticar as medidas do governo e do Operador Nacional do Sistema Elétrico (ONS) de contenção de águas nas represas. Para o senador, o ONS “se apoderou das águas brasileiras para um propósito único de geração de energia” sem planos de longo prazo, reduzindo os níveis de água, impactando negativamente outras atividades como o abastecimento humano, o turismo, a navegação, a psicultura, a agropecuária e o ambiente.

 

Escrito nas árvores – Os anéis contam parte da história

Os anéis das árvores contam a história climática ao longo dos anos – quando há falta de chuva elas concentram forças para sobreviver e crescem menos ou não crescem e os anéis se sobrepõem, quando chove bem e o solo tem água disponível, crescem, o que, por seu turno, é mostrado nos anéis alargados. A partir desse conhecimento, pesquisadores da Argentina, Bolívia, Chile, Estados Unidos, França e Inglaterra estudaram cerca de 15 mil árvores de espécies longevas, com a perspectiva de elaborar o primeiro Atlas de Secas da América do Sul (SADA em inglês) e concluíram que desde o ano de 1400 as árvores não cresciam tão pouco como nas últimas décadas.

O trabalho alcançou a parte Centro-sul da América do Sul – a partir do sul do Peru em um lado dos Andes e a da bacia do rio da Prata do outro lado.

O resultado foi apresentado na publicação PNAS, da Academia de Ciências do Estados Unidos. Os pesquisadores identificam que o “SADA mostra que a frequência de secas severas e chuvas extremas generalizadas desde a década de 1960 não tem precedentes. Os principais eventos expressos no SADA estão associados a fortes anomalias como o El Niño Oscilação Sul (ENSO) e Modo Anular Sul (SAM), devido ao aumento das emissões de gases de efeito estufa podem causar secas e chuvas mais extremas na América do Sul durante o século 21”.

O estudo recompilou dados de mais de 15 mil árvores localizadas em cerca de 300 florestas do sul do Peru à Terra do Fogo, o extremo sul do continente sul-americano, dos dois lados da cordilheira dos Andes.

No trabalho é registrado que a região subtropical da bacia do Prata está frequentemente exposta a desastres de enchentes. Cidades e vilas ao longo das margens dos rios, como a cidade de Santa Fé (bacia do meio do rio Paraná, Argentina), forneceram evidências documentais abundantes de eventos de enchentes significativas. Destacaram “inundações de 1651 a 1652 e 1723. As enchentes de 1651 a 1652 destruíram mais da metade da cidade de Santa Fé, levando à realocação à sua posição atual”. Em 1723, as aldeias e campos cultivados próximos ao rio Paraná sofreram graves inundações, causando danos a edifícios, doenças (por exemplo, disenteria) e perda de safras e gado.

O mapa SADA para o ano de 1723 mostra condições extremas de umidade para a bacia do alto Paraná (leste do Paraguai, sul do Brasil, nordeste da Argentina). Essas condições úmidas também se estendem aos Pampas e centro-oeste da Argentina e diminuem gradualmente em direção ao centro do Chile. Afirmam que os casos selecionados, como o da cidade de Santa Fé, demonstram que a análise realizada a partir do anéis de mais de 15 mil árvores para elaboração do SADA estava em conformidade com o ‘hidroclima’ em cada período: “o SADA fornece informações espaço-temporais confiáveis sobre os extremos do ‘hidroclima’ e suas conexões com os impactos socioeconômicos”.

 

O estudo mostra que, mais perto no tempo, as florestas andinas ficaram marcadas pela grande seca de 1968, a qual teve um grande impacto no Chile: a produção agrícola despencou 65% e o gado do país se reduziu à quase metade. A ausência severa de precipitações se repetiu em 1976-77, 1996-97, 2007-2008 e de 2010 a 2019.

Os pesquisadores demonstram que o trabalho fornece um contexto de longo prazo para a nossa compreensão atual dos extremos do ‘hidroclima’ e identifica uma intensificação das secas severas mais generalizadas desde meados do século 20 e este aumento nas secas prolongadas é consistente “com a tendência positiva documentada. Simultaneamente à intensificação de secas severas generalizadas, o SADA mostra que as chuvas extremas também foram mais frequentes durante a segunda metade do século 20”.

Ao El País (Espanha) Mariano Morales, diretor do projeto SADA e pesquisador do Laboratório de Dendrocronologia do Instituto Argentino de Nivologia, Glaciologia e Ciências Ambientais (Ianigla) afirmou que “Desde a década de sessenta os eventos hidro-climáticos extremos estão aumentando no tempo. Antes era um a cada 20 anos, agora a cada 10 anos aproximadamente há uma seca extrema. O Atlas por si só não fornece evidências sobre quanto das mudanças observadas se devem aos efeitos provocados pelas atividades humanas, mas sabemos que existe uma associação estreita. As emissões de gases de efeito estufa estão causando maiores eventos extremos e podemos prever o que continuará no tempo”.

As conclusões do trabalho dos cientistas, publicado em julho de 2020, coincidem com a situação atual, são corroboradas pelos fatos, como por exemplo quando se analisa a média histórica de chuvas dos últimos 10 anos no Noroeste de São Paulo verifica-se que as chuvas estão aproximadamente 27% abaixo da média histórica registrada e a “temperatura média anual está cerca de meio grau acima da média dos últimos 10 anos”, segundo o engenheiro sanitarista José Mario Ferreira de Andrade. Entre março e junho de 2018 o então presidente da Argentina, Mauricio Macri, deu várias entrevistas afirmando que o prejuízo para o país devido a “maior seca em 50 anos” foi de cerca de 8 bilhões de dólares. Vale lembrar que 80% da população argentina vive nas planícies dos rios Paraguai e Paraná.

 

Energia cara, incêndios cargas não transportadas, prejuízos na agricultura: as partes mais visíveis da crise ambiental

Talvez a parte mais visível das consequências atual crise ambiental/hídrica sejam os incêndios devastadores enfrentados pela região do Pantanal, compartida entre Brasil, Bolivia e Paraguai. Em 2019 incêndios destruíram mais de dois milhões de hectares entre os 3 países, ultrapassando os 4 milhões de hectares em 2020. Outro elemento que dá uma medida dos atuais processos é o registro de que na área brasileira da bacia do rio da Prata ocorreu um dos menores índices de chuvas da história entre setembro de 2020 e maio de 2021, particularmente na região onde se encontram os reservatórios das principais hidrelétricas, promovendo a pior situação desde 2015. Tenha-se em conta que este período é exatamente o de plantio e colheita das lavouras nas regiões de maior produção.

 

Cidades, abastecimento de água e conflitos com outros usos

Na Argentina o governo central e provinciais demandaram/demandam por um “regime hídrico estável”, pois a tomada de água de muitas cidades do País é no rio Paraná e se faria necessária a abertura das “comportas de muitas represas rio acima no Brasil”, como o fizeram o governador da província de Misiones, Oscar Herrera, e o embaixador da Argentina em Brasília, Daniel Scioli. Este também tratou da necessidade da represa de Itaipu liberar água para dar condições de navegação ao rio Paraná em território argentino e paraguaio.

Mas os problemas para abastecimento de cidades da bacia do rio Paraná e em suas sub-bacias são recorrentes e se apresentam há anos. O exemplo mais evidente é o da falta de água que atingiu duramente a capital e o estado de São Paulo, o mais populoso e industrializado do País, a partir de 2014.

A cidade de São Paulo estaria na iminência da falta de água novamente, segundo o geógrafo Wagner Ribeiro em plena pandemia de covid-19. Segundo dados dos mananciais da Sabesp, o volume total armazenado nos reservatórios que abastecem a região metropolitana é de 60,1%. Menos 15 pontos percentuais do que o registrado no ano passado, na ordem de 75%. Para a professora Ana Paula Fracalanza, da Universidade de São Paulo (USP), na região metropolitana de São Paulo, os índices dos reservatórios evidenciam que este é um problema permanente e não solucionado. O principal reservatório, o Cantareira, “está com seus índices de reservação mais ou menos como estavam no ano anterior à crise hídrica [2014], em 40 e poucos porcento, o que significa que ele ainda não foi recuperado.”

Já a capital do estado do Paraná, Curitiba, enfrenta graves problemas de abastecimento desde o ano passado. No dia 7 de maio de 2020, o governador decretou “emergência hídrica” por 180 dias e no dia 19 o presidente da Companhia de Saneamento do Paraná (Sanepar), Claudio Stabile, disse na Assembleia Legislativa que indicadores na Região Metropolitana de Curitiba mostravam situação somente vista no século 19. Apontou que aquela seria a pior situação desde que o Sistema de Tecnologia e Monitoramento Ambiental do Paraná (Simepar) começou a monitorar as condições do tempo, em 1997. Um ano depois, em 2021, Curitiba ainda não tem o abastecimento de água normalizado.

Em 2020 rio Iguaçu, que abastece várias cidades no estado do Paraná, tendo seu percurso quase todo nesse território, praticamente secou e as imagens mais evidentes dessa situação foram as Cataratas sem água e os reservatórios das principais represas no rio nos níveis mais baixos dentre os sistemas de geração hidráulica do País. Em maio de 2020, registrou o menor nível desde 1931. Brasilia e o Distrito Federal sofreram com racionamento de água entre 2017 e 2019 e está novamente sob ameaça em 2021.

No Paraguai o famoso lago Ypacaraí esteve dois meses com águas muito baixas em 2020, trazendo problemas para o funcionamento de uma estação de tratamento que abastece a zona central do país de água potável.

 

Geração de energia em situação crítica

Uma das partes mais visíveis da atual crise climática no Brasil é a redução drástica na geração de energia elétrica de fonte hidráulica, com repercussão imediata na economia e na vida da população com o maior custo, pois ativa-se as caras usinas térmicas movidas a combustíveis fósseis. O site Metrópoles informa que dados da Câmara de Comercialização de Energia Elétrica (CCEE) mostra que entre abril e novembro de 2020 o custo de produção de energia no país cresceu 981%.

Na primeira semana de maio de 2021 um terço dos reservatórios monitorados pelo Operador Nacional do Sistema Elétrico (ONS) estava com menos de 20% da capacidade total, o que levou o governo a criar uma “Sala de Situação”, no dia 13 de maio, com o intuito de preservar a água dos reservatórios. Considerando que a crise não surgiu agora, repentinamente, mas já desenhada em 2020 e em anos anteriores, é uma medida tardia e frágil em seu escopo.

A situação é tão crítica que a ONS afirmou que autorizou a acionar as térmicas, sem limitação de montantes e preços, para manter o Sistema Interligado Nacional (SIN) equilibrado.

Com relação ao território mais impactado pela crise, uma análise mais cuidadosa permite identificar que é na unidade ambiental ‘bacia do rio da Prata’ que se centra o problema, pois nela estão 84 usinas hidrelétricas de grande porte, responsáveis pela geração de 64% da energia elétrica do País. Das 84 usinas, 57 estão nos 820.000 km² da sub-bacia do rio Paraná, sendo a última delas em território brasileiro, a de Itaipu, compartida com o Paraguai. As usinas hidrelétricas no Brasil geram 108,54 GW, o que equivale a 65,7% da energia consumida

 

Navegação travada

Talvez o que melhor expresse o quadro atual com relação a navegação no rio Paraná seja a matéria da agência Reuters “Low Paraná River level ‘trims’ Argentine Farm exports”, o texto (com tradução livre) informa que “o nível do Paraná no polo exportador de Rosário [em Rosário o rio Paraná já recebeu as águas do grande rio Paraguai], lar de algumas das maiores esmagadoras de soja do mundo, era de apenas 0,90 metros” no começo de maio – a profundidade média histórica do rio em Rosário é 3,58 metros. Prossegue a notícia: “O custo logístico para a indústria pode ficar entre US$250 e US$300 milhões, mas essa é uma estimativa grosseira. A profundidade do rio, que chega quando começam as colheitas de soja e milho, tem alertado os exportadores depois que a falta de chuvas em 2020 fez com que o Paraná atingisse seu ponto mais raso em 50 anos”.

Em maio de 2021, Esteban Dos Santos, presidente de Centro de Armadores Fluviais e Marítimos do Paraguai (Cafym), solicitou ao Ministério das Relações Exteriores que interviesse para que represas hidrelétricas, dentre elas Itaipu, liberassem água para que a navegação fosse possível, pois o rio Paraná estava 3 metros abaixo do nível que deveria estar na época, um quadro que afeta enormemente o País, pois 70% das mercadorias são transportadas por via fluvial. Segundo empresários do Paraguai mais de 150 mil toneladas de grãos estavam guardadas em barcaças no rio Paraná e outras 600 mil em silos no aguardo da possibilidade de transporte.

Itaipu é a última represa em território brasileiro na bacia do rio Paraná. A montante estão mais de 60 outras, muitas delas com quantidade de água abaixo do esperado para esta época do ano.

Os problemas para a navegação também ocorreram em 2020, quando o nível do rio Paraná ficou muito baixo no Paraguai e na Argentina devido às chuvas insuficientes nas sub-bacias, como a do rio Iguaçu – um tributário do Paraná -, prejudicando o abastecimento de água em algumas cidades e o transporte hidroviário de grãos. Somente no dia 18 de maio de 2020, após 30 dias de negociação entre o Brasil e os 2 países, a represa de Itaipu começou a liberar água por seu vertedouro para elevar o nível do rio Paraná, trazendo alívio para Argentina e Paraguai.

A partir de 2014 o nível da água do rio Tietê, um tributário do rio Paraná, que atravessa o estado de São Paulo, ficou muito baixo, o que determinou menor produção de energia elétrica e prejudicou o transporte de cargas pela hidrovia Tietê-Paraná, o qual foi interrompido por mais de 2 anos – entre abril de 2015 e janeiro de 2016. Milhares de caminhões foram utilizados para substituir as barcaças paradas.

 

Porto Esperança – rio Paraguai. Corumbá, MS. Foto: Alcides Faria

O rio Paraguai apresentou problemas para navegação na última década. Em 2013 em vários trechos o rio atingiu os níveis mais baixos em 4 décadas, quadro que também se apresentou em 2020 e permanece em 2021. Os portos de Corumbá, Ladário e Porto Murtinho, todos no estado de Mato Grosso do Sul, suspenderam as operações em agosto de 2020, fazendo com que o estado deixasse de movimentar pelo rio cerca de 50% do volume de cargas de grãos e minérios previstos para 2020. Os operadores já contabilizam os prejuízos: além de não cumprirem os contratos, as condições de navegabilidade na hidrovia encarecem o frete em 30%, segundo Peter Feler. A rotatividade dos comboios, na rota Ladário-Rosário (Argentina), subiu de 40 para 60 dias, e a partir de Porto Murtinho de 30 para 47 dias. “Muito passos de pedra”, explica Osvaldo Filho, gerente da FV Cereais. A soja estocada nos terminais está retornando às rodovias em direção aos portos de Santos e Paranaguá.

O transporte de cargas foi retomado em fevereiro de 2021.

 

Gráfico da altura dos rios elaborado pelo Centro de Hidrografia e Navegação do Oeste da Marinha do Brasil.

 

Agricultura

Na agricultura os problemas de falta de chuva estiveram presentes em toda a década passada. Em 2014 no estado de São Paulo a redução na produção de cana foi de 16%, o que equivale a cerca de 100 mil toneladas. Mais de 5.000 trabalhadores foram demitidos. Em 2017 e 2018, a maior unidade processadora de cana do mundo, do grupo São Martinho, registrou queda na moagem também devido a seca.

A agricultura na região da bacia do Prata no Brasil segue um calendário que precisa ser cumprido com certo rigor, tendo início do período de chuvas, na parte final do ano, quando se planta lavouras como soja e milho, as quais se desenvolvem rapidamente para serem colhidas entre fevereiro e abril. Terminada a colheita se faz, então, o plantio da nova safra chamada de inverno ou “safrinha”. Ocorre que em muitas regiões faltaram chuvas, o que levou ao atraso no plantio em 2020 e, consequentemente, na colheita de 2021, o que comprometeu a “safrinha”, empurrando à frente.

As consequências para a economia e para a alimentação da população são evidentes: em maio de 2020 a saca de milho era adquirida pelos produtores de ovos – item muito consumido pela população em substituição a carne bovina – por R$46 e em maio de 21 alcançou R$98, uma alta de mais de 100%.

Na bacia do rio Uruguai, compartida por Argentina, Brasil, (estados de Santa Catarina e Rio Grande do Sul) e Uruguai, o problema de falta de água nos dois estados brasileiros em 2020 foi comum a Argentina e Uruguai. Este último, sofre com temperaturas altas e uma seca grave desde 2019. Foram afetados mais de 800 mil hectares em vários departamentos, incluindo Montevideo, situação que levou o governo a decretar, em março de 2020, a “emergência hídrica”, com foco na agropecuária e os produtores familiares, inclusive ampliando a definição de pequenos produtores e destinando 8 milhões de dólares para o apoio a eles.

No Paraguai um marco dos eventos extremos nos últimos anos é a grande seca de 2009 em algumas regiões do País, a qual afetou milhares de famílias, principalmente indígenas e rurais do centro e o norte do Chaco. A escassez de água para consumo humano e a proliferação de reservatórios secos tornaram a situação crítica. A partir de maio de 2019, na região do Alto Paraguai, limítrofe com Brasil e Bolívia, os incêndios florestais tomaram milhares de hectares, cobrindo grande partes dos países com fumaça. Em 2020 a seca prosseguiu atingindo novamente sobre grande parte do território paraguaio.

Deixe uma resposta

Your email address will not be published.

Mais recente de Blog

Água. O Brasil em crise.

As 5 grandes bacias hidrográficas brasileiras estão sob decreto de “escassez hídrica”, segundo a ANA (Agência